Você sabia que José Enildo Alves de Oliveira, de 60 anos, e Maria Sidronia Chaves de Oliveira, 58, são donos de uma loja de tecidos no Brás mantiveram uma mulher por 30 anos em uma situação análoga à escravidão? E que o Judiciário os condenou a pagar dois salários mínimos cada um por esse crime? Imagine! 30 anos de escravidão correspondem a uma pena de dois salários mínimos!!!
Casal José Enildo Alves de Oliveira e Maria Sidronia escravizou uma mulher por 30 anos em loja de tecidos no Brás e em casa
21/02/2025 13:00 - Metrópoles
São Paulo — Condenados ao pagamento de quatro salários mínimos por manterem uma mulher em condição análoga à escravidão por 30 anos, José Enildo Alves de Oliveira, de 60 anos, e Maria Sidronia Chaves de Oliveira, 58, são donos de uma loja de tecidos no Brás, região central de São Paulo conhecida pelo comércio de mercadorias populares. A vítima era explorada no estabelecimento e na casa do casal.
Eles foram condenados a dois anos de prisão em regime aberto e multa no valor de R$ 506 para cada um. A pena de reclusão, contudo, pode ser substituída pela prestação de serviços à comunidade e pelo pagamento de dois salários mínimos para cada, totalizando R$ 6.072, a uma entidade beneficente. Com isso, o casal deve desembolsar, ao todo, R$ 7.084.
A decisão foi proferida pelos desembargadores André Nekatschalow e Mauricio Kato, Ali Mazloum e pela juíza Luciana Ortiz, da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª região (TRF-3).
Em primeiro grau, a juíza Paula Mantovani Avelino tinha absolvido o casal, em agosto do ano passado. O Ministério Público Federal (MPF) recorreu, levando o julgamento para o TRF-3.
Quem é o casal
De acordo com o depoimento de Maria Sidronia à polícia, colhido em julho de 2022, o casal reside em imóvel próprio e tem a loja há cerca de 13 anos. Eles trabalham juntos, em horário comercial, e mantinham, além da mulher escravizada, uma faxineira que fazia a limpeza da casa de duas a três vezes por semana, pelo valor de R$ 150 a diária.
O casal possui dois filhos, sendo que um deles mora em Manaus (AM) desde que os pais abriram a loja. Os netos costumam passar as férias na casa dos avós, muitas vezes sob os cuidados da vítima escravizada, até ela ser resgatada e levada a um abrigo em julho de 2022. A mulher também teria cuidado dos filhos do casal quando eles eram pequenos.
O combinado com a vítima seria olhar as pessoas que estavam na casa trabalhando. Em troca, ela poderia ter um quarto próprio, com banheiro e alimentação, diz trecho do depoimento.
A mulher afirmou que a vítima poderia sair aos finais de semana, “pois tinha a chave da casa”. No entanto, admitiu que nunca pagou salário à funcionária, que “por ser muito simples, jamais pediu algo como aparelho celular ou viagem”.
Maria Sidronia disse ainda que, quando recebeu a visita da procuradora do Trabalho e do auditor do Trabalho, percebeu que a vítima “lhe ajudou a vida toda e, se tivesse condições, daria uma casa para ela”.
A doação de um imóvel para a mulher estava prevista em um acordo firmado através de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), feito pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em 2014. O acordo, no entanto, nunca foi cumprido.
Ainda em depoimento, Maria disse que “sempre teve um grande amor” pela empregada doméstica. Ainda assim, disse desconhecer parentes da mulher.
Em seu depoimento, José Enildo afirmou que considera a vítima “parte da família” e que, quando resgataram a mulher, “pensava em ajudar”. Ele disse, ainda, que “contrataram” a mulher por motivos de segurança, pois, com alguém cuidando da casa, seria possível prevenir furtos e roubos.
O homem afirmou também que a empregada “tinha acesso aos alimentos da casa, sendo que a comida era feita para todos” e que ela “jamais cuidou de crianças” – afirmação que contraria o relato dado pela vítima e por sua esposa.
José Enildo disse que, em 2014, após as denúncias do caso, chegou a oferecer a casa de praia para a vítima “descansar, para morar, pois não precisava mais dos serviços” dela. Segundo ele, o casal gostaria que a empregada “seguisse a vida em diante”. No entanto, a mulher teria recusado o imóvel, dizendo que gostaria de ir morar com familiares no interior do estado.
Ainda em depoimento, ele afirmou que trabalha com a compra e venda de tecidos, tendo renda média de cerca de R$ 3 mil. No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o casal acumula ações de dívidas ativas. A mulher tem ainda uma ação por dívida de IPTU em Pernambuco.
No processo, eles procuraram inicialmente a Defensoria Pública da União (DPU) para fazer a defesa, e declararam hipossuficiência para não arcar com os custos do processo.
O Metrópoles não localizou os atuais advogados do casal.
O que a vítima disse
Em depoimento prestado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a empregada afirmou que residia em um abrigo ligado à Pastoral do Migrante sediada no Glicério, região central de São Paulo, por volta de outubro de 1991, quando Maria Sidronia a procurou “em busca de uma trabalhadora doméstica, que cuidaria das crianças e outra trabalhadora que faria os serviços gerais, ficando combinado o pagamento de um salário mínimo mensal pela prestação do serviço”.
A vítima de escravização relatou ter recebido o primeiro salário normalmente, mas lembra que no segundo mês a máquina de lavar roupas quebrou durante o uso e a patroa atribuiu a culpa à empregada. “A patroa ficou muito brava e disse que não pagaria os salários seguintes para cobrir o conserto da máquina de lavar”, disse.
Ela lembrou também que, em setembro de 2001, foi chamada para trabalhar em uma loja de Maria durante o dia, e na casa do casal à noite. Conforme o depoimento, a outra funcionária recebia salário, mas ela não. “Quando precisava de alguma bolacha pedia da patroa que lhe dava, quando queria um cigarro pedia da patroa que lhe dava”, relatou.
A vítima também era incumbida de cobrar cheques sem fundos dados pelos clientes. Segundo o relato da mulher, os patrões lhe diziam que ela não podia retornar sem o dinheiro. No começo dos anos 2000, ela teria passado uma semana em Goiânia (GO) fazendo as cobranças. Disse que nunca foi agredida nas cobranças que fez, mas tinha medo, e que também nunca tirou férias.
30 anos de escravidão
- De acordo com a sentença, entre outubro de 1991 e 29 de julho de 2022, José Enildo e Maria Sidronia reduziram a mulher à condição análoga à de escravo, “sujeitando-a a trabalhos forçados, à jornada exaustiva e a condições degradantes de trabalho e moradia”.
- No início da década de 1990, Maria Sidronia teria encontrado a mulher em um abrigo e a levado para trabalhar em sua casa como empregada doméstica.
- No entanto, a vítima nunca teve registro em carteira e morava em uma edícula nos fundos da residência. Mesmo trabalhando na casa e na loja do casal, entre às 7h e 22h, ela não recebia salários.
- A vítima disse em depoimento que Enildo a xingava com frequência, chamando-a de “filha da puta”, “macaca”, “nega do caralho”. Os xingamentos, segundo a mulher, eram motivados por coisas simples, como demora para abrir um portão.
- Ela disse ainda que Maria Sidronia tinha o hábito de filmá-la quando algo não estava do seu agrado, ironizando o trabalho da mulher. Era comum que ela fosse irônica, dizendo expressões como “olha, Xuxa dando o show dela”.
- A vítima afirmou também sofrer torturas psicológicas por parte da patroa, além de agressões físicas – tanto do homem, quanto da mulher. Em um episódio, ela foi trancada na lavanderia e ficou gritando, pedindo para sair. Quando o casal entrou no cômodo, agrediu a empregada com “muitos tapas”.
- Em um surto de fúria, Maria Sidronia chegou a lançar uma cadeira na vítima. Segundo a mulher, essas agressões só ocorriam quando ela estava sozinha com os patrões.
- A vítima relatou que não era impedida de sair, “mas não saía porque não conhecia ninguém e não tinha dinheiro”.
- Ainda em depoimento, a mulher contou precisar trabalhar mesmo com uma lesão grave na perna, que ela acreditava ser uma úlcera.
- A vítima chegou a ser ameaçada de expulsão, em 2017, caso fizesse alguma denúncia sobre a situação em que se encontrava.
- Ela também não tinha qualquer documento de identificação, o que é característico das vítimas desse tipo de crime.
- Segundo um auditor fiscal do Trabalho que acompanhou a vistoria judicial na residência em 2022, a mulher estava em “prisão emocional”. “Ela tinha a chave da corrente, mas não sabia como usar”, disse.
fonte: https://www.metropoles.com/sao-paulo/casal-escravizou-mulher-30-anos-sp
Casal que escravizou mulher por 30 anos é condenado a pagar 4 mínimos
Decisão condenou casal que escravizou mulher a 2 anos de reclusão e multa. Prisão pode ser substituída pelo pagamento de salários mínimos
atualizado
São Paulo — O casal que escravizou uma mulher por 30 anos deve pagar pouco mais de R$ 7 mil após condenação. A dupla foi sentenciada a 2 anos de prisão em regime aberto, além de 10 dias-multa, totalizando R$ 506 para cada.
Os condenados, José Enildo Alves de Oliveira e Maria Sidronia Chaves de Oliveira, são donos de uma loja no Brás, na região central de São Paulo. A mulher foi submetida a trabalho análogo à escravidão no estabelecimento e também na casa do casal.
A pena restritiva de liberdade, no entanto, pode ser substituída pelo pagamento de quatro salários mínimos, sendo dois para cada um, totalizando R$ 6.072, além da prestação de serviços à comunidade. Somando as multas e o pagamento dos salários, o total chega a R$ 7.084.
A pena para esse tipo de crime é de reclusão, de 2 a 8 anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
A decisão foi proferida pelos desembargadores André Nekatschalow e Mauricio Kato, Ali Mazloum e pela juíza Luciana Ortiz, da 5ª turma do Tribunal Regional Federal da 3ª região (TRF-3).
Em primeiro grau, a juíza Paula Mantovani Avelino absolveu o casal, em agosto do ano passado. O Ministério Público Federal (MPF) recorreu, levando o julgamento para a 5ª turma.
30 anos de escravidão
- De acordo com a sentença, entre outubro de 1991 e 29 de julho de 2022, José Enildo e Maria Sidronia reduziram a mulher à condição análoga à de escravo, “sujeitando-a a trabalhos forçados, à jornada exaustiva e a condições degradantes de trabalho e moradia”.
- No início da década de 1990, Maria Sidronia teria encontrado a mulher em um abrigo e a levado para trabalhar em sua casa como empregada doméstica.
- No entanto, a vítima nunca teve registro em carteira e morava em uma edícula nos fundos da residência. Mesmo trabalhando na casa e na loja do casal, entre às 7h e 22h, ela não recebia salários.
- A vítima disse em depoimento que Enildo a xingava com frequência, chamando-a de “filha da puta”, “macaca”, “nega do caralho”. Os xingamentos, segundo a mulher, eram motivados por coisas simples, como demora para abrir um portão.
- Ela disse ainda que Maria Sidronia tinha o hábito de filmá-la quando algo não estava do seu agrado, ironizando o trabalho da mulher. Era comum que ela fosse irônica, dizendo expressões como “olha, Xuxa dando o show dela”.
- A vítima afirmou também sofrer torturas psicológicas por parte da patroa, além de agressões físicas – tanto do homem, quanto da mulher. Em um episódio, ela foi trancada na lavanderia e ficou gritando, pedindo para sair. Quando o casal entrou no cômodo, agrediu a empregada com “muitos tapas”.
- Em um surto de fúria, Maria Sidronia chegou a lançar uma cadeira na vítima. Segundo a mulher, essas agressões só ocorriam quando ela estava sozinha com os patrões.
- A vítima relatou que não era impedida de sair, “mas não saía porque não conhecia ninguém e não tinha dinheiro”.
- Ainda em depoimento, a mulher contou precisar trabalhar mesmo com uma lesão grave na perna, que ela acreditava ser uma úlcera.
- A vítima chegou a ser ameaçada de expulsão, em 2017, caso fizesse alguma denúncia sobre a situação em que se encontrava.
- Ela também não tinha qualquer documento de identificação, o que é característico das vítimas desse tipo de crime.
- Segundo um auditor fiscal do Trabalho que acompanhou a vistoria judicial na residência em 2022, a mulher estava em “prisão emocional”. “Ela tinha a chave da corrente, mas não sabia como usar”, disse.
Batalha judicial
Em 2014, denúncia foi feita ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que assinou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com os denunciados. O acordo previa a regularização da situação da vítima. Além disso, o casal deveria dar um imóvel à mulher. Contudo, o acordo não foi cumprido.
A vítima procurou o Núcleo de Proteção Jurídico Social e Apoio Psicológico (NPJ) da Mooca, do Centro De Referência Especializado de Assistência Social (Creas), em abril de 2022. Ela solicitou vaga para acolhimento e relatou o descumprimento do acordo.
No mês seguinte, em maio de 2022, já com vaga de acolhimento disponível, os agentes do NJP compareceram à residência e constataram que o casal estava tentando impedir a saída da empregada. Eles alegaram que ela havia mudado de ideia sobre a denúncia.
Em setembro de 2023, o MPF apresentou denúncia à Justiça. Em março do ano passado, foi realizada a primeira audiência. O órgão ratificou a autoria do casal e a prática de crimes, pedindo a condenação dos réus.
A defesa, por sua vez, afirmou que as questões trabalhistas devem ser separadas das questões criminais. O primeiro âmbito já havia sido julgado, “com condenações pertinentes”. No âmbito criminal, o casal alegou que não houve crime na relação entre os empregadores e a mulher.
Casal chegou a ser absolvido
A juíza Paula Mantovani Avelino, da 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo, decidiu em agosto do ano passado pela absolvição do casal. A magistrada alegou que não haveria provas de que a mulher foi submetida, de fato, a situação análoga à escravidão.
Baseou a decisão da juíza o fato de a vítima ter livre acesso à residência, podendo entrar e sair quando quisesse. “Assim, caso estivesse sendo submetida a trabalhos forçados, jornadas exaustivas e/ou qualquer tipo de condição degradante, poderia, na primeira oportunidade que saísse da casa, pedir auxílio em qualquer um daqueles lugares que frequentava”, considerou a magistrada.
Mantovani considerou ainda que demorou para a mulher realizar a primeira denúncia, o que aconteceu apenas em 2014, cerca de 20 anos depois de começar a trabalhar para o casal. Além disso, na ocasião, a vítima relatou ter vínculo afetivo com a família – ponto que também pesou para a decisão da magistrada.
O MPF recorreu da absolvição. E, por unanimidade, a 5ª Turma aceitou parcialmente o recurso, condenando o casal a 2 anos de reclusão em regime aberto, substituíveis pelos quatro salários mínimos (dois para cada) e prestação de serviços à comunidade.
Ainda cabe recurso. Questionado, o MPF afirmou que “não adianta possíveis manifestações processuais”.
A vítima foi levada para um abrigo em 27 de julho de 2022. O Metrópoles não localizou a defesa do casal.