Quase lá: 'Eu tenho a cara do Brasil', celebra Dira Paes, em estreia como diretora após 40 anos de atriz

Artista chega às telonas de todo país com longa Pasárgada, com Humberto Carrão, que fala sobre tráfico de animais

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Pasárgada teve primeira exibição oficial no Festival de Gramado, no qual foi premiado como Melhor Desenho de Som (Beto Ferraz) - Divulgação/Pasárgada
Uma coisa que não serve a nada é demonizar artistas. É uma desvalorização dos que estudam

Mais uma quinta-feira de estreia de Dira Paes nos cinemas do país. Mas, agora, com uma novidade importante. Pela primeira vez, a atriz de 40 anos de estrada entre cinema, série, novela e teatro chega ao público pelo lado de trás das câmeras. Pasárgada estreia no dia 26 de setembro em diversas cidades mostrando ao Brasil a Dira Paes diretora e roteirista.  

Além disso, ela é uma das protagonistas do filme, interpretando a ornitóloga Irene, que contracena com Manuel, um mateiro especialista em "falar" com os pássaros e que ganha vida pela atuação de Humberto Carrão.  

O longa se passa em Arraial do Sana, interior do Rio de Janeiro, e faz uma denúncia ao tráfico internacional de animais, em especial pássaros.  

"Eu escolhi esse poema [Pasárgada] como inspiração, porque me veio essa fala sobre o desejo de você achar o seu paraíso particular, não é? Todo mundo estava com esse desejo naquele momento [pandemia], então fui invadida também com esse sentimento e acabou se traduzindo dessa forma", afirma ela sobre o nome do filme, que faz alusão ao célebre poema de Manuel Bandeira, lançado em 1930, Pasárgada.


Humberto Carrão e Dira Paes protagonizam o filme / Foto: @peterwery

Em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta, Paes explica que o filme surgiu no início da pandemia, em um retiro que a própria artista estava fazendo como forma de se proteger da disseminação do vírus.  

"Ela [a personagem Irene] entra na floresta como se estivesse indo para dentro dela mesma, novamente. Uma mulher precisando dessa energia que é essencial e fundamental, que se você deixar ela some da sua vida cedo."

 E mata é um feminino, né? Mata é uma metáfora do começo da mulher

Segundo Paes, a decisão sobre se lançar como diretora após 40 anos de atriz foi um processo muito natural e particular. "Eu participei de muitos primeiros longas de primeiros diretores, muitas apostas junto com várias gerações de diretores." 

"Me orgulho dessa versatilidade, eu fiz filme no Brasil inteiro. Isso me orgulha muitíssimo. Eu tenho a cara do Brasil. Eu fiz filme na fronteira do Rio Grande do Sul, fiz filme no Mato Grosso, fiz filme no Norte, fiz filme no Nordeste, fiz filme no Brasil inteiro."

Na entrevista, Paes comenta também sobre a participação de Cássia Kis no filme, que recentemente foi demitida da Rede Globo por conta de posicionamentos políticos como, por exemplo, participar de atos pró-Bolsonaro nos quais pediam "intervenção militar" para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tinha sido recém-eleito. 

"Eu respeito essa atriz, sabe? Acho muito difícil lidar com os extremos, o radicalismo, ele não leva a nada. Eu amo a Cássia como pessoa, tenho respeito a ela. É uma atriz magnânima e o posicionamento político dela não tira esse atributo." 

"Mas, lógico, eu não sou antidemocrática, vocês bem sabem e me conhecem, e eu desejo muito que a gente consiga já estabelecer diálogos com as pessoas que a gente admira para que a gente deixe de brigar. Está todo mundo cansado de brigar, a gente precisa dialogar, a gente precisa falar das nossas mazelas, elas são iguais e a gente precisa entender e explicar também os nossos posicionamentos."

Confira a entrevista na íntegra em https://open.spotify.com/embed/episode/7bQC9BGaTsD1rhAYBvy6D1?utm_source=generator

O filme estreou oficialmente no Festival de Gramado quando ganhou o prêmio de melhor desenho de som. Era uma expectativa da equipe?

Hoje em dia todo mundo produz imagem. Você produz imagem com o seu celular, é a coisa mais democrática que existe. Mas o cinema é audiovisual.

E o que faz as coisas ficarem cinematográficas? Você ter essa sensibilidade do som. Então, para nós, foi um prêmio que nos deu muita honra e alegria. 

Queríamos trazer essa ideia sobre a profissão de ser ornitólogo, que é ver de olhos fechados. O ornitólogo não tem uma tem uma relação visual com pássaro, até mesmo porque, na mata, para você ver um bichinho desse tamaninho, é muito difícil. Eles cantam alto à beça, mas às vezes estão longe. 

E a inspiração do nome vem do poema de Manuel Bandeira?

É um filme quase com essa sensação pandêmica, mas não é na pandemia, não fala sobre pandemia.  

Eu escolhi esse poema como inspiração, porque me veio essa fala sobre o desejo de você achar o seu paraíso particular, não é? Todo mundo estava com esse desejo naquele momento, então fui invadida também com esse sentimento e acabou se traduzindo dessa forma.  

Como foi esse processo de você se lançar como diretora e, ao mesmo tempo, como roterista logo de cara?

Estou respondendo aos meus estímulos naturais. São 40 anos de cinema, mais de 40 filmes. Foi um transbordamento que a pandemia provocou.  

Eu sou casada com o Paulo Baião, que é fotógrafo do filme, meu coprodutor, meu cúmplice. Ele estava comigo em todas as etapas também. 

Nasceu dentro de nós o desejo de fazermos alguma coisa juntos, que celebrasse até mesmo essa parceria.  

E eu queria começar do começo, que nem uma mambembe, aquela que tem que dar conta de tudo, sabe? Porque a gente estava vivendo um momento pandêmico, a gente não pode esquecer isso. Então eu queria essas etapas, eu queria participar de todas as etapas. 

Eu vi que isso era um movimento natural. Eu acho natural um ator experimentar a direção... São muitos exemplos, né? Nós temos hoje e ontem. 

E aí isso para mim foi uma experiência como se eu estivesse começando tudo do começo. E o filme tem uma coisa que atravessa do começo ao fim que é esse adentrar na mata. 

 

Você leva, conduz as pessoas pra dentro da mata. E mata é um feminino, né? Mata é uma metáfora do começo da mulher. 

Ela [a personagem Irene] entra na floresta como se estivesse indo para dentro dela mesma novamente. Uma mulher precisando dessa energia que é essencial e fundamental, que, se você deixar, ela some da sua vida cedo.  

Essa decisão de se lançar como diretora após 40 anos como atriz foi uma decisão sua ou você sente que, até então, as portas não estavam abertas para você por ser mulher, por exemplo?

Foi totalmente um processo meu. Eu gosto do meu pioneirismo, sabe? Eu acreditei desde sempre no cinema, eu percebi que o cinema era um lugar que poderia me proporcionar grandes personagens desde cedo. 

Pensei assim, "quero isso para o resto da minha vida", e eu lembro que eu pensava, "poxa, eu não posso não passar por essa porta e ver no que vai dar". 

Eu não tinha muito espelho em outros canais. Onde eu via mais possibilidade de eu ter uma carreira era no cinema e eu acho que fui perspicaz nesse sentido. 

Participei de muitos primeiros longas de primeiros diretores, muitas apostas junto com várias gerações de diretores. 

Me orgulho dessa versatilidade, eu fiz filme no Brasil inteiro. Isso me orgulha muitíssimo. Eu tenho a cara do Brasil. Eu fiz filme na fronteira do Rio Grande do Sul, fiz filme no Mato Grosso, fiz filme no Norte, fiz filme no Nordeste, fiz filme no Brasil inteiro. 

O Brasil é multicultural, é amplo, e ele é divino porque cada canto tem sua característica, então a gente tem que amar para cuidar. 

Nesse sentido, só nós podemos cuidar da gente, só a gente pode ter um outro olhar e prezar os bons pensadores, as boas ideias.  

Cássia Kis participa do filme. Queria saber como foi a relação com ela por conta de todo posicionamento político que ela apresentou, principalmente depois das eleições?

O filme foi filmado durante a pandemia, em dezembro de 2020. Logo depois a gente teve eleições, e eu acho que a Cássia... A gente vive no país democrático, a Cássia tem direito de se manifestar. 

Apesar de nós termos visões totalmente opostas e posicionamentos opostos também, eu respeito muito a Cássia. 

Eu pensei nela logo de pronto para fazer o papel da minha irmã. Ela foi a minha primeira. A gente fez juntas o meu primeiro filme brasileiro, que é Ele, o Boto, de Lucy Barreto.

Eu respeito essa atriz, sabe? Acho muito difícil lidar com os extremos, o radicalismo, ele não leva a nada. Eu amo a Cássia como pessoa, tenho respeito a ela. É uma atriz magnânima e o posicionamento político dela não tira esse atributo. Ela está muito bem no filme e eu espero que as pessoas não confundam esses extremos e, quem sabe, que a gente possa ampliar um diálogo. 

Mas, lógico, eu não sou antidemocrática, vocês bem sabem e me conhecem e eu desejo muito que a gente consiga já estabelecer diálogos com as pessoas que a gente admira para que a gente deixe de brigar. Está todo mundo cansado de brigar, a gente precisa dialogar, a gente precisa falar das nossas mazelas, elas são iguais e a gente precisa entender e explicar também os nossos posicionamentos. 

É difícil para muitas pessoas, depois de tanto tempo, a gente sendo demonizado, é difícil... Tem pessoas que caem nesse dito [contra artistas]. Porque uma coisa que não serve a nada é você demonizar os artistas. É o medo das pessoas que sabem, e não das pessoas que têm. 

É uma valorização dos que têm, é uma desvalorização dos que estudam, dos que sabem, dos que têm argumento. Então, a gente precisa restabelecer diálogos. 

E qual influência a sua terra natal, o Pará, teve para essa produção?

Eu tenho muito orgulho de dizer também que eu nasci em Abaetetuba, fui criada em Belém do Pará, e com meus 13, 14 anos, Betinho [o sociólogo Herbert de Souza, fundador do Ação Cidadania] entrou na minha vida, e a palavra cidadania foi uma luz na minha cabeça.  

E eu comecei a fazer um paralelo com a minha terra. Eu achava a nossa terra uma coisa incrível, e a gente via tantas notícias horrorosas de exploração... Ali nasceu uma ativista.

Muito antes de ser atriz, eu já era uma pessoa consciente da importância da Amazônia para o Brasil e para o planeta e que nós éramos vistos de uma maneira errada. Nós somos olhados e até hoje como manancial a ser explorado. Não é um manancial a ser gerido, a ser cuidado.

Esse filme poderia ter se passando na Amazônia, as conexões são muitas, sabe?  

E será que podemos prever que a próxima direção de Dira Paes será no Pará?

Olha, é isso, as histórias que bom que não faltam na vida da gente, né. Eu acho que a gente tem uma regionalidade que está em mim, está nos meus traços. Então minha conexão com o Pará é muito grande, e eu espero que isso, que as palavras ecoem no universo e que a gente consiga realizar isso. 

Quem sabe você está certíssimo e, brevemente, a gente está com um segundo projeto aí na praça. Tomara que seja. Eu tenho muito desejo, com certeza, de filmar na minha terra. 


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Edição: Martina Medina

 
 

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