No Brasil, negras e negros sempre tiveram na religião um lugar para integração, resistência e afirmação pessoal. 

Mesmo que queimem a escrita
Não queimarão oralidade
Mesmo que queimem os símbolos
Não queimarão significados
Mesmo queimando o nosso povo
Não queimarão a ancestralidade
Nego Bispo

15.12.2022 15:11  - Congresso em Foco

 

No Brasil, negras e negros sempre tiveram na religião um lugar para integração, resistência e afirmação pessoal. Nós, do Terreiro Ilê Axé Opo Afonjá, temos a nossa árvore genealógica ancestral associada à família de santo criada por Iya Oba Biyi, nossa Mãe Aninha, desde 1908.

Somos uma família que vai muito além dos limites dos laços de sangue que envolveram pessoas das mais diversas etnias sequestradas do continente africano. Somos uma “Família de Santo”.

O terreiro é um lugar dialógico, condição que legitima ações e interconexões com a história, o direito, as ciências, a educação, a ancestralidade, a ética e a tradição que não se confunde com os fundamentos da nossa religião. Estamos paradoxalmente sempre diante de uma potência que nos conforta e uma fragilidade que ainda nos arrebenta a alma:

O que significa para a comunidade Afonjá ver incendiada a escultura de Mãe Stella?

Qualquer resposta é transitória e não atende a nenhum repertório jurídico para a compreensão do acontecimento carregado de silêncios.

É o invisível, é o incompreensível, é o que não se diz que nos leva à necessidade de pensar a justiça em um possível caráter plurijurídico. Vivemos um conjunto de fatos e elementos que por si só não se explicam. É a complexidade, é o simbólico, o mistério.

O simbólico, materializado ou não, ocupa todo o espaço sagrado que é o próprio terreiro onde se vive, ritualisticamente, completando o sentido basilar da religião que restituiu valores humanos perdidos desde a travessia.

Esta é uma razão pela qual se faz necessário distinguir as peculiaridades do terreiro, além da territorialidade que nos identifica pela resistência política, proteção e cuidado com o outro.

O terreiro é o lugar de onde brota uma nação negra que se formou sobre as águas do Atlântico. Trata-se de uma relação malunga como um sistema complexo e dinâmico, até por sua diversidade étnica oriunda do continente africano. A nossa aproximação com a sociedade, portanto, é interrelacional, motivo pelo qual é possível acionar ou ser acionado, quando atacado na sua tradição e nos fundamentos da religião que é afro-brasileira.

A relevância está na consideração de fatos e eventos relacionados à religião na medida em que nos legitima como Comunidade Tradicional. Isto significa, ainda, que a afirmação da nossa consciência histórica se junta aos saberes e à filosofia trazida e vivenciada por nossos ancestrais africanos.

Importante considerar que a legislação sobre Comunidades Tradicionais, desde a Constituição de 1988, nos apresenta leis com grande consistência de embasamentos e argumentos que estabeleceriam estruturas de proteção jurídica aos diversos elementos culturais, materiais e imateriais das referidas comunidades.

Vivemos o tempo de luta e da necessidade de aproximação com outros indicadores sociais devido a inaceitáveis movimentos que nos instigam para uma cosmopercepção de mundo na sua complexidade e valores ainda desconsiderados.

É neste contexto que se lastra a referência que organiza as comunidades apontando para a solidariedade que potencializa o sentido mais amplo e nos remete a história da nossa própria origem, como povo de ascendência africana, construtor das riquezas deste país e desta cidade onde somos 83% de afrodescendentes.

Não seria este o momento para um enfoque transdisciplinar? Não seria este o momento para intensificar também reflexões internas, para além do visível, incluindo a consciência histórica, o imaginário e o simbólico que nos reúne? Não somos como árvores isoladas. Somos uma densa floresta, árvores que se abraçam e se protegem.

Entre nós, existe ainda o fundamento que nos protege, orienta e transcende a tudo que percebemos. O fundamento não existe de forma particularizada, faz parte de um sistema que importa, também, a consciência histórica, afirma os terreiros e quilombos como importantes pontos de resistência contra a submissão de classe, de raça e de gênero e não pode ser subestimado no seu caráter subjetivo e sua legitimidade negra que sempre acolheu a todos e todas sem distinção.

Acreditamos na força do axé em movimento. No fundamento, na existência do terreiro como território sagrado e comprometido com um futuro lastreado na memória do passado ancestral, como consciência organizadora e seus efeitos práticos que estruturam comunidades com sua inequívoca força do pensamento africano recriada na diáspora.

É preciso alcançar as leis como regras de comportamento que caminham com o fluxo da vida e que proporcionam identidade a nossa existência, estimulando sentimentos e valores de liberdade, fraternidade, solidariedade, cordialidade, compaixão e de justiça que compõem a natureza humana.

Pelo axé recebido de Mãe Aninha e de Mãe Stella, hoje também nossa mãe ancestral, nos tornamos um único corpo, um tronco vivo formado por corpos pretos do presente e do passado que se abraçam esperando o futuro em forma de criança, ancestral que volta. Juntos vamos afirmar sempre:

“Mesmo queimando o nosso povo
Não queimarão a ancestralidade”

 


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