Quase lá: Mulheres ainda são minoria em cargos esportivos

Professores comentam que, mesmo em ligas exclusivamente femininas, a participação de mulheres como treinadoras, árbitras e gestoras ainda é baixa

Jornal da USP no Ar 1ª edição

07/06/2023
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Para que a equidade de gênero deixe de ser um sonho também nessa área, é preciso iniciativas e incentivos que promovam a inclusão das mulheres nesses espaços – Créditos: Flickr
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Ao pensar em um trio de arbitragem de uma partida de futebol há dez anos, o imaginário traria apenas homens nesta imagem hipotética. Atualmente, ao se ligar a televisão, as mulheres estão lá, como primeira ou segunda árbitra ou bandeirinhas. Apesar da conquista de espaços que eram destinados exclusivamente para homens, as mulheres ainda precisam lidar com barreiras imensas de acesso a cargos no esporte, além da necessidade de se autoafirmar profissional e pessoalmente no ambiente esportivo.

Renato Francisco Rodrigues Marques |
Créditos: Arquivo Pessoal

Ainda que o aumento de mulheres e a presença delas nos diversos âmbitos esportivos deva ser celebrado, é preciso destacar que o caminho ainda é longo. O professor de Sociologia Esportiva da Escola de Educação Física e Esporte em Ribeirão Preto (EEFERP) da USP, Renato Francisco Rodrigues Marques, comenta que a proporção de mulheres atuando como gestoras, árbitras ou treinadoras não cresce na mesma proporção de mulheres como atletas.

Larissa Rafaella Galatti | Créditos: Arquivo Pessoal

“Historicamente o esporte foi criado por homens e para homens. A entrada das mulheres sempre foi um ato de resistência”, conta Marques. O acesso e a progressão na carreira esportiva por elas se deparam com questões estruturais da sociedade, que permeiam também as organizações esportivas. “Se a mulher decidir ser treinadora, por exemplo, viagens são vistas como mais burocráticas, já que cabe a ela o cuidado com a casa, possíveis filhos e o marido”, acrescenta a professora do curso de Ciências do Esporte na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Larissa Rafaella Galatti.

Além disso, para alcançar cargos prioritariamente masculinos, é preciso muita luta em um ambiente hostil que descredibiliza as mulheres, por mais que sejam capacitadas profissionalmente, algumas vezes até mais que os homens. “Há uma dificuldade para as mulheres que escolhem seguir essa carreira no esporte, em geral salários mais baixos, a necessidade de mostrar muito mais formação para estar no mesmo cargo e o ambiente dominado por homens”, destaca Larissa.

Menor presença em cursos esportivos

Os dados mostram que, desde a entrada de mulheres em cursos relacionados ao esporte, já existe uma diferença significativa quando comparada aos homens. A professora da Unicamp conta que, no curso em que atua, que teve início em 2009, é observado cerca de 20% de participação feminina e 80% masculina. Em 2023, o número de mulheres subiu para 40%, mas Larissa conta que pode ser um ano de exceção e que é preciso acompanhar os números.

“A gente investigou a trajetória de alunos homens e alunas mulheres antes de chegar ao nosso curso. Eles desenharam sua linha do tempo e tentaram identificar experiências prévias ao curso de esporte”, comenta Larissa. Foi observado na pesquisa que os homens tiveram experiências positivas em ambientes mais favoráveis, enquanto as mulheres dependiam de pessoas que tiveram uma influência positiva, já que o ambiente nem sempre é acolhedor.

A menor presença feminina em cursos esportivos pode estar associada a uma trajetória de menos acessos e oportunidades ao longo da infância e juventude. Isto pode refletir também em uma menor possibilidade de atuar em cargos de liderança em  gestão esportiva, como treinadoras e árbitras, por exemplo.

Os números no esporte

Além dos números baixos nos cursos, no cenário esportivo os dados seguem a mesma tendência. Larissa conta que, no atletismo, por exemplo, ao investigar o campeonato Troféu Brasil, é possível ver quase uma equidade entre homens e mulheres atletas na categoria adulto, uma diferença de apenas 4%. No entanto, ao falar sobre treinadores, as mulheres não chegam nem a 25%, mesmo na categoria de base.

No basquete, a Liga de Basquete Feminino, apresenta o porcentual de 25% de treinadoras, considerando os números de 2010 até 2017. Com relação às árbitras, elas atingem 21% de participação e, em situações de auxiliares de arbitragem e operadoras de mesas, os números são um pouco maiores. “Mesmo nesta liga feminina, a prevalência de homens é perceptível e numericamente observada”, completa a professora.

No esporte mais tradicional do País, o futebol, os números continuam baixos. Ao analisar o Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino, entre 2013 e 2019, Larissa conta que foi observada a presença de 17% de mulheres na posição de treinadora principal e de 22% como auxiliar técnica, o que mostra o mesmo problema visto no basquete, uma competição feminina onde os homens exercem a maior parte dos cargos esportivos.

Já no Campeonato Brasileiro de Futebol Masculino, também entre 2013 e 2019, os números mostraram 39% de árbitros e 59% de assistentes. “É possível aqui ver uma prevalência de mulheres entre assistentes, mas não na posição de maior liderança, que é de árbitro”, alerta Larissa.

Ao levantar os números nas pesquisas, a professora destaca que é preciso um olhar atento aos esportes femininos que ganham visibilidade. “É comum que homens que tiveram mais oportunidades de formação do que mulheres, em geral se interessem e venham para este lado do esporte. Por isso, políticas de manutenção são fundamentais, em especial nos esportes e campeonatos femininos.”

Próximos passos

Para que a equidade de gênero deixe de ser um sonho também nessa área, é preciso iniciativas e incentivos que promovam a inclusão das mulheres nesses espaços. “O Comitê Olímpico Internacional e o Comitê Olímpico Brasileiro têm iniciado políticas para aumentar os números em cargos de gestão. Já no Canadá, por exemplo, as equipes femininas têm que ter ao menos uma mulher na comissão técnica”, pontua a especialista.

Além dessas ações, colocar em debate questões de gênero, em qualquer âmbito, pode ajudar a criar alternativas para problemas antigos, assim como destacar e incentivar a participação feminina. “O sucesso de qualquer mulher no campo do esporte possibilita reflexão sobre a legitimidade delas nesse espaço. Quando uma árbitra, treinadora ou gestora, ganha destaque, permite uma reflexão sobre como diminuir resistências para outras mulheres”, pontua Marques, professor da USP.

Uma iniciativa da Escola de Educação Física e Esporte em Ribeirão Preto (EEFERP) da USP traz para a discussão a relação entre esporte e sociedade, com um canal no YouTube onde aborda diversas temáticas sociais. Liderado por Marques, a nova temporada do projeto trouxe em um dos seus episódios o tema Mulheres no Esporte e pode ser acessado de forma gratuita nesse link.


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fonte: https://jornal.usp.br/atualidades/mulheres-ainda-sao-minoria-em-cargos-esportivos/


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