Com a aprovação da Política Nacional de Cuidados, especialistas explicam como esse tipo de serviço agrava desigualdades e qual o caminho para mitigá-las

Jornal da USP no Ar

Jornal da USP no Ar 1ª edição

Rádio USP

11/04/2025 às 11:10
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Abordagem melhora a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares -Foto: Freepik
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No dia 23 de dezembro, foi sancionada pelo governo federal a Lei 15069/2024, que institui a Política Nacional de Cuidados. O projeto tem entre seus objetivos: reconhecer, valorizar e reduzir a quantidade de trabalho de cuidado não remunerado, realizado principalmente por mulheres. A professora Nadya Guimarães, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, explica o que caracteriza esse tipo de serviço. Ela destaca como pontos principais: a não regulamentação, a esfera domiciliar, o âmbito familiar e a sobrecarga a uma ou poucas pessoas. Para ela, a desvalorização desse tipo de serviço vem de uma combinação de fatores culturais: “Esse caráter não mercantil do trabalho de cuidado faz com que ele seja um trabalho de segunda categoria. Ninguém paga por ele, ele não tem preço. Nós vivemos em uma sociedade mercantil. Uma segunda coisa, ele é exercido por mulheres, e ele é exercido por mulheres no espaço privado da casa de modo não precificável. Eu acho que essa combinação é fatal para aumentar a invisibilidade“.

Nadya Araújo Guimarães  – Foto: Acervo pessoal via FFLCH

Nadya ressalta, também, os danos que a sobrecarga do serviço de cuidados pode causar a quem o realiza. A professora destaca que, em muitos casos, não há uma preparação técnica, pois há o falso estigma de que mulheres devem saber como realizar essas tarefas. Assim, os problemas causados podem ser físicos, mas principalmente sociais e psicológicos. “Tem um impacto psicológico enorme. As cargas de cuidado são muito elevadas e elas oneram emocionalmente, por várias formas. Primeiro, pela intensidade do trabalho. Depois, pela brutal regularidade e concentração desse trabalho em algumas pessoas. Todo mundo sabe de uma situação como essa. Todo mundo conhece alguém que já viveu uma situação de enclausuramento porque estava dedicada intensivamente a cuidar de alguém.”

Essa também é uma questão atravessada por outras problemáticas. O envelhecimento da população, a desigualdade social, a crise ambiental, entre outros fatores, levam a um agravamento da sobrecarga de quem cuida. Nadya aponta que 80% dos domicílios brasileiros não têm condições de contratar profissionais do cuidado para a divisão de tarefas, o que leva à responsabilização de alguém da família. O cenário de envelhecimento, por sua vez, faz com que mais famílias tenham a responsabilidade do cuidado de um idoso.

Redistribuição de trabalho

Amanda Resende – Foto: madeuspfonte:

Para diminuir as desigualdades, principalmente de gênero e raciais, causadas por essa concentração dos serviços, é necessário pensar políticas que redistribuam esse trabalho. Amanda Resende, pesquisadora do Centro de Pesquisa em Macroeconomia e Desigualdades da USP, explica a necessidade de planejar além da divisão dessas tarefas entre os gêneros, mas também entre esferas sociais. Ela aponta que é preciso responsabilizar o Estado e até mesmo o mercado.

A respeito da Política Nacional de Cuidados, Amanda comenta sua importância em ter trazido o assunto ao debate público e apontado a responsabilidade do Estado em distribuir esses serviços: “É uma política que se for, de fato, implementada, pode trazer realmente ganhos substanciais em termos de redução de desigualdades de gênero, de raça, de classe no Brasil. Deve haver pressão popular pela sua implementação”.

Contudo, ela destaca com preocupação a falta do orçamento necessário para a implementação do projeto. A Lei Orçamentária Anual prevê cortes que podem comprometer a viabilidade da implementação da lei: “Existe uma dificuldade, que é o momento atual em que a gente está vivendo, de um discurso da austeridade fiscal que tem tido repercussões em todas as esferas de gastos do governo. A dificuldade, o desafio maior para a Política Nacional de Cuidados é que haja uma garantia de um orçamento para a sua execução, e atualmente a gente não vê de que maneira isso poderia acontecer. É preciso pressionar politicamente pela legitimidade desse tipo de despesa, pela sua importância”.

Nos dias 14, 15 e 16 de abril acontecerá, na Casa de Cultura Japonesa da USP, o Terceiro Colóquio Internacional de Cuidados, Direitos e Desigualdades, coordenado pela professora Nadya Guimarães. Mais informações sobre o evento podem ser encontradas nas redes do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

 

fonte: https://jornal.usp.br/?p=876038

 

Colóquio Internacional “Cuidado, Direitos e Desigualdades” reúne especialistas na USP

Nos dias 14, 15 e 16 de abril, a Casa de Cultura Japonesa da USP (Butantã) receberá o Colóquio Internacional “Cuidado, Direitos e Desigualdades”, com mais de 70 pesquisadores, incluindo 40 especialistas internacionais. O evento debaterá cerca de 30 trabalhos inéditos sobre o cuidado e sua economia em diferentes países, marcando o encerramento do projeto Who Cares? Rebuilding Care in a Post-Pandemic World.

Coordenado pela socióloga Nadya Araujo Guimarães (USP/Cebrap/Academia Brasileira de Ciências), o projeto reuniu pesquisadores do Brasil, Canadá, Colômbia, EUA, França e Reino Unido desde 2022. Os colóquios anteriores ocorreram em Paris (2023) e Montreal (2024), gerando análises comparativas sobre o mercado de cuidado, condições de trabalho e desigualdades no acesso a direitos. Um dos resultados foi o Global Care Policy Index, que avalia políticas públicas na área.

No Brasil, a Rede CuiDDe (Cebrap) mobilizou especialistas para estudos locais, influenciando propostas como a qualificação profissional, proteção a trabalhadores (remunerados ou não) e a inclusão do cuidado na legislação. A rede também contribuiu para melhorar estatísticas nacionais (POF, Pnad) e participou da construção da Política Nacional de Cuidados (Lei 10.569/2024), integrando grupos técnicos interministeriais.

O evento lançará ainda o Observatório “Cuidado, Direitos e Desigualdades”, iniciativa permanente da Rede CuiDDe para dar continuidade às pesquisas no país. Todas as publicações, lives e seminários do projeto estão disponíveis em cuidado.cebrap.org.br.

A iniciativa contou com apoio da Fapesp/Trans-Atlantic Platform, CNPq, CAPES, COI/USP, Fundações Arymax, José Luiz Egydio Setúbal e Open Society Foundation.

fonte: https://cebrap.org.br/coloquio-internacional-cuidado-direitos-e-desigualdades-reune-especialistas-na-usp/

 


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