Assistente social Márcia Lopes assumiu o ministério no lugar de Cida Gonçalves nesta segunda-feira (5)
A troca no comando do Ministério das Mulheres, oficializada nesta segunda-feira (5), não é suficiente para responder às demandas históricas do movimento feminista, defendeu Sônia Coelho, integrante da Marcha Mundial das Mulheres, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. Segundo ela, mais do que uma mudança de nomes, é preciso que a pasta tenha orçamento robusto, capacidade de articulação e políticas que cheguem de fato à vida das mulheres brasileiras.
“Não basta trocar a responsável pela pasta, porque isso é muito fácil e muito simples. Queremos que esse ministério tenha mais orçamento, que tenha mais estrutura e que realmente desenvolva políticas que alterem as desigualdades que as mulheres vivem na sociedade”, afirma.
A assistente social Márcia Lopes, nomeada para assumir o ministério no lugar de Cida Gonçalves, já ocupou o cargo de ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Lula em 2010. Apesar da experiência com políticas voltadas ao público feminino, Lopes é “desconhecida do movimento feminista”, segundo Coelho. “Esperamos que ela tenha uma postura de diálogo com o movimento feminista e que as políticas tenham uma perspectiva de gênero e feminista”, disse.
Sônia avaliou ainda que a demissão de Gonçalves não tem relação direta com as denúncias de assédio moral arquivadas em fevereiro pela Comissão de Ética da Presidência. Para ela, a troca se deve mais ao descontentamento do governo com o desempenho da pasta. Ainda assim, reforçou que a mudança só será significativa se vier acompanhada de um fortalecimento estrutural.
“Metade das mulheres no Brasil são responsáveis por suas famílias, ganham menos que os homens e ainda acumulam jornadas de trabalho intensas em casa e na comunidade. O Ministério das Mulheres precisa ser capaz de articular com outras pastas para desenvolver políticas que melhorem a qualidade de vida dessas mulheres”, apontou.
Ela citou como exemplo a Política Nacional de Cuidados, transformada em lei em dezembro passado, mas ainda sem orçamento definido. “Estamos cobrando: que recursos o governo vai colocar nessa política? Como ela vai se concretizar na vida cotidiana das mulheres?”, questionou.
Outro tema que preocupa o movimento é a dificuldade de implementação da Lei de Igualdade Salarial, sancionada em 2023. Apesar da regulamentação, a diferença salarial entre homens e mulheres persiste, e é ainda maior entre mulheres negras. “O governo precisa pensar em sanções reais. Empresas que pagam salários desiguais não deveriam acessar crédito público ou participar de compras governamentais”, defendeu. Para Coelho, o papel do ministério também é pressionar o restante do governo a fazer valer as leis já conquistadas.
Mulheres se sentem sozinhas
Segundo Sônia, o descontentamento das mulheres com a atuação do governo federal ajuda a explicar a queda na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “A popularidade cai porque as mulheres estão se sentindo sozinhas”, avaliou.
Na reta final do governo, ela acredita que ainda há tempo de reverter esse cenário, desde que haja investimento real e protagonismo das mulheres nas decisões políticas. “Esperamos que esse ministério caminhe. Estamos na luta, dialogando, participando, porque queremos ver as mudanças na vida das mulheres acontecerem de verdade”, afirmou.
Para ouvir e assistir
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Análise: suposto assédio e queda nas pesquisas provocaram troca de ministras
O governo muda o eixo de atuação do Ministério das Mulheres para temas como saúde, educação e violência, em lugar de feminismo, identitarismo e a diversidade

"O que é uma mulher?" A intelectual francesa Simone Lucie-Ernestine-Marie-Bertrand de Beauvoir (1908-1986), mulher do filósofo Jean-Paul Sartre, com quem nunca se casou, respondeu essa indagação. Foi a partir dela que feminismo emergiu na política, depois da publicação de O segundo sexo (Nova Fronteira), em 1949, obra seminal da autora. As mulheres ganhavam menos do que os homens, eram privadas de direitos políticos e sujeitas às mais diversas e perversas formas de opressão.
Para Simone, era essencial distinguir entre ser fêmea e ser mulher, rejeitar a teoria do "eterno feminino" (a feminilidade era usada para justificar a desigualdade) e destacar a "alteridade" das mulheres em relação aos homens. Ou seja, ser mulher e ser "feminina" são coisas diferentes. Segundo ela, formada pelas expectativas da sociedade, a mulher pode transcender essas limitações por sua livre escolha.
A filósofa francesa definiu o conceito de "sexismo" como os preconceitos e as pressuposições em relação às mulheres. Existencialista, analisou a condição das mulheres na psicanálise, na história e na biologia. Seu livro provocou muitas controvérsias, devido à abordagem de temas como a homossexualidade feminina e o casamento, ao qual atribuía a submissão e o isolamento das mulheres.
"Na sociedade, nada é natural, a mulher é um produto elaborado pela civilização", dizia. Os homens tinham o atributo de "sujeito" e as mulheres eram classificadas como "o outro". Homens eram livres para definir seu próprio papel na vida, enquanto as mulheres eram obrigadas a aceitar papéis submissos. Segundo Simone, apenas por meio da colaboração entre homens e mulheres poderia se redefinir os papéis de gênero.
"Não se nasce mulher, torna-se mulher." Foi a partir dessa frase de Simone que Betty Friedman, em 1963, liderou a radicalização feminista da década 1970 contra a sociedade patriarcal. O mundo nunca mais foi o mesmo. O feminismo redefiniu as fronteiras da política, entre o pessoal e o social, o público e o privado. O slogan "o pessoal é político" marcou o feminismo dos anos 1960.
A definição biológica do sexo feminino (cromossomos, órgãos reprodutivos e gestação) foi subvertida social e culturalmente. A identidade de gênero é definição pessoal, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído ao nascer. Uma mulher pode ser cisgênera (coincide com o sexo atribuído) ou transgênera (o gênero não coincide), independentemente de bondade, empatia, sensibilidade e carinho. O papel social é multifacetado: mãe, esposa, filha, irmã, amiga, profissional. Entretanto, a definição de mulher é ainda mais complexa, porque identidade de gênero e a expressão de gênero devem ser considerados.
Identitarismo no congelador
Até que ponto essas questões têm a ver com a demissão da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e sua substituição pela ex-ministra do Desenvolvimento Social Márcia Lopes? A ministra era ligada à primeira-dama Janja da Silva, que está em Moscou desde sábado, enquanto sua substituta foi indicada pela ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Irmã do ex-ministro petista Gilberto Carvalho, é petista de carteirinha.
Há duas versões para os motivos da demissão de Cida, que não se excluem: foi acusada de assédio moral e racismo por funcionários da pasta, denúncia rejeitada pela Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência da República. Teria oferecido dinheiro para a campanha eleitoral de 2026 a uma secretária da pasta em troca de sua demissão. No depoimento à comissão, a ex-ministra disse que cancelava todos os compromissos para atender à primeira-dama Janja e que "enrolava" outros ministros.
A outra versão é de que teria sido demitida por incompetência, o que teria aumentado a rejeição de Lula entre as mulheres. Ao tomar posse, de certa forma, Márcia Lopes corroborou a tese, ao afirmar que Lula "quer ver as mulheres mais contentes". Seu maior desafio será fazer com que os serviços públicos cheguem às mulheres de todo o país. Apesar da narrativa da incompetência, a questão pode ser bem outra.
Lula teve a maioria dos votos femininos por causa de suas políticas sociais, que empoderaram as mulheres na relação familiar, como o Bolsa Família, e devido à misoginia do ex-presidente Jair Bolsonaro, sobretudo na classe média. A inflação, a violência, o deficit de assistência na saúde e a baixa qualidade do ensino com certeza impactam negativamente sua imagem junto às mulheres.
Mas não é apenas isso. As políticas identitárias do governo, sobretudo do PT, focadas na igualdade de gênero e na diversidade sexual, eixo de atuação do Ministério das Mulheres até aqui, são um prato cheio para o discurso machista e reacionário. Sobretudo junto às famílias de baixa renda, que se sentem ameaçadas pela revolução dos costumes.
Essa é uma batalha perdida junto às famílias cristãs das periferias, inclusive, católicas. Com base em pesquisas de opinião, o governo tenta reverter esse quadro e pretende mudar o eixo de atuação do Ministério das Mulheres para temas como saúde, educação, violência e habitação. O feminismo, o identitarismo e a diversidade de gênero vão para o congelador.