Polícia Civil do DF investiga caso de aluno que deu esponja de aço para professora negra em escola pública. Especialistas comentam as sanções legais que podem ser aplicadas ao menor por opressão racial e de gênero

Naum Giló
postado em 15/03/2023 06:00 - Correio Braziliense
 (crédito:  Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)
 

Desde segunda-feira (13/3), o vídeo em que um aluno "presenteia" com esponja de aço, em sala de aula, a professora negra, no Dia Internacional da Mulher, tem repercutido nas redes sociais e nos noticiários. Na gravação, é possível constatar que a educadora fica visivelmente constrangida com a atitude do estudante. O caso ocorreu no Centro de Ensino Médio (CEM) 09, de Ceilândia e impeliu a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) 2 (Taguatinga) a investigar o caso.

O delegado-chefe adjunto da unidade, Flávio Messina, explica ao Correio que, como o caso envolve um menor, não é necessário que a vítima se manifeste para que alguma medida seja tomada por parte da polícia. "A partir do momento que a Secretaria de Educação do Distrito Federal confirmou que se tratava de uma docente da rede pública, instauramos imediatamente os procedimentos. Já intimamos a professora e o estudante para ouvirmos as versões dos fatos de ambas as partes", afirma o delegado. Segundo Messina, ainda que tanto a vítima quanto o adolescente não sejam obrigados a comparecer à delegacia, as testemunhas são, mesmo se tratando de menores. "Queremos entender melhor como é a vivência do estudante com os demais colegas e com a professora", explica. 

 O advogado criminal Oberdan Costa lembra que, caso fosse maior, o aluno seria enquadrado no crime do artigo 2º da Lei 7716, que é injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade em virtude da raça. Como se trata de um adolescente de 17 anos, ele não comete crime e é penalmente inimputável. "Por outro lado, se após responder ao processo, com direito de defesa, for considerado culpado, estará sujeito a medidas socioeducativas, que podem ser mera advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade ou internação em estabelecimento educacional", detalha o advogado.

A atitude do estudante pode ser enquadrada em dois aspectos opressivos: o racial e o de gênero. Entretanto, de acordo com o jurista, a lei ainda não prevê um desvalor criminal especial em casos de injúria em virtude do gênero, mas há um projeto de lei que pretende criminalizar também a prática.

Atrocidades dissimuladas

O Sindicato dos Professores (Sinpro-DF) destacou, em nota, que o gesto do adolescente foi racista e misógino, "duas atrocidades dissimuladas em brincadeira". "A escola conversou com os pais e pediu ao estudante para fazer uma carta e lê-la em público pedindo desculpas e se retratando. Contudo, na avaliação do Sinpro, isso não é suficiente para reparar a profundidade e a extensão do constrangimento, do sofrimento e da dor que marcou não só a professora, mas também todos (as) que viveram a cena e sentiram o peso do racismo estrutural e do ódio às mulheres", contestou o sindicato, que se põe à disposição de todas as direções das instituições de ensino para apresentar propostas que visem a realização de trabalhos de enfrentamento ao racismo nos ambientes escolares. 

A professora e mestra em direitos humanos e cidadania Aldenora Conceição de Macedo explica que a educação antirracista deve ser vista como uma política pública de estado, sendo avaliada e acompanhada pelos órgãos responsáveis. "A implementação e execução [da educação antirracista] é uma obrigação legal. Lei se cumpre, não se negocia", frisa. Segundo ela, a falta de subsídios não é explicação plausível para que a abordagem contra o racismo não seja implementada nas escolas, como impõe a Lei 10.639/ 2003.

"É, acima de tudo, negligência, descumprimento de dever. Uma educação que respeita as diferenças, não as coloca como desigualdades, e que valoriza a pluralidade brasileira, com olhar para as enormes contribuições do povo negro, aliás, a maioria da população brasileira. Essa é a educação antirracista, e ela carrega esse olhar interseccional, também para as questões de gênero, sexualidade, de religião", analisa Aldenora, que também é doutoranda em educação.

Retratação em voz alta

A sala de aula que aparece na filmagem é de uma turma do terceiro ano do ensino médio. O diretor da escola, José Gadelha, contou para a reportagem que o fato só chegou ao conhecimento da instituição na segunda-feira, quando um grupo de alunos indignados com o episódio procuraram a direção para reportar o que havia ocorrido em sala de aula em 8 de março. Gadelha, que confirma a leitura da redação de desculpas em alta e classifica o episódio como "deprimente", diz que a delegacia não foi procurada porque a direção da instituição ainda não conversou com a professora, Edmar Sônia, que dá aula de redação e chegou à escola neste ano. A docente não foi ouvida pela reportagem porque ainda está sendo preservada.  

Em nota, a Secretaria de Educação declarou que a escola tem autonomia para conduzir o ocorrido e que a direção da instituição indicou que fará ações nas salas de aula, como rodas de conversa para instruir os estudantes sobre o assunto. A pasta vai lançar, em maio, o Guia de Prevenção à Vida em todas as escolas públicas do DF. "Vamos trabalhar com esse guia, em parceria com a Diretoria de Serviços de Apoio à Aprendizagem, Direitos Humanos e Diversidade, a conscientização contra racismo e misoginia", antecipou, ao Correio, o coordenador regional de ensino de Ceilândia, Carlos Ney Menezes Cavalcante.

Colaborou Aline Gouveia

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2023/03/5080263-caso-de-racismo-com-professora-revela-uso-de-brincadeiras-para-perpetuar-pratica.html


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