Quase lá: Caso Lígia Bahia: amplia-se questionamento ao CFM

Em entrevista, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética sustenta: perseguição à pesquisadora é a ponta do iceberg. Conselho de Medicina desvia-se de suas funções, partidariza-se e, por seu elitismo, ataca a própria Saúde Pública

 

OutraSaúde

Publicado 07/02/2025 às 10:50 - OutrasPalavras

 
.

Elda Bussinguer, em entrevista a Gabriel Brito, no Outra Manhã

lidia bahia ufrj 

A insistência do Conselho Federal de Medicina (CFM) em praticar assédio judicial contra a médica sanitarista Ligia Bahia, figura destacada nas lutas pelo SUS, gerou repulsa na comunidade científica brasileira. Cansadas do negacionismo, entidades e grupos de destaque na produção acadêmica e defesa da Saúde Pública levantaram-se em solidariedade à professora da UFRJ, e repudiaram de forma enérgica a tentativa de silenciamento praticada pelo órgão contra Lígia. 

Mas aos poucos esta reação ganha novos desdobramentos. A crítica ao CFM já se estende à sabotagem que o conselho pratica contra medidas voltadas a garantir o Direito à Saúde e ao obscurantismo e elitismo que marcam sua atuação. É o que ficou claro na entrevista que Elda Bussinger, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) concedeu a Outra Saúde nesta quinta-feira (6/2), no âmbito do programa Outra Saúde [assista acima].

Vale recordar os antecedentes. No ano passado, o CFM abriu um processo contra Ligia, por uma entrevista concedida ao canal ICL Notícias em 2024. Ela fez críticas à entidade por suas posições durante a pandemia de covid no Brasil, em especial no que dizia respeito aos ataques do Conselho à vacinação e ao incentivo do uso de cloroquina. O CFM exige retratação e uma indenização de R$ 100 mil, além de que seja proibida de fazer novas manifestações “ofensivas”.

“Não é a professora Lígia que está sendo processada. Quem está sendo processado são todos os cientistas, todos os pesquisadores sérios e comprometidos. Se nós pensarmos, todas as vezes que os projetos políticos totalitários chegaram ao poder, os ataques principais foram às universidades e seu corpo de cientistas, pesquisadores, professores, à filosofia, à política, à imprensa e às artes”, alfinetou Elda.

Em sua entrevista, ela foi implacável com o CFM, uma autarquia de Estado, que hoje cumpre papel de movimento social de ultradireita. Destacou que o conselho tem se dedicado muito mais a uma agenda política específica do que às suas funções reais. Tal situação ficou clara e reforçada nas recentes eleições do órgão, amplamente contestadas por acusações de fraude. Hoje, o CFM é controlado por bolsonaristas empedernidos – alguns deles inclusive corresponsáveis pela gestão catastrófica do governo anterior na pandemia de covid.

“O mundo inteiro, os principais órgãos de saúde e os maiores pesquisadores do mundo trabalharam em um sentido e o Conselho Federal de Medicina foi em outro. Isso foi gravíssimo. O órgão está claramente a serviço de um projeto político da extrema-direita, um projeto político de poder totalitário”, afirmou Elda.

Em 2024, a autarquia causou alvoroço outra vez, ao estabelecer portaria que proibia médicos de realizar assistolia fetal (procedimento abortivo) em gestações de mais de 22 semanas. Trata-se de uma ação ilegal, por tentar atropelar a legislação vigente e passar por cima da autoridade do Ministério da Saúde, ente de fato responsável pela regulação do direito a serviços de saúde previstos em lei. Sua iniciativa embasou o PL 1904, que ficou conhecido como PL do Estupro e provocou um levante quase instantâneo de mulheres em junho de 2024.

Para que serve o CFM?

Ao Outra Manhã, Elda Bussinguer defendeu a importância da existência de um órgão regulador do exercício profissional: “O CFM tem um papel relevantíssimo na sociedade brasileira. Quando, por exemplo, fiscaliza o exercício médico, protege a sociedade contra médicos que não respeitam a eficácia científica. No entanto, não podemos nos esquecer que os conselhos também são órgãos políticos, são locais de exercício de poder. É uma autarquia e precisa estar sob fiscalização”.

A discussão também passa pelo fato de o órgão ter se afastado de suas funções reais de participante e formulador de políticas públicas, tanto em favor da categoria médica como do direito à saúde e defesa do SUS. Na prática, o órgão subverte sua atribuição legal de participar do Conselho Nacional de Saúde e do Conselho Nacional de Residência Médica.

 

“Quando o CFM se retira do Conselho Nacional de Saúde, está dizendo que não interessa o Estado, não interessa a Constituição. Ora, se ele se nega a participar do processo de construção coletiva, está dizendo e assumindo uma posição totalitária, de exceção, fascista. Precisamos ter cuidado com instituições que trabalham contra leis”, alertou Elda.

Exame de proficiência: o novo golpe privatista

Nas últimas semanas, mais uma vez o órgão fez tabelas com políticos de extrema-direita ao manifestar apoio ao PL 2294/24, apresentado pelo senador astronauta Marcos Pontes, o ex-ministro da Ciência de Bolsonaro. O projeto visa criar o “Exame de Proficiência”, uma prova hoje inexistente que serviria para validar o direito ao exercício da profissão. A medida não tem apoio da comunidade científica e é vista como manobra para abrir um mercado de “cursinhos” voltados a preparar profissionais para passar na prova.

“Ora, o CFM sai do Conselho de Residência Médica e agora quer avaliar os médicos? Ele precisa fortalecer as residências médicas, fortalecer a educação médica no país. O CFM não precisa ficar construindo espaços para o exercício do seu poder. Ele precisa exercer um poder controlado pelo seu mundo público”, criticou Bussinger.

Além disso, diante do obscurantismo e alinhamentos políticos do órgão, a iniciativa leva a desconfianças ainda maiores. Para alguns críticos, é uma maneira de “escolher” quem pode ou não exercer a profissão, num contexto onde a medicina passa por uma rápida mudança de perfil socioeconômico. Como demonstrado na Demografia Médica, pesquisa organizada pelo médico Mário Scheffer, o Brasil terá praticamente o dobro de profissionais daqui dez anos e uma inédita maioria feminina.

Para Elda, trata-se de um movimento nefasto de cercear o acesso à profissão. Isso limitaria a expansão do SUS, outro alvo histórico da direita neoliberal no país, e a Atenção Primária, base do sistema de saúde brasileiro e do Programa Mais Médicos.

“Nós temos um empresariamento da saúde. O CFM também tem interesse nele. E quando nós temos uma entrada enorme das classes economicamente menos favorecidas na profissão médica, temos uma popularização da medicina. É fundamentalmente reserva de mercado, de manutenção de uma elite que precisa ser desmontada, uma elite que não tem mais sentido numa sociedade tão global, tão plural e que queremos tão democrática”, arrematou.

 

Artigos do CFEMEA

lia zanotta4
CLIQUE E LEIA:

Lia Zanotta

A maternidade desejada é a única possibilidade de aquietar corações e mentes. A maternidade desejada depende de circunstâncias e momentos e se dá entre possibilidades e impossibilidades. Como num mundo onde se afirmam a igualdade de direitos de gênero e raça quer-se impor a maternidade obrigatória às mulheres?

ivone gebara religiosas pelos direitos

Nesses tempos de mares conturbados não há calmaria, não há possibilidade de se esconder dos conflitos, de não cair nos abismos das acusações e divisões sobretudo frente a certos problemas que a vida insiste em nos apresentar. O diálogo, a compreensão mútua, a solidariedade real, o amor ao próximo correm o risco de se tornarem palavras vazias sobretudo na boca dos que se julgam seus representantes.

Violência contra as mulheres em dados

Cfemea Perfil Parlamentar

Direitos Sexuais e Reprodutivos

logo ulf4

Logomarca NPNM

Cfemea Perfil Parlamentar

legalizar aborto

nosso voto2

...