Por Eva Alterman Blay, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

  Publicado: 17/03/2023
 
 

 

Alcançar espaço na política parlamentar significa superar entraves extraordinários e são poucas as mulheres que o conseguem. Ao mantê-las fora do jogo político em nome de “Deus, pátria, família”, esconde-se a violência, o racismo, e se delega o autoritarismo a uma perigosa pequena camada dominante. O instigante texto da cientista política Lucia Avelar, que reproduzo a seguir, expõe o método fascista de usar o antifeminismo contra as conquistas democráticas do feminismo.

A sub-representação política feminina no Brasil é um fato largamente conhecido: o número de mulheres eleitas para os legislativos ou executivos é mínimo. Em 2023 é de 17% na Câmara Federal e 16% no Senado, uma taxa abaixo da média mundial e regional.

Os partidos políticos não gostam das mulheres. As poucas candidatas e eleitas ou chegam pelo círculo familiar ou pelos vários tipos de associativismo, os movimentos populares, movimentos de mulheres, feministas, da educação, meio ambiente, ONGs de advocacy; outras, pelo destaque nas mídias. Na última década, as manifestações de rua trouxeram o envolvimento de pessoas que se definiam como de direita e entre elas mulheres antifeministas, mesmo sem nada saber o que é o feminismo e sua história, raízes, filosofias. À base do puro preconceito, declaravam-se femininas, como antítese ao feminismo.

Não foi o que aconteceu, historicamente, com aquelas que se envolveram com a política pelo associativismo em grupos identitários. Essas compreenderam que os elos de solidariedade trariam força para que chegassem juntas na luta por direitos, e assim construíram, durante as últimas cinco décadas, redes e vias de representação extraparlamentar: se os partidos políticos se mantêm fechados, vamos correr por fora.

Por que insistir na maior representação política feminina comprometida com as políticas de equidade? Porque elas pressionam por mais políticas públicas e sociais que ampliem o acesso aos benefícios da saúde reprodutiva, pela autonomia econômica das mulheres e igualdade no mundo do trabalho, por políticas de enfrentamento de todas as formas de violência contra a mulher, luta contra o racismo que penaliza ainda mais as mulheres negras, democratização do poder. São grandes áreas construídas depois de décadas de lutas pela igualdade de gênero. Nas palavras de Michelle Bachelet, em seu segundo mandato como presidenta do Chile, “depois de décadas de ativismo feminista na América Latina, as frentes pelas quais lutamos são consensuais”.

De 2013 até a eleição presidencial de 2018, as manifestações de rua serviram de palanques para muitas mulheres que em seguida se elegeram, comprometidas com uma agenda retrógrada e antifeminista. O que se pode esperar do “Deus, pátria, família”, claramente de natureza fascista, que esconde as desigualdades de classe, retrocede nos direitos conquistados pelas lutas sociais e feministas, esconde o racismo da sociedade? Retomava-se, para mencionar brevemente, o período pós-Proclamação da República, quando forças das direitas das Ligas Nacionalistas se organizaram contra o lusitanismo, os judeus e os negros. Movimentos que voltaram com força com os Integralistas da década de 1930, liderados por Plínio Salgado, simpático aos feitos de Hitler e Mussolini. Pregava-se que as mulheres deveriam ser sobretudo mães de família, heroínas e voltadas ao trabalho social como enfermeiras, merendeiras, costureiras, comandadas pelos homens e mulheres de classe média alta. As mulheres negras estavam lá a serviço da coordenação de homens e mulheres brancas. Segundo estudo de Sandra Deutsch, sobre a extrema direita na Argentina, no Brasil e no Chile, o trabalho social daquelas mulheres chegou a atingir cinco milhões de pessoas no período de 1930 a 1937.

Em 1962, quando candidatos discursavam pedindo “reformas de base”, reformas urbana e agrária, bancária, universitária, fiscal, bem como mudanças políticas e institucionais, as mulheres católicas de todo o país realizaram uma das maiores mobilizações da história contra as “bandeiras comunistas”, pedindo a intervenção militar para barrar o comunismo que “tirava os filhos dos seus pais e os entregava para o Estado”. Entre os raros trabalhos de entrevista com lideranças da época, Solange de Deus Simões mostra que aquelas lideranças se reconheciam como as verdadeiras responsáveis pelo golpe de 1964. As Marchas da Família com Deus pela Liberdade, lideradas pelas “Marchadeiras”, são um marco de mobilização à direita 55 anos atrás.

No arrastão dos votos para Bolsonaro em 2018 elegeram-se mais mulheres para a Câmara Federal, 77, sendo que 49 delas de direita e extrema direita. Das 40 de direita, 20 eram evangélicas e 10 do PSL. Em 2022, novo aumento de parlamentares: 92 foram eleitas, sendo 22 do centrão e 17 do PL, partido pelo qual Bolsonaro concorria à reeleição. A grande maioria ligada ao ex-presidente que, lembrando, defende o golpe militar, a tortura, armamentismo, antifeminismo e contra a ideologia de gênero, dos direitos LGBTQ+, o nacionalismo entendido como uma comunidade moral  – “desse lado estão as pessoas de bem, do outro lado as pessoas do mal” (citado por Alonso). E definitivamente contra o aborto em qualquer situação em que a gravidez tenha ocorrido.

Onde ficaram os movimentos feministas sob Bolsonaro? O #Elenão em 2018 foi uma reação à onda ultraconservadora que mobilizava homens e mulheres radicais de direita. Mas o fato é que as mulheres estão suavizando as novas caras do fascismo. O que não imaginávamos é que, no século 21, elas encontrassem no radicalismo de direita um canal de ascensão. Como a da primeira-ministra na Itália, Giorgia Meloni, com uma visão radical sobre imigrantes, pregando valores da família heteronormativa como único modelo legítimo e desfavorável a “todos os tipos de família”, contra os direitos LGBTQ+, contra o aborto.

Na Polônia, Beata Szydio, líder da maioria ultraconservadora, quer retirar o direito ao aborto mesmo em casos de estupro e incesto. Marine Le Pen, na França, prega uma política radical contra imigrantes e a comunidade islâmica. Na Noruega, Siv Jensen, sintonizada com lideranças partidárias da direita radical, mesmo em um país que apresenta altos índices de igualdade de gênero, defende as políticas que radicalizam a política contra imigrantes e contra a presença do islamismo.

Se uma pequena melhoria da representatividade feminina no Brasil se deu nas últimas eleições, contudo, a evidência incômoda é que o crescimento está se dando pelos partidos da direita radical, em sintonia com a extrema direita internacional.

 

fonte: https://jornal.usp.br/articulistas/eva-alterman-blay/as-mulheres-e-o-radicalismo-da-direita/


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