Em três meses deste ano, 16 documentos que tratam de trabalho escravo foram apresentados à mesa da Câmara dos Deputados

 atualizado 09/04/2023 16:39 Metropoles

foto colorida de mãos de homem sujas em situação de trabalho análogo ao escravo - metrópolesReprodução/MPT

Apenas até o mês de março de 2023, o número de projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados contra situações de trabalho análogas à escravidão já superou os projetos encaminhados, anualmente, na última década. Somente em três meses deste ano, 16 documentos que tratam do tema foram apresentados à mesa diretora dos deputados.

Para se ter uma ideia, ao longo dos últimos dez anos, o período de 2021 ficou em segundo lugar no ranking de projetos sobre trabalho escravo apresentado, com 15 propostas. Em 2022 e 2019, 13 propostas com esse tema tramitaram na Casa. Na década passada, o único período sem nenhuma matéria apresentada sobre o assunto foi 2020.

Veja a lista:

O aumento de documentos levados ao âmbito legislativo ocorre após 1.006 pessoas serem regatadas no Brasil em condições semelhantes à escravidão até o dia 30 de março deste ano. Os casos são registrados 134 anos depois da abolição da escravatura. Segundo informações do Ministério do Trabalho e Emprego enviadas ao Metrópoles, os maiores registros de regaste aconteceram em Goiás, com 365 pessoas, e no Rio Grande do Sul, com 294.

Desde 2008, não havia tantos casos de resgate nos três primeiros meses de um ano. Naquele ano, foram 1.456 trabalhadores resgatados no primeiro trimestre, segundo dados do ministério.

Em conversa com o Metrópoles, o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Silva, afirmou que a reação do Congresso é “boa”.

“Essa resposta do Congresso quanto ao número de proposições legislativas é muito boa. Quando nós vemos essa resposta da Câmara, é porque estão percebendo a atuação dos auditores fiscais de trabalho, mais presentes na rua e nas operações conduzindo novas fiscalizações”, ressaltou.

 

Segundo ele, os olhos atentos às novas fiscalizações também se devem à troca de governo e aos novos investimentos no setor. “Isso tudo é o reflexo de que nós conseguimos furar as dificuldades que temos em relação à estrutura do nosso trabalho, que enfrentou, no governo Bolsonaro, muitos cortes. Por exemplo: nós tivemos muitas situações de denúncias que não puderam ser atendidas”, alegou.

Tramitação demorada

Na esteira do Congresso Nacional, projetos que se referem ao combate à escravidão aguardam aval há mais de 20 anos, enquanto outros ainda não conseguem fôlego para passar da “primeira etapa”.

De autoria do ex-deputado Paulo Marinho (PSDB-MA), o PL 2668, apresentado em 2003, sugere alterar o Código Penal e aumentar o tempo de pena para os responsáveis pela prática criminosa. O texto passou por comissões, mas não chegou ainda ao plenário da Casa.

 

Na mesma linha, o recém-apresentado Projeto de Lei 734/23 classifica como hediondo o crime de exploração de trabalho análogo à escravidão. De acordo com o Código Penal, o termo “hediondo” é utilizado para classificar crimes que, por sua natureza, causam repulsa da sociedade, como o homicídio, a tortura e o estupro.

O mais recente projeto encaminhado por deputados foi apresentado em 30 de março pela deputada Maria do Rosário (PT-RS). O PL 1553/2023 requer a divulgação da “Lista Suja do Trabalho Escravo”, com informações sobre os empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravos.

 

 

Projetos contrários

Mas se há projetos que pretendem aumentar a pena e se manifestam contrários às situações análogas à escravidão, há parlamentares que preferem acabar com o Ministério Público do Trabalho (MPT), órgão que fiscaliza e combate o trabalho escravo no Brasil.

Há, em trâmite, uma PEC quer prevê a extinção de todas as cortes de Justiça trabalhistas, como as varas do Trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST). O projeto é de autoria do deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), herdeiro da família real portuguesa, que construiu o patrimônio baseado exatamente em colonialismo e escravismo.

Se aprovada a PEC, o Congresso acabaria com a fiscalização e dificultaria a punição à exploração ilegal da mão de obra. Autointitulado “príncipe” devido ao sobrenome — apesar de a monarquia ter sido extinta no Brasil em 1889, quando o país virou uma República — , Orleans e Bragança possui 66 assinaturas para protocolização da PEC. Para que a proposta caminhe na Câmara, são necessárias 171 assinaturas.

Na visão do Carlos Silva, do Sinait, o contexto de caráter de exploração faz parte da “linhagem”: “Pode-se perceber que a descendência de exploração e intenção de usurpar a riqueza não saiu da linhagem e continua ali, tentando trazer de volta para os dias atuais. O que passou [escravidão] ficou apenas nos livros”, frisou.

O que é trabalho análogo à escravidão?

A legislação brasileira atual classifica como trabalho análogo à escravidão toda atividade forçada – quando a pessoa é impedida de deixar seu local de trabalho – desenvolvida sob condições degradantes ou em jornadas exaustivas. Também é passível de denúncia qualquer caso em que o funcionário seja vigiado constantemente, de forma ostensiva, por seu patrão.

A Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) afirma que jornada exaustiva é todo expediente que, por circunstâncias de intensidade, frequência ou desgaste, cause prejuízos à saúde física ou mental do trabalhador, que, vulnerável, tem sua vontade anulada e sua dignidade atingida.

Já as condições degradantes de trabalho são aquelas em que o desprezo à dignidade da pessoa humana se instaura pela violação de direitos fundamentais do trabalhador, em especial os referentes a higiene, saúde, segurança, moradia, alimentação, repouso ou outros relacionados a direitos da personalidade.

Outra forma de escravidão contemporânea reconhecida no Brasil é a servidão por dívida, que ocorre quando o funcionário tem seu deslocamento restrito pelo empregador sob alegação de que deve liquidar determinada quantia de dinheiro.

Mais sobre o assunto

Desde 1940, o trabalho escravo se tornou crime no Brasil. Quatro elementos podem definir escravidão contemporânea:

  • trabalho forçado: que envolve cerceamento do direito de ir e vir
  • servidão por dívida: um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas
  • condições degradantes: trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde
  • jornada exaustiva: levar o trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco a saúde e vida.

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