Quase lá: Paralisado por marco temporal, governo tenta 'permuta' com estados para avançar em demarcações, diz Sonia Guajajara

Tese ruralista já foi declarada como inconstitucional, mas Gilmar Mendes decidiu criar nova instância para definir tema

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É muito importante que as pessoas entendam que os indígenas não brigam por uma terra que não é deles, não brigam por uma terra alheia - Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
 Agora estamos nesse processo de assinar um termo de cooperação com o governo do Estado 

Marco temporal aprovado no Congresso, mas declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse cabo de guerra, a definição sobre se é válido ou não o novo entendimento sobre a demarcação de terras indígenas foi adiada, mais uma vez, para uma nova instância. 

Por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, foi criada uma câmara de conciliação para definir como o Estado vai atuar diante do impasse.  

O primeiro encontro já aconteceu, em 5 de agosto, mas a agenda segue, pelo menos, até dezembro. A comissão é composta por 13 membros, indicados pelo Congresso, executivo federal, estadual e municipal. 

“É o que temos, né?”, comenta a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em entrevista ao programa Bem Viver desta sexta-feira (23). 

A chefe da pasta lamenta que a definição tenha sido adiada novamente e argumenta que enquanto a câmara organizada pelo STF ocorre, segue em vigor o entendimento do marco temporal, causando violência em diversas regiões do país, argumenta a ministra. 

“Nós não temos dúvida que essa retomada dos territórios é consequência já da rediscussão do marco temporal”, comenta a ministra se referindo as ações de povos indígenas de ocupar regiões reivindicadas como territórios tradicionais, mas, hoje, sob posse de outros grupos, como fazendeiros.  

"Com a instalação da Câmara no Supremo, os indígenas entenderam que era importante reagir para que pudesse ter de volta aí seus territórios. Nós temos nos últimos dois meses o Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Paraná, Ceará e Bahia como os estados com maior situação de conflitos”. 

Como o Brasil de Fato vem noticiando, a violência contra os Guarani Kaiowá, especialmente em Mato Grosso do Sul, aumentam os ataques de grupos armados. Por exemplo, no dia 3 de agosto, quando fazendeiros, de cima de caminhonetes, abriram fogo com balas letais e de borracha, ferindo uma senhora e nove jovens. Dois indígenas tentaram proteger o barracão onde estavam quatro bebês e 30 crianças e tiveram ferimentos graves. Um tomou um tiro na cabeça, outro no pescoço. 

Dias depois, a ministra Guajajara foi até o local do conflito e garantiu um aumento do efetivo da Força Nacional. 

Segundo a ministra, assim como no caso do marco temporal, o governo está paralisado à espera de uma decisão judicial para finalizar a demarcação da terra indígena Panambi-Lagoa Rica, onde se concentram os conflitos no MS.  

Enquanto isso, Sonia Guajajara explica que o governo busca outras frentes para avançar na demarcação de terras. 

“O que nós estamos trabalhando é para trazer esses processos que não estão afetados, aqueles que são anteriores a 1988, e também vendo as possibilidades de diálogos com os próprios governos estaduais, com transferência de áreas estaduais para a União.” 

Segundo a ministra, essas conciliações com estados estão avançadas no Ceará e Rio Grande do Sul.

“Nós temos no Rio Grande do Sul um total de 28 áreas ocupadas por indígenas, que são áreas estaduais. Agora estamos nesse processo de assinar um termo de cooperação com o governo do Estado para que essas áreas sejam transferidas, então é o que a gente chama de permuta”. 

“Nós estamos também com uma boa relação no estado do Ceará, onde o estado assumiu o processo de demarcação física de quatro terras indígenas”. 

Mesmo assim, a ministra não assegura que novas demarcações aconteçam ainda neste ano. Até agora, o governo finalizou o processo de 10 terras indígenas, quando havia o comprometimento de entregar 14 ainda nos primeiros 100 dias de governo.

Confira a entrevista na íntegra 

Com o governo avaliou a decisão do ministro Gilmar Mendes de criar a Câmara de Conciliação?

O presidente Lula vetou o marco temporal integral quando foi aprovado no Congresso, e [o texto] voltou para o Congresso, [em seguida] eles derrubaram o veto do presidente Lula. 

Como resposta teve essas ações que foram impetradas no Supremo Tribunal Federal e ali todo mundo teve uma esperança de que o Supremo pudesse reafirmar a sua posição de inconstitucionalidade. 

Mas ao invés disso, o ministro Gilmar Mendes instalou essa câmara de conciliação suspendendo todas as outras ações [contra o marco temporal]. 

Então, agora é o que temos, né? Temos esse espaço da Câmara de Conciliação para debater sobre essa tese do marco temporal com a participação de todos os setores envolvidos. 

Nós, enquanto governo, estamos lá com quatro vagas, com a representação do Ministério dos Povos Indígenas, da Funai, da AGU [Advocacia Geral da União] e do Ministério da Justiça. 

Ficamos numa berlinda. Por um lado tem a Câmara de Conciliação para debater esse tema, por outro lado tem o risco da PEC 48 ser apresentada no Senado.  

Com a instalação da Câmara, a PEC foi paralisada.  Agora a gente participa, entendendo que é um instrumento importante de diálogo, porque se a Câmara também paralisa, a PEC pode voltar a tramitar no Congresso Nacional.  

É claro que o ideal seria declarar a inconstitucionalidade dessa lei, enquanto a Câmara tivesse funcionando, pelo menos até terminar os trabalhos e se ter um resultado.  

Mas não foi isso que aconteceu, o movimento indígena só licitou a suspensão da lei enquanto a Câmara estivesse funcionando, isso não foi atendido. E nós queremos continuar acreditando que esse espaço de diálogo seja um espaço democrático, que garanta a participação, que garanta, de fato, essa escuta e a voz dos povos indígenas e de todos interessados ali de forma igualitária. 

Nós temos que acreditar que seja de fato um espaço de participação, de seriedade e transparência. 

Enquanto permanecer este impasse não terá demarcação de terra indígena?

O que nós estamos trabalhando é para trazer esses processos que não estão afetados, aqueles que são anteriores a 1988, e também vendo as possibilidades de diálogos com os próprios governos estaduais, com transferência de áreas estaduais para a União, né, com a constituição de reservas. A gente está trabalhando com outras possibilidades para que a gente possa resolver os conflitos a partir da entrega dos territórios para povos indígenas. 

Porque somente com essa ação de entrega dos territórios é que a gente vai conseguir acabar com os conflitos.  

Então podemos ter demarcações este ano?

Estamos trabalhando para isso. 

Qual a opinião do governo a respeito das retomadas indígenas?

Nós não temos dúvida de que essa retomada dos territórios é consequência já dessa rediscussão do marco temporal. 

Os indígenas entendem as suas áreas como áreas tradicionalmente ocupadas, eles seguem lutando por elas, seguem ali na defesa do direito territorial. 

Então, com a instalação da Câmara, no Supremo, os indígenas entenderam que era importante reagir para que pudesse ter de volta seus territórios. 

Nós temos nos últimos dois meses o Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Paraná, Ceará e Bahia como os estados com maior situação de conflitos. Coincidência ou não, a gente está com ações em todos esses estados, em diálogo com os governadores, em diálogo com os povos indígenas, buscando também as soluções possíveis para minimizar esses conflitos através dessa articulação da regularização fundiária. 

No Rio Grande do Sul, por exemplo, a gente já trabalhou uma proposta para transferência de áreas estaduais ocupadas por indígenas para a União. E a União assume o processo de regularização desses territórios.  

Então temos no Rio Grande do Sul um total de 28 áreas ocupadas por indígenas, que são áreas estaduais, e nós agora estamos nesse processo de assinar um termo de cooperação com o governo do Estado para que essas áreas sejam transferidas. É o que a gente chama de permuta.  

Isso já está bem avançado aqui também no governo e logo, logo a gente vai ter essa assinatura. 

Nós estamos também com uma boa relação no estado do Ceará, onde o estado assumiu o processo de demarcação física de quatro terras indígenas e agora vai apoiar também a Constituição de GTs, de Grupo de Trabalhos, para iniciar os estudos de delimitação e identificação lá no estado do Ceará.  

Nós estamos indo, estado a estado, olhando o mapeamento, atualizadas as terras indígenas, qual é a situação, qual é a etapa que se encontra, e aí, a partir daí, a gente busca os mecanismos para conseguir avançar. 

Sobre o conflito em Mato Grosso do Sul, o governou instalou uma sala de situação. Que medidas efetivas podem sair disso?

 A preocupação principal é garantir a segurança dos indígenas nessas áreas de conflitos. Não é uma situação tranquila, de fato, estão lá os indígenas, estão lá os produtores.  

No último sábado eles chamaram o tratoraço, lá na cidade de Douradina, protestando contra essa retomada indígenas. 

Mas é muito importante que as pessoas entendam que os indígenas não brigam por uma terra que não é deles, não brigam por uma terra alheia, quando eles vêm para uma retomada é entendendo a tradicionalidade daquela terra. 

Na terra indígena Panambi-Lagoa Rica existe um relatório de identificação publicado ainda, em 2007 ou 2009, por aí. E tem ali essa autenticidade de ser um território indígena. 

Por outro lado, todos esses produtores que tão lá, apresentam documentos que a terra foi entregue para eles pelo próprio Estado. Então, esse processo foi judicializado e se encontra no TRF 4, lá em Dourados, e nós estamos agora trabalhando para identificar qual que é a situação desse processo, qual é a judicialização, a conclusão depende da justiça.  

Cabe a nós acionarmos e tentar intervir ali no sentido de agilizar do trâmite do processo. 

Assim como Panambi-Lagoa Rica que a gente está olhando também outras áreas que estão judicializadas, porque nós temos muitas situações diárias judicializadas que o processo foi totalmente paralisado por conta dessa judicialização. 

Então é um diálogo com a AGU, um diálogo com o próprio Supremo Tribunal Federal, para que a gente possa deslanchar com essas questões de agilizar o andamento. 

E ali no Mato Grosso do Sul tem muitos desses produtores que também já apresentaram interesse em sair da terra. Eles querem ser indenizados, ou eles querem vender, uma vez que eles têm um título.  


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Edição: Nathallia Fonseca

Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2024/08/23/paralisado-por-marco-temporal-governo-tenta-permuta-com-estados-para-avancar-em-demarcacoes-diz-sonia-guajajara 


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