A recém-eleita vice-presidenta da Colômbia, Francia Márquez, esteve no Brasil no final de julho para dialogar com lideranças políticas de centro-esquerda e movimentos sociais.
Por Daiane Oliveira
Imagem: Ricardo Stuckert
A recém-eleita vice-presidenta da Colômbia, Francia Márquez, esteve no Brasil no final de julho para dialogar com lideranças políticas de centro-esquerda e movimentos sociais. Os encontros foram belos, com falas potentes e renderam muitas fotos. Quase deu tudo certo se não fosse por uma foto que chamou atenção para como a esquerda brasileira trata o debate racial e de gênero.
Em uma foto publicada pela socióloga Rosângela Silva, mais conhecida como Janja, com a legenda “Na luta por uma América Latina com Equidade de Gênero e Igualdade Racial” esqueceram de combinar o texto com a imagem. A belíssima foto trazia Ana Estela Haddad, Lu Alckmin, a deputada federal Tabata Amaral (PSB), Gleisi Hoffmann (PT), além de Janja e a única mulher negra ao centro, a convidada Francia Márquez.
A questão não é apenas a imagem, mas todo o histórico da branquitude de esquerda no país. Uma esquerda que ama fotos com mulheres negras, pobres, nordestinas, mas que negligencia, barra e invisibiliza as candidaturas dessas mulheres quando buscam uma autorrepresentação. Fotos com a Francia Márquez são legais, mas essa esquerda perdeu a chance de ser revolucionária escolhendo para eleição de 2022 uma mulher negra ou indígena para compor a chapa presidencial.
É inegável o racismo e sexismo da esquerda que acredita que mulheres negras brilhantes como a Luiza Helena de Bairros só cabe em uma Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil, as vezes um homem negro assume Esporte ou Cultura, mas só isso.
Essa mesma esquerda assina políticas de drogas genocida ou diz “polícia bate em quem deve bater”, como disse o então presidente Lula em 2010 em referência à ocupação dos morros cariocas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). O mesmo Lula que no podcast Mano a Mano com Mano Brown deu respostas óbvias e empurrou o problema do racismo à estrutura brasileira, sem mostrar o menor interesse em combater a realidade, como a branquitude sempre faz.
E não vale esquecer em junho de 2022 quando Lula disse que o racismo é “uma doença que tomou conta do fascismo que governa o Brasil”, como se não morressem jovens pretos em seu governo, como se mulheres negras do partido não questionassem a falta de espaço e necessidade constante de combater internamente o racismo.
Não à toa Lélia Gonzalez em 1985 em sua carta de desfiliação do PT enviada ao presidente do partido na época, Lula, questionou a estrutura que não trazia raça para o debate central. Lélia filiou-se em seguida ao Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Em entrevista publicada na obra Lélia Gonzalez: Primavera para rosas Negras, Milton Barbosa do Movimento Negro Unificado (MNU) lembrou que na época existia uma “disputa pesada por espaço e o PDT veio em uma linha mais humanitária e colocando em evidência a questão do negro.” Essa esquerda que Lélia Gonzalez evidenciava o racismo na década de 80 ainda mantém as lideranças e com eles o racismo e sexismo.
Vale ressaltar que depois Lélia Gonzalez se desfiliou do PDT com as mesmas reclamações feitas ao PT. Esse PDT que hoje tem o Ciro Gomes, autodenominado terceira via política que é centro (ou seja, direita) e extremamente aliado com os problemas da branquitude. Ciro Gomes chegou a atacar políticas antirracistas, indigenistas e para comunidade LGBTQIA+ em entrevista ao jornal Valor Econômico, nesta terça-feira (2), chamando-as de “políticas de papo furado“.
A postura racista, sexista e indiferente do Ciro Gomes (PDT) não é recente, tendo em vista que em 2020 declarou que “a soma desses interesses identitários não representam o interesse nacional”, se referindo a mulheres, negros, jovens e LGBT. Claro, a soma da maioria do país que é chamada de minoria social por não acessar o poder de fato deve ser rejeitada em benefício de uma minoria quantitativa que centraliza o poder econômico e político. Faz todo sentido para membros da branquitude, homens de meia idade que sequer fazem questão de esconder o que pensam no século XXI. E o pior que eles dizem ser a diferença…
Assim como Lélia Gonzalez, que reconhecia os avanços trazidos pela esquerda e a importância do PT, temos que também questionar todos e todas que seguem violando corpos de mulheres negras e mantendo o oprimido em um espaço onde não possa sair desse status quo. Seja centro, centro-esquerda ou esquerda, já chega de sermos a base dos movimentos e servimos apenas de escada para que outros, que não respeitam nossas reivindicações e urgências, cheguem no poder!
PS: Quando falo de esquerda não trago a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), afinal da Tabata já não esperamos muita coisa mesmo.