Das tantas dificuldades que as mulheres enfrentam, o etarismo é uma das mais cruéis. Conheça histórias de quem, felizmente, não sente que passou da idade de fazer o que bem quer
Não importa se uma mulher tem 20, 40, 60 ou 80 anos, ela já passou pelo constrangimento de ouvir que "não tem mais idade para isso". O comentário pode vir de familiares e amigos preocupados com o bem-estar e com o preconceito que ela pode sofrer, mas, muitas vezes, vem carregado de ironia e julgamento, inclusive de pessoas desconhecidas.
Enquanto algumas não se importam com o preconceito de idade e se permitem, outras se sentem tolhidas e deixam de realizar sonhos ou se vestir como se sentem mais confortáveis e bonitas. Conversamos com quatro mulheres que já ouviram que estavam velhas demais para fazer o que queriam, mas que venceram as barreiras do etarismo e são felizes com a idade — e a liberdade — que têm.
Você não é velha demais para usar biquíni
"Se eu quiser, vou usar biquíni até os 90 anos ou mais", garante a psicóloga aposentada Alana Dias Mendes, 63 anos. Sem dar muita atenção às críticas e aos comentários não solicitados disfarçados de conselhos, ela acredita que peças de roupa e estilos de cabelo ou maquiagem não têm idade, e cada mulher deve seguir apenas um padrão: usar o que a faz se sentir bem.
Fã de praia, mais de uma vez ela ouviu que deveria usar maiôs, supostamente mais adequados à sua idade. Alana nunca foi fã da peça, que a atrapalha a tomar sol como gosta, e não vê por que se adequar a uma regra que não faz sentido para ela e que não afeta a vida de mais ninguém.
Entre os acessórios, abusa das bolsas transpassadas e mochilas, práticas e modernas. E não foi apenas uma ou duas vezes que ouviu que não era mais garota para sair de mochilinha. Alana afirma que encara esse tipo de comentário com indiferença por ter uma autoestima elevada, mas reconhece a crueldade no julgamento que as mulheres sofrem cada vez que completam mais um ano de vida.
Mesmo sabendo que esse tipo de sentimento não vem fácil para todo mundo, ela sugere que as mulheres se olhem menos com os olhos dos outros e se enxerguem através da própria perspectiva. "Se você viu no espelho e gostou, pronto. Não espere a aprovação de mais ninguém. O que importa é você gostar e se sentir bem. Você não está fazendo mal a ninguém, e muitos que criticam gostariam de ter a mesma coragem", completa.
Você não é velha demais para ter cabelo rosa
A primeira coisa que notamos quando Sarah Rocha, 40 anos, entra em uma sala é o cabelo rosa vibrante. O visual faz parte de uma resolução de aniversário da bancária. "Aos 40, decidi me presentear com coisas que desejei por muitos anos, mas não podia fazer por certas limitações."
O principal obstáculo que Sarah encontrava era o ambiente de trabalho. No espaço corporativo, tinha receio que um cabelo considerado radical ou alternativo demais prejudicasse sua ascensão profissional. Ela percebia que colegas com visuais menos convencionais sofriam uma certa discriminação, mesmo que velada, e apesar de não concordar com essa visão, não queria que a aparência suplantasse sua competência.
Ao atingir estabilidade profissional, Sarah, por um breve instante, chegou a pensar que a idade poderia limitá-la, mas logo virou o jogo. "Estou com 40 anos e me veio o questionamento de quanto tempo eu iria continuar esperando para poder viver a minha autenticidade, por quantos anos deixaria de lado o sonho de experimentar?"
E decidiu que não iria mais adiar seus desejos. Com um side cut e um rosa bem colorido, Sarah realizou o desejo de ter um cabelo inspirado na estética dos anos 1990 e não poderia estar mais satisfeita. Para a bancária, o visual é uma das formas que as pessoas têm de se expressar.
A idade não foi a primeira barreira imposta pela sociedade aos gostos de Sarah. Ela lembra que quando estava com alguns quilos a mais, chegou a ouvir de colegas, outras mulheres, que não deveria usar tailleur, pois a roupa não seria adequada ao seu corpo.
O biquíni também foi uma peça que Sarah se viu constrangida em usar. Com vergonha por não estar dentro do "padrão" imposto pela sociedade, ela percebeu como isso limitava o prazer que sentia em curtir a praia e, aos poucos, foi se libertando. "Voltar a usar biquíni foi revolucionário para mim. O incentivo de outras pessoas e mulheres que não ligavam para esses preconceitos me ajudaram muito."
Depois de passar por esse processo, foi mais fácil para ela não aceitar limitações pela idade ou por qualquer outro aspecto que diga respeito aos julgamentos alheios. O que ela leva em conta na hora de escolher o tamanho do biquíni, ou se vai usar um short ou um maiô, são apenas o conforto e o que é mais prático para o momento. Sarah acredita que está em desconstrução e busca um equilíbrio entre se sentir bem e se adequar ao dress code dos ambientes que frequenta.
"Qualquer coisa se torna um fator limitante para a mulher. Nunca ouvi ninguém dizer que um homem não pode usar um terno por estar acima do peso, ou que não tem mais idade para usar uma sunga, por exemplo. Para a mulher, a pressão estética é muito dura e cruel, e isso inclui os cabelos", lamenta.
Uma das maneiras que Sarah encontrou de lidar com o julgamento alheio foi a comunicação não violenta. Ao ouvir que uma mulher de 40 anos não pode ter cabelo colorido, ela costuma, de maneira tranquila, questionar o seu interlocutor: por que não, você pode me explicar?
A técnica se mostra construtiva para a bancária, que enxerga o diálogo e a representatividade como as melhores formas de combater o etarismo e a pressão estética imposta às mulheres.
A maternidade
A ideia de que a mulher nunca está na idade certa acompanha diversos aspectos, desde a cor dos cabelos até a escolha de quando ter filhos. Casada, Sarah não é mãe, mas não tem uma decisão sobre a questão.
O fato de ter 40 anos e ainda não ter uma resposta definitiva já foi motivo de estranhamento por parte de outras pessoas. Quando se casou, era questionada o tempo todo sobre quando teria um bebê, e pressionada a ser mãe. Agora, a pergunta virou "como assim você ainda não sabe?", com ênfase no "ainda".
A bancária, claro, considera e sabe que o fator biológico é importante na questão, mas não determinante, uma vez que a gestação não é a única maneira pela qual uma mulher pode se tornar mãe. Hoje, ela se considera em paz com o tema e acredita que a estabilidade profissional, emocional e o suporte que encontra no marido a ajudaram a encontrar suas respostas, inclusive na dúvida.
Estilo não tem idade
Um dos aspectos que mais mexe com a autoestima e a autoimagem das mulheres é o cabelo, e os fios ainda são alvo de muita crítica no que diz respeito à idade. São muitas as regras que não estão escritas em lugar algum, mas que ainda prendem clientes e profissionais.
Cabelos longos são apenas para as mais novas, as "senhoras" devem se render à tesoura e manter um visual tradicional. As franjas são apenas para crianças ou, no máximo, para as mulheres mais jovens, na casa dos 20. A cor é um caso à parte, deixar os fios brancos é desleixo, mas se uma mulher de 60 decide pintar os fios de rosa, ela está louca.
O cabeleireiro e especialista em colorimetria Rangel Portela comenta que está acostumado a trabalhar desde os estilos mais tradicionais até os mais modernos e "diferentões". A clientela variada permite que ele perceba algumas das mudanças nos padrões de comportamento.
Rangel acredita que as franjas e os cabelos longos já ultrapassaram uma barreira, há algum tempo se tornaram mais comuns em mulheres de todas as idades. Ele observa que isso se deu justamente pelo movimento visto hoje com as cores e os cortes assimétricos, mulheres que se permitem a usar o que gostam, mesmo que enfrentem críticas e julgamentos.
Por esse motivo, ele sempre busca encorajar as clientes, principalmente quando percebe que existe o desejo, mas falta um pouquinho de coragem. "O cabelo é uma forma de expressão e não devemos associar estilo com idade! Todos merecem e devem ter os cabelos do sonhos transformado em realidade, e eu amo fazer parte disso com as minhas clientes."
Você não é velha demais para recomeçar
Eloia Moreira, 59 anos, passou anos trabalhando na tevê como maquiadora, figurinista e produtora. Vivia para a família — muitas vezes, se deixava de lado. Quando se separou, em 2012, passou por uma fase difícil. "Perdi o prumo", lembra. Nesse tempo, teve várias crises renais e hepatite C, doença que lhe rendeu seis meses de um duro tratamento, com muitos efeitos colaterais.
A virada de chave teve como ponto de partida a visita de algumas amigas nessa fase difícil. Quando as recebia em casa, Eloia percebia várias delas abaladas por motivos em comum: casamento, divórcio, inseguranças. Foi aí que criou o Elas , grupo de mensagens no WhatsApp que funciona como rede de apoio para mulheres. O grupo cresceu para além do círculo de amizades de Eloia e está com quase 200 integrantes ativas e unidas.
A ideia é estimular as mulheres a realizarem sonhos em qualquer idade e, assim, combater o etarismo. "Uma delas, aos 71 anos, está prestes a publicar um livro. Várias conquistaram independência financeira e passaram a ter controle das contas, que sempre ficaram aos cuidados do marido", exemplifica.
Uma boa notícia é que o Elas vai virar empresa. A promessa é montar um salão de beleza colaborativo, vender produtos produzidos pelas participantes em um e-commerce e produzir conteúdo na forma de podcast, a ser disponibilizado em plataformas digitais.
Para Eloia, o gatilho foi a dor. Mas não foi só a criação do grupo que nasceu a partir disso. Ela aproveitou o embalo para escrever para si uma nova história e ressignificar os 50 e poucos anos, marcados, no geral, pela menopausa, a proximidade da aposentadoria, o crescimento dos filhos.
Perto de completar 60 anos — em teoria, fase que se vira idoso —, Eloia garante que vive sua melhor fase profissional. Encontrou-se na função de mediadora do grupo e quer garantir cada vez mais oportunidades para o público feminino.
E em nada se enxerga no estereótipo da pessoa velha. É crítica, inclusive, da representação do idoso em placas de sinalização de trânsito, cuja figura remete a alguém frágil. "As pessoas falam que estou bem para a minha idade, mas isso não é um elogio", critica. Também é de curtir muito. Diz que gosta de se cuidar, de carinho, de sexo — por que não?
A representatividade
O psicólogo Luiz Mafle ressalta a importância da representatividade na luta contra o etarismo. "Fomos criados em um regime de verdade, onde um padrão é considerado o ideal e só ele pode ser reproduzido. É crucial que isso seja desafiado."
Luiz acrescenta que as mídias sociais auxiliam na democratização dos padrões de beleza e permitem que as pessoas sigam e se espelhem em pessoas semelhantes a elas. Ver mulheres de 50, 60, 70 anos, que exaltam a liberdade sexual e têm a aparência que as agrada, independentemente do que seria considerado o "correto", é um avanço na opinião do profissional.
"Quando temos essas mulheres se mostrando e se permitindo, suas experiências vão sendo normalizadas e cada vez mais mulheres vão se permitindo e aderindo a esse movimento de liberdade. Conforme esse grupo aumenta, a mentalidade social vai mudando, mesmo que lentamente", explica.
Conforme as pessoas passam a não só aceitar sem julgamentos, mas também a admirar essas belezas, as grandes mídias embarcam no movimento, e o que antes era visto como diferente ou absurdo por parte da população passa a ser natural. A partir de então, pessoas que tinham vontade de experimentar no visual ou nas vivências, mas não tinham coragem de romper determinados padrões, começam a se sentir livres e como parte de um círculo social.
Respostas à "velhofobia"
Nas redes sociais, a modelo tcheca Paulina Porizkova gosta de propor discussões acerca do envelhecimento feminino. Por causa de algumas fotos sensuais, a musa recebe comentários preconceituosos. Mais recentemente, ela publicou uma foto de quando era modelo, na década de 1990, desabafou sobre a aceitação da idade e disse estar no auge aos 57 anos.
Madonna, com 64, já comentou sobre sofrer etarismo e estar acostumada a ouvir que "ela não aceita envelhecer". A artista não abre mão de falar sobre o tema e romper com o que seria o padrão para sua idade.
Velha demais para se sentir bonita? A atriz Claudia Raia já deu declarações em defesa do direito de qualquer mulher se sentir bem. Com cabelos grisalhos ou não, de roupa curta ou comprida. E não importa a idade.
Você não é velha demais para formar uma família
Quem se torna mãe encara julgamentos pelas mais diferentes decisões. Assim como o tipo de parto e a vida pessoal fora do papel materno, a idade considerada "certa" para ter filhos é alvo constante de palpites e críticas — como vimos, é normal a sensação de que ou se está adiantada ou atrasada.
Do ponto de vista da ciência, a fertilidade feminina natural, de fato, passa a oscilar a partir dos 35 anos. Mas, tendo em vista os avanços na medicina e as mudanças sociais de maior participação das mulheres na educação e no mercado de trabalho, com ideais de independência diferentes de décadas atrás, tem muita gente engravidando depois disso.
Uma pesquisa da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) mostra que a proporção de mães com menos de 20 anos caiu pela metade de 2000 para 2019. O número de mulheres que tiveram filhos na faixa dos 30 a 39 anos, porém, passou de 26% para 39,1% no mesmo período.
A ginecologista Lorrainy Rabelo observa as gestações ocorrendo cada vez mais tarde. A médica explica que, atualmente, existem tratamentos para reprodução até os 50 anos, o que alarga a janela de oportunidade, mas é imprescindível ter um bom planejamento."Uma das opções é congelar os óvulos e ir se preparando metabolicamente e cuidando da saúde até o momento da gravidez, para reduzir os riscos para mãe e bebê, riscos que, sim, existem", esclarece.
A carreira, as viagens e a construção de um casamento sólido fizeram Fabiana Mel Oliveira adiar a maternidade por um tempo. E, para ela, tudo bem. Aos 37, está grávida da primeira filha, Bella. "Há quem pense que é uma idade avançada para engravidar. Quando Bella completar seis meses, eu terei 38 anos. Ela com dois anos, eu terei feito 40. Mas sinto que, agora, estou madura e pronta para levar esse projeto de vida à frente", conta.
Assim que se formou, aos 21 anos, Fabiana saiu de Minas Gerais rumo à Irlanda, onde fez uma pós-graduação na área de relações públicas. Lá, iniciou uma jornada de anos trabalhando em uma rede de hotelaria internacional. Durante esse período, morou também na França e nos Estados Unidos e viajou muito. Até então, o sentimento em relação à maternidade era de que ainda estava cedo. Ela queria conhecer muitos lugares, se estabilizar e, mais importante, crescer emocionalmente.
Focada no desempenho profissional, ser mãe após os 35 foi algo natural. "Precisei me virar sozinha, no exterior, ainda muito nova, o que me fez despertar em vários sentidos. Acho que segui os passos da minha mãe, que tinha uma veia muito voltada para o estudo, e não me rendi às pressões externas — essa coisa do que seria o momento natural e ideal de gestar, aos olhos da sociedade."
Há sete anos, ela perdeu o irmão e retornou ao Brasil para prestar apoio à mãe nesse momento difícil.Foi quando consideroua possibilidade de mudar de ares, se ambientar e se firmar em solo brasileiro, mais uma vez. Passou em um concurso da Força Aérea Brasileira — se não desse certo, os planos eram voltar para a Europa — e se mudou em definitivo para Brasília. Desde então, Fabiana é uma dedicada tenente da aeronáutica, trabalhando na área de relações internacionais da instituição.
Foi nesse processo que conheceu o marido, Paulo Cézar Oliveira. Os dois se casaram quando ela tinha 30 anos, mas, ao contrário do que muitos recém-casados fazem, decidiram esperar para ter um novo integrante na família. Foi aos 35, pensando no relógio biológico, que o planejamento começou. Fabiana chegou a perder um bebê — prova de que nem tudo pode ser controlado —, mas, seis meses depois, engravidou de novo. Ela e Bella seguem saudáveis, com uma rotina de idas regulares ao médico.