Grupos como incels e redpills pregam ódio e submissão feminina, valorizando ideal de “resgate da virilidade”. Os resultados têm sido dramáticos, com aumento expressivo de todas as formas de violência contra mulheres em 2022

 

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Ilustração: Carvall

Por Samira Bueno, na Piauí

Na última semana, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou a pesquisa Visível e Invisível, que mostrou crescimento de todas as formas de violência contra a mulher em 2022. Apenas no último ano, mais de 18,6 milhões de mulheres de 16 anos ou mais foram agredidas verbal ou fisicamente. Se todas buscassem o apoio do Estado, estamos falando de um estádio de futebol lotado com mais de 50 mil pessoas diariamente. A pesquisa também mostrou que 33,4% das mulheres brasileiras já sofreram violência física ou sexual provocada por um companheiro ou ex-companheiro íntimo ao longo da vida, resultado bastante superior à média mundial, estimada em 27%, segundo a Organização Mundial da Saúde. Também na última semana, a atriz e humorista Livia La Gatto foi ameaçada de morte após postar uma paródia que zombava de perfis masculinistas nas redes sociais. Thiago Schutz, influencer que se autointitula “coach de masculinidade” e liderança do movimento Redpill, escreveu: “Você tem 24 horas para retirar seu conteúdo sobre mim. Depois disso é processo ou bala. Você escolhe.” Mas, afinal, o que isso tem a ver com o crescimento da violência de gênero no Brasil? E o que a difusão desses grupos extremistas diz sobre o Brasil de hoje?

O termo Redpill faz referência a uma cena do filme de ficção científica Matrix, no qual o protagonista tem a escolha de tomar uma pílula azul e continuar vivendo na ilusão, ou tomar a pílula vermelha e descobrir a realidade. Segundo o movimento masculinista, a realidade seria um mundo em que as mulheres são privilegiadas, interesseiras e aproveitadoras, e os redpills, os homens que se opõem a esse sistema que favoreceria mulheres. Segundo a pesquisadora Michele Prado, autora do livro Redpill – radicalização e extremismo, essa é uma metáfora muito utilizada pela extrema direita em todo o mundo. O Redpill é apenas um de vários grupos masculinistas, como o Incel (celibatários involuntários), o MGTOW (homens seguindo seu próprio caminho) e o PUAs (artistas da pegação), que supostamente lutam pelos “direitos dos homens” e, para isso, se contrapõem às feministas e aos direitos das mulheres. De modo geral, o movimento masculinista prega, através de discursos de ódio, a submissão feminina e o resgate da virilidade masculina, valorizando um ideal de comportamento violento e predador dos homens que teriam perdido sua posição no topo da cadeia alimentar. As dicas e ensinamentos para os seguidores, disseminados em vídeos, livros e cursos, variam de pregações sobre os propósitos masculinos serem superiores aos femininos, não estabelecer relacionamentos amorosos e até como controlar a libido para não ficar refém das mulheres.

A guerra contra a igualdade de gênero e os direitos das mulheres é elemento central para compreender a ação dos grupos masculinistas, mas também da extrema direita no mundo. Na Alemanha, o movimento “Demo für Alle” culpa o feminismo pela destruição da família e travou uma batalha contra o ensino de diversidade sexual no currículo escolar alemão. Esses grupos, no entanto, não contam apenas com homens. O partido político polonês Lei e Justiça (PiS), que, entre outros, se dedica ao combate da ideologia de gênero e aos direitos LGBTQIA+, teve como liderança máxima entre 2015 e 2017 a primeira-ministra Beata Szydlo.

No Brasil, um estudo da ONG Safernet mostrou a expansão de grupos que propagam crimes de ódio nas redes. Entre 2021 e 2022 as denúncias de misoginia tiveram aumento de 184%, as de intolerância religiosa, de 522%, e as de xenofobia, de 821%. Considerando os anos eleitorais, a central brasileira da organização denuncia o crescimento constante dos crimes de ódio desde 2018. Também nos últimos anos assistimos ao fortalecimento do movimento Escola sem Partido, que colocou o combate à igualdade de gênero como prioridade, resultando na intimidação a docentes e na proposição de projetos de lei que atacam a inclusão de questões relativas à igualdade de gênero, raça e sexualidade nos conteúdos escolares. 

Não parece surpresa, portanto, que neste 8 de março estejamos noticiando o crescimento acentuado de diferentes formas de violência física e sexual contra mulheres. O indicador de desigualdade de gênero do Fórum Econômico Mundial, Global Gender Gap Report, colocou o Brasil, em sua edição mais recente, no 94º lugar em uma lista de 146 países. Em 2013, ocupávamos a 62ª posição. O Brasil piorou para nós mulheres quando a busca pela igualdade de gênero tornou-se um problema para parcela da população e dos grupos políticos no poder.

Não há, portanto, como dissociar a ascensão da extrema direita no Brasil do momento que vivemos. Ao mesmo tempo em que o movimento feminista foi galgando conquistas fundamentais para os direitos e proteção das mulheres, tal como a Lei Maria da Penha, a reação dos movimentos ultraconservadores tem sido no sentido de tentar anular essas conquistas. E essa reação não ocorreu apenas no mundo virtual. Reverberou na política pública, quando um Ministério da Família foi criado e praticamente zerou os recursos orçamentários voltados às políticas de enfrentamento à violência contra a mulher. Se traduziu em um deslocamento da política pública federal, que deixou de olhar para a mulher enquanto sujeito de direitos e passou a priorizar a família, ainda que esta fosse, muitas vezes, a fonte da violência (8 em cada 10 feminicídios no Brasil foram praticados pelo parceiro íntimo da vítima). Se materializou na vida doméstica, com o crescimento exponencial da violência dentro de casa.

Disfarçada de autoajuda, a misoginia presente nas falas de influencers de grupos masculinistas tem resultados práticos nas vidas das mulheres: 7,4 milhões de mulheres foram agredidas fisicamente com tapas, socos e chutes no ano passado. Isso equivale a catorze agressões físicas por minuto. Outras 3,4 milhões foram espancadas ou sofreram tentativas de estrangulamento, e 3,3 milhões sofreram ameaças com faca ou arma de fogo. Este é o resultado de uma sociedade que retrocede em relação aos direitos das mulheres e não prioriza políticas focadas na equidade de gênero. Uma sociedade que, pouco a pouco, vai se tornando permissiva ao transformar em liberdade de expressão o ódio às mulheres.

 

Samira Bueno é socióloga e diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Tem mestrado e doutorado em administração pública e governo pela FGV


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