Era fim de ano, tempo de comemorar a chegada de um novo janeiro e o alento para os horizontes estavam por vir. O Brasil, porém, amanhecia impactado com a forte repercussão de um crime violento cometido por um homem inconformado com o fim de uma relação. Entre os argumentos para assassinar, o agressor usou, em sua defesa, a vida da mulher e o desejo dela por liberdade. Era 1976, exatamente 30 de dezembro; e a vítima, Ângela Diniz. Quarenta anos depois, em 1 de janeiro de 2017, tivemos nossa esperança no novo ano abatida por um feminicídio, que levou a violência a outro patamar. Ao assassinar nove mulheres de um mesmo círculo de relações em Campinas (SP), Sidnei Ramis de Araújo indicou que, para lavar sua honra, não bastava apenas matar a ex-companheira, o alvo de seu ódio. Foi necessário acabar com a vida de parentes e amigas.
A tragédia anunciada durante uma década
Além da quantidade de vítimas fatais no crime, a carta deixada pelo agressor confirma a potência letal do ódio a mulheres. Se nos 40 anos que separam os crimes de Doca Street e Sidnei Ramis de Araújo, nós mulheres brasileiras avançamos em direitos, a estrutura de dominação patriarcal – responsável por matar 13 mulheres diariamente no país – conseguiu criar barreiras para que ainda não tenhamos conquistado uma vida plena de direitos.
Uma consulta a arquivos sobre feminicídios indicou esse como primeiro caso em que o assassino constrói uma narrativa em relação à lei que protege mulheres e crianças das agressões domésticas. “Filho, não sou machista e não tenho raiva das mulheres (essas de boa índole, eu amo de coração, tanto é que me apaixonei por uma mulher maravilhosa, a Kátia) tenho raiva das vadias que se proliferam e muito a cada dia se beneficiando da lei vadia da penha!”
Além das investigações e a responsabilização de eventuais envolvidos no crime (por ação ou negligência), é necessário refletir sobre como os poderes públicos têm colocado em xeque a Lei Maria da Penha. Apesar de ser uma das nossas maiores conquistas, junto com a a aprovação da lei do Feminicídio, a punição dos agressores e a prevenção concreta dos crimes ainda demandam mobilização social. Uma avaliação do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) apontou que a Lei conseguiu reduzir em 10% os homicídios de mulheres por violência doméstica, mas que ainda há diferentes graus de institucionalização dos serviços protetivos às vítimas pelo país.
Isamara Filier, ao longo de 10 anos, período que coincide com a aprovação da Lei Maria da Penha, registrou cinco boletins de ocorrência contra o ex-companheiro por agressão e ameaça, e também por abuso sexual contra seu filho. Sua morte se anunciava desde 2005. Onze anos depois, com o Estado falhando na prevenção e na proteção, o crime se concretiza.
O desejo de exterminar a maior quantidade possível de mulheres da mesma família – como ficou claro na carta divulgada pela imprensa – é um alerta. O ódio dos agressores de mulheres têm sim potencial para construir grandes tragédias. É com essa realidade que todos os atores sociais – os sistemas de Justiça, de assistência social, e também os de educação e os meios de comunicação – precisam lidar com a violência contra as mulheres. Somos o quinto país que mais assassina mulheres no mundo. Na visão de agressores como Sidnei, esta semana, ou Doca Street, 40 anos atrás, vadias somos todas nós mulheres que lutamos por liberdade e autonomia.
A morte de Isamara, seu filho, amigas e familiares demostra que as Leis não findam em si mesmas. A violência contra as mulheres é um problema estrutural da cultura machista, racista e homo-lesbo-transfóbica, que nega às mulheres o direito a uma vida livre e plena.
Nós – mulheres do movimento feminista organizado – não podemos deixar que a impunidade se perpetue. Comprometemo-nos a cobrar punições de imediato. Em paralelo aos avanços nas legislações, que precisam ser implementadas verdadeiramente, seguimos também na luta pela transformação da sociedade voltada à construção de um país que proteja todas as cidadãs e todos os cidadãos.
Articulação de Mulheres Brasileiras -AMB
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB
Coordenação Nacional da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas - CONAQ
Coletivo de Mulheres Defensoras Públicas do Brasil
Coletivo Nacional de Mulheres do PSOL
GT de Mulheres de Axé da Rede Nacional de Religiões Afro Brasileira (REAFRO)
Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD)
Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia (MAMA)
Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE)
Movimento de Mulheres Camponesas MMC
Rede de Mulheres Negras do Nordeste
Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Reprodutivos e Direitos Sexuais
Rede Nacional de Pessoas com HIV e Aids
Rua Juventude Anticapitalista
União Brasileira de Mulheres UBM
União de Mulheres da Amazônia Brasileira UMIAB
#partidA - construindo a democracia feminista
Em solidariedade: Articulação Feminista MarcoSur (America Latina)
AMB Rio de Janeiro (RJ)
AMB São Paulo (SP)
AMB Mato Grosso do Sul (MS)
AMA Articulação de Mulheres do Amazonas (AM)
Articulação Aids Pernambuco, Recife (PE)
Articulação de Mulheres do Amapá (AP)
Articulação de Mulheres Indígenas do Maranhão (AMIMA, MA)
Coordenação e Articulação dos Povos Indígenas do Maranhão (MA)
Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM/Brasil)
Diretoria de Políticas para Mulheres da Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco (PE)
Federação dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal do Ceará (CE)
Federação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores e Agricultoras familiares do Ceará (CE)
Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino e no Serviço Público no Sul do Maranhão (MA)
Fórum Justiça (RJ)
Fórum de Mulheres do Sertão do Araripe (PE)
Fórum de Mulheres de Jaboatão (PE)
Fórum Cearense de Mulheres (CE)
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense (PA)
Fórum de Mulheres Maranhense (MA)
Fórum de Mulheres de Imperatriz (MA)
Fórum de Mulheres do Amapá (AP)
Fórum de Mulheres do Distrito Federal (DF)
Fórum de Mulheres do Espírito Santo (ES)
Fórum de Mulheres de Pernambuco (PE)
Fórum Permanente das Mulheres de Manuas (AM)
Fórum de Mulheres do Rio Grande do Norte (RN)
Levante Popular da Juventude
Movimento e Articulação de Mulheres do Estado do Pará (PA)
Movimento Ibiapabano de Mulheres (CE)
Movimento de Mulheres Solidária do Amazonas (AM)
Movimento de Promotoras Legais Populares de Mauá (SP)
Movimento de Mulheres da Floresta – Dandara (AM)
Movimento Mais Mulheres OAB Roraima (RR)
Movimento de Mulheres Negras de Colatina e Região de Zacimba Gaba (ES)
Rede de Mulheres Negras de Pernambuco (PE)
Rede de Mulheres de Terreiro (PE)
Rede de Mulheres em Articulação da Paraíba (PB)
Associação de Mulheres Amigas de Itinga AMMIGA (BA)
Associação de Mulheres do Bacuri e Adjacências (MA)
Associação Catarinas, Florianópolis (SC)
Associação de Mulheres Buscando Libertação, Cariacica (ES)
Associação de Mulheres da Serra (ES)
Associação Brasileira de Mulheres da Carreira Juridica – Espirito Santo (ES)
Bamidelê Organização de Mulheres Negras da Paraiba (PB)
Blogueiras Negras
Cabelaço (PE)
Casa da Mulher do Nordeste (PE)
Casa da Mulher 8 de Março (TO)
Casa Chiquinha Gonzaga (CE)
Católicas pelo Direito de Decidir (SP)
Centro de Direitos Humanos Pe. Josino (MA)
Centro Feminista de Estudos e Assessoria -CFEMEA (DF)
Cepia Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação, Ação (RJ)
Centro Acadêmico de História Bem-Te-Vis UEMA (MA)
Coco de Mulheres (PE)
Cidadãs Positivas de Pernambuco (PE)
Coletivos de Mulheres Negras Carolinas (RN)
Coletiva de Mulheres de Lauro de Freitas (BA)
Coletivo Marcha das Vadias Recife (PE)
Coletivo de Mulheres do Calafate (BA)
Coletivo de Mulheres de Jaboatão (PE)
Coletivo Maria Vai com as Outras (ES)
Coletivo Mulher Vida (PE)
Coletivo Alumiá (SP)
Coletivo Quebrando Vidraças (PE)
Comitê Popular Urbano de Belém (PA)
Coletivo de Mulheres Casa Lilás (PE)
Coletivo de Mulheres Passirenses (PE)
Coletivo de Mulheres do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (DF)
Coturno de Vênus (DF)
Cunhã Coletivo Feminista (PB)
Diakonia Organização Crsitã de Defesa dos Direitos Humanos e Promoção da Justiça (Fortaleza - CE)
Espaço Feminista URI HI (AM)
Espaço Mulher (PE)
FASE
Grupo Cidadania Feminina (PE)
Grupo Alternativo de Geração de Renda da Economia Solidária (PA)
Grupo Curumim (PE)
Grupo Cultural Femini Nação (PE)
Grupo de Mulheres Jurema (PE)
Grupo de Pesquisa/Uepa: Movimentos Sociais, Educacao e Cidadania na Amazonia – GMSECA (PA)
Grupo Mulher Maravilha (PE)
GTP+ (PE)
Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
IMAIS (BA)
Instituto Papai (PE)
Instituto Inegra (CE)
Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos (PA)
Instituto Maria da Penha (CE)
Instituto Amazônia Solidária IAMAS (PA)
Mirin Brasil (PE)
NEPEM-UFMG (MG)
Núcleo de Mulheres de Roraima – NUMUR (RR)
Núcleo Amélias da Marcha Mundial de Mulheres ( RN)
N30 Pesquisas (RJ)
Pretas Candangas (DF)
Redeh Rede de Desenvolvimento Humano, (RJ)
Secretaria Estadual de Mulheres do PT (PE)
Secretaria de Mulheres da CUT (CE)
Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Pernambuco, Recife (PE)
Sindicato dos Professores Especialistas de Imperatriz (MA)
Sítio Agatha – Espaço de Agroecologia Militante Feminista Étnico-Racial
SOS Corpo - Instituto Feminista para Democracia (PE)
Tribo Aldeia da Juventude (PA)
Uialá Mukaji Sociedade de Mulheres Negras (PE)
Zalika – Maternidade, Parto e Infância (ES)
Advogadas e especialistas dedicadas a temas dos direitos das mulheres
Maria da Penha Maia Fernandes, fundadora do Instituto Maria da Penha
Ela Wiecko Wolkmer de Castilho, professora de Direito da UnB
Silvia Pimentel, professora de Direito da PUC de São Paulo
Fabiana Cristina Severi, professora da Direito da USP
Fabiane Simioni, professora de Direito da FURG
Rosane M. Reis Lavigne, defensora pública no Rio de Janeiro (RJ) e integrante do Fórum Justiça
Arlanza Rebello, defensora pública no Rio de Janeiro (RJ)
Lívia Casseres, defensora pública no Rio de Janeiro (RJ)
Ana Carolina Caruso Cavazza, advogada e conselheira do Conselho Municipal da Mulher de Campinas (SP)
Myllena Calasans de Matos, colaboradora do Cladem/Brasil
Carmem Hein de Campos, professora do Mestrado em Segurança Pública, UVV/ES
Rubia Abs da Cruz, coordenadora nacional do Cladem/Brasil
Renata Jardim, coordenadora do Centro de Referência para Mulheres Vítimas de Violência Patrícia Esber, Canoas (RS)
Wânia Pasinoto, pesquisadora sênior do Pagu/Unicamp
Iáris Ramalho Cortês, advogada e sócia do CFEMEA
Diana Melo, advogada popular
Luciana Silva Garcia, advogada e doutoranda em Direito pela UnB
Tayse Ribeiro de Castro Palitot, advogada popular do coletivo Tancredo Fernandes e mestrada em Direitos Humanos pela UFPB
Priscylla Joca, doutoranda em Direito pela Universidade de Montreal (Canadá)
Sônia Maria Alves da Costa, advogada e doutoranda em Direito pela UnB
Deíse Camargo Maito, advogada e mestranda em Direito pela USP
Larissa Vieira, advogada popular e integrante do Coletivo Margarida Alves
Andreia Aparecida Silvério dos Santos, advogada da Comissão Pastoral da Terra
Flavia Carlet, doutoranda em sociologia do Direito pela Universidade de Coimbra
Denise da Veiga Alves, advogada popular
Fernanda Cristina Moura, advogada popular
Gisele Flügel Mathias Barreto, advogada
Ana Cacilda REzende Reis, advogada
Lorena Nunes Aguiar, advogada popular
Ana Luiza Cabreira, advogada popular
Lenir Correia Coelho, advogada popular
Ana Flávia Couto Vilela de Andrade, advogada popular
Daniella Alencar Matias, advogada popular
Ingrid Soares, advogada popular
Marília Lomanto Veloso, advogada popular
Vera Lúcia Santana Araújo, advogada
Marcilene Aparecida Ferreira, advogada
Mariana Mei de Sousa, advogada
Érika Lula de Medeiros, advogada
Marina Basso Lacerda, advogada
Fernanda Cristina Moura, advogada
Julianne Melo dos Santos, advogada
Marcilene Aparecida Ferreira, advogada
Erina Batista, advogada
Angélica Limberger, advogada
Assinaturas coletadas até as 15 horas do dia 4 de janeiro de 2017.