Projeto inédito vai mapear digitalmente trancistas negras no Distrito Federal e Entorno, resgatando histórias de resistência e de herança cultural dos povos afro

 

 
Mila Ferreira
postado em 27/04/2023 06:00 / CORREIO BRAZILIENSE
 
 
 (crédito: Arquivo Pessoal )
(crédito: Arquivo Pessoal )
 
 

As tranças afro representam muito mais do que apenas estilo. Elas são sinônimos de cultura, ancestralidade, identidade, pertencimento. Para exercer a profissão trancista — ou trançadeira — é preciso muito mais do que conhecer técnicas de entrelaçamento. A atividade envolve história, resistência e herança cultural. Pensando na importância dessas profissionais no Distrito Federal e Entorno, a pedagoga Layla Maryzandra Sankara criou o projeto "Tranças no Mapa" que busca, por meio de mapeamento digital participativo, a construção da 1ª Cartografia Sociocultural de Trancistas do DF e Entorno. O projeto vai mapear exclusivamente mulheres negras a partir dos 18 anos que tenham mais de dois anos trançando.

O projeto começou em 17 de abril e a programação vai até o mês de agosto. Além do mapeamento digital, haverá uma oficina presencial em seis etapas, uma oficina on-line e a construção de um Mapa Afetivo, onde será traçada as histórias orais de trancistas negras: em tecido, fotografias e no audiovisual. Para o mapeamento das traçadeiras, será utilizado um formulário on-line vinculado à plataforma Ushahidi, criada no Quênia, e que ajuda as comunidades a transformar informações em ação, com uma ferramenta intuitiva e acessível de mapeamento e crowdsourcing — modelo de projeto que utiliza sabedoria coletiva para desenvolvimento de soluções.

"O Tranças no Mapa remonta às narrativas das tranças enquanto mapas de fuga de africanos escravizados em San Basílio na Colômbia e das tranças enquanto esconderijos de pedras preciosas e de sementes no Suriname. Estamos construindo uma história afro-diaspórica a partir da capital do Brasil, tendo como perspectiva as periferias da cidade, pensando as ligações disso para as outras regiões do país", descreve a criadora do projeto, Layla Maryzandra Sankara.

Em 2021, foi iniciado o 1° Pré-Mapeamento Participativo de Trancistas Negras do DF e Entorno, assim como o 1° Mapeamento Nacional, em que já existem registros de mais de 180 profissionais negras de todo o país.  Um acervo da história oral de trancistas negras de diferentes regiões do Brasil também está sendo construído na plataforma Ushahidi. Isso tudo será disponibilizado mais a frente, por meio de um acervo digital.

A segunda etapa do projeto compreende os mapas afetivos, que acontece por meio de oficinas on-line e presenciais, que têm por objetivo coletar dados e informações, a partir de experimentações com desenho, pintura e bordado sobre tecido, discutindo conjuntamente o universo e histórias de vida de trancistas negras.

Pautada na estética do corpo como centralidade da preservação de práticas culturais relacionadas com o cabelo, a proposta é descobrir, durante as oficinas, como as mulheres negras trançadeiras, em seu cotidiano profissional, são transmissoras de saberes manifestos em modos de fazer e expressões que constituem a memória e a identidade de um povo.

Surgimento

O projeto nasceu da experiência pessoal de sua criadora, Layla Maryzandra Sankara, e faz parte da pesquisa de campo dela no programa de Mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais (MESPT) da Universidade de Brasília (UnB). Layla tem 40 anos e começou a trançar aos 17, para fazer uma renda extra e contribuir financeiramente em casa. Trabalhou no primeiro Salão Afro de Brasília, o N'zinga, e trança cabelos até hoje, sempre que pode. "Enquanto eu cuidava de mim e do outro, meu cabelo me trouxe narrativas que me explicaram sobre decodificar a fibra do fio, a escutar a semiótica do signo, quando eu nem sabia que aquilo era palavra. Estamos criando um caminho das Tranças como Rota de Patrimônio Cultural", declara Layla. "Criei o projeto pensando na necessidade de construir outros mundos possíveis a partir de histórias orais, da memória e da estética africana e afro-brasileira, em que a história das tranças são nossos fios condutores para se pensar diferentes caminhos para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa agora, no presente", completa.

Layla acredita que o projeto é uma forma de colocar no mapa também as questões de raça e gênero. "Traçar essa cartografia está sendo importante, pois estamos discutindo sobre práticas tradicionais, urbanas, assim como problemas e conflitos sociais enfrentados por grupos historicamente marginalizados em diferentes âmbitos territoriais, culturais e sociais, como as mulheres negras trancistas. Dialogar conjuntamente o universo dos mapas sociais nos traz a possibilidade de dar visibilidade aos poderes públicos para a elaboração de políticas públicas de reconhecimento, proteção e garantia de direitos para as mulheres negras no DF", explica.

A profissão

A trancista Litiely Franco, 22 anos, exerce a profissão há oito anos e declara que a atividade fez com que ela se reconectasse com suas raízes. "Para mim, as tranças vão além do ofício de cabeleireira. É um resgate da minha ancestralidade", ressalta.

Litiely conta que, quando era mais nova, a família queria alisar o cabelo dela, pois achava um cabelo difícil de lidar. "Foi quando uma senhora, amiga da minha avó, me ensinou a trançar o cabelo. Por meio dessa profissão, consegui conversar mais com minha mãe e avó. Por meio disso, fui me conectando com a minha origem, com minhas raízes, fui me entendendo como uma pessoa negra na sociedade, me conecto melhor com as minhas clientes, entendendo melhor a dor delas como pessoas negras com cabelo crespo", afirma.

Fios da Ancestralidade

O projeto "Tranças no mapa" é um braço de outro projeto mais abrangente de criação, formação e pesquisa, o "Fios da Ancestralidade". A partir da estética de tecidos e penteados tradicionais africanos, o projeto vem buscando reafirmar o direito à memória social enquanto bens culturais, valorizando e salvaguardando a prática do trançar cabelos afro como modos de saber/fazer das comunidades urbanas e tradicionais afro-brasileiras. Na página oficial do Instagram @fios.da.ancestralidade é disponibilizado um Mapeamento Iconográfico dos Penteados Tradicionais Africanos e Afro-diásporicos.

 

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2023/04/5089811-mapeando-a-ancestralidade-no-df-projeto-conta-a-historia-da-cultura-afro.html


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