Pesquisa mapeou decisões judiciais de segunda instância de 2010 a 2022
Pesquisa mapeou decisões judiciais de segunda instância de 2010 a 2022
O racismo dói e tem viés de gênero. As mulheres concentram 60% dos casos de racismo e de injúria racial em redes sociais julgados no Brasil nos últimos 12 anos. A conclusão é de pesquisa inédita da Faculdade Baiana de Direito, do portal jurídico Jus Brasil e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O levantamento analisou 107 acórdãos judiciais (decisões colegiadas) de segunda instância entre julho de 2010 e outubro de 2022, em ações penais, cíveis e trabalhistas que envolveram os dois tipos de crime.
De acordo com a pesquisa, os casos com homens como vítima corresponderam apenas a 18,29%. Em 23,17% das ações, não houve gênero identificado. Isso porque esses casos se referiam a episódios de racismo, em que todo um grupo é ofendido, sem que se possa determinar o gênero. O levantamento analisou ofensas contras pessoas negras em redes sociais.
Enquanto a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém por meio de referências à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de racismo atinge uma coletividade de indivíduos, discriminando toda uma raça. Até o início deste ano, a injúria racial tinha penas mais brandas, mas a Lei 14.532, de 12 de janeiro de 2023, equiparou a injúria ao racismo. Agora, os dois crimes são inafiançáveis e imprescritíveis.
Divulgado no seminário Desafios do Racismo nas Redes, promovido pelo Ministério da Igualdade Racial e pelo PNUD, o relatório pretende contribuir para o debate sobre o combate ao racismo praticado nas redes sociais no Brasil. A pesquisa, informaram o ministério e o programa das Nações Unidas, pretende fornecer informações relevantes para que as instituições e a sociedade civil atuem de maneira mais efetiva no enfrentamento ao fenômeno.
O principal tipo de agressão aos negros na internet, apontou o levantamento, ocorre por meio de xingamentos, nomes pejorativos e animalização, tanto contra homens quanto contra mulheres. Em relação aos autores dos crimes, 55,56% eram do gênero masculino, 40,74% do gênero feminino e 3,7% de gênero não identificado. O relatório destaca que a presença de mulheres entre os agressores é muito superior ao que se costuma encontrar em pesquisas sobre outros tipos de criminalidade.
Condenações
A pesquisa identificou 82 apelações (recursos à segunda instância) nos tribunais de Justiça e nos tribunais regionais federais. A maior parte, 61 apelações, são de natureza penal. Entre as apelações penais, 51 resultaram em condenação dos agressores. Isso equivale a 83,6% de condenações, seja confirmando decisão anterior ou revertendo decisão de primeira instância que havia considerado o agressor inocente.
Em relação aos tipos de pena aplicada, houve maior frequência de aplicação de penas privativas de liberdade para os condenados por injúria (25%) do que por discriminação (11,11%). Nas demais condenações, os acórdãos judiciais optaram pela restrição de direitos. Segundo o estudo, a maior proporção de condenações a prisão, nos casos de injúria racial, se deve basicamente à reincidência específica dos agressores, fenômeno observado na leitura dos casos em que a prisão não foi substituída por outro tipo de punição.
O levantamento catalogou três principais tipos de provas presentes em casos de condenação por racismo e injuria racial nas redes. Os prints, capturas de tela com natureza de prova documental, foram as provas mais frequentemente mencionadas nos acórdãos (44), seguidas pelos boletins de ocorrência (26) e pelos depoimentos de testemunhas (17).
Nenhum réu foi condenado a pena em regime fechado. De 54 condenações analisadas, 49 têm regime aberto, três, regime semiaberto, e duas não têm informações. A duração média da pena pelo crime de injúria racial ficou em 16,4 meses (pouco mais de um terço além da pena mínima). Segundo os autores da pesquisa, isso revela que cultura judicial de aplicação da pena mínima no Brasil se repete nos crimes raciais.
Avanços e preocupações
Apesar das penas baixas na comparação com a pena mínima, o relatório considera ter havido progresso nos últimos anos em relação às ações judiciais de casos de racismo e de injúria racial na internet. Os autores do estudo, no entanto, ainda consideram que há necessidade de avanços em outras questões.
“A maioria dos casos analisados resultou em condenações, o que indica avanço no tratamento dessas questões no âmbito jurídico. Todavia, é preocupante observar que há significativa quantidade de casos em que as vítimas não tiveram os direitos garantidos, seja pela ausência de sanções ou pela falta de clareza na definição das condutas discriminatórias”, advertiu o relatório.
Edição: Graça Adjuto
Racismo torna mulheres negras e indígenas mais suscetíveis a problemas de saúde na gestação, diz Ministério da Saúde
Dados do governo federal revelam que esse grupos são os mais atingidos pela falta de acesso à prevenção e ao tratamento
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde nesta segunda-feira (23) mostram que mulheres negras e indígenas estão mais suscetíveis a problemas durante a gestação e no pós-parto no Brasil. Esses grupos têm menos acesso ao pré-natal e concentram a maior parte dos casos de bebês abaixo do peso ideal e das mortes por hipertensão, por exemplo.
As informações estão no Boletim Epidemiológico Saúde da População Negra e revelam como o racismo traz consequências consideráveis à garantia de um dos direitos essenciais previstos na Constituição. O grupo de mulheres pretas foi o único que apresentou aumento na mortalidade materna por hipertensão entre 2010 e 2020, cenário que está diretamente relacionado ao não tratamento e à desigualdade.
Segundo o dossiê, nesse mesmo período, o Brasil conseguiu diminuir a morte materna entre mulheres brancas, indígenas e pardas. O maior declínio foi observado entre as indígenas que tiveram queda de 30%. Entre as mulheres brancas, o índice decresceu 6%. E, entre as pardas, foi de 1,6%.
Embora as mulheres negras sejam as que mais aumentaram o acompanhamento pré-natal na década analisada, a pesquisa mostra que a população branca ainda tem mais facilidade de acesso. Os dados alertam também para um resultado preocupante entre as populações indígenas.
O total de mães que disseram realizar sete ou mais consultas saiu de 60,6% para 70%. No caso das mulheres indígenas, o índice é de 39%. Entre as mulheres negras, ele é inferior a 70%. Já as mulheres autodeclaradas brancas apresentaram cobertura de 80,9%.
:: Racismo estrutural leva à maior mortalidade materna entre mulheres negras, aponta pesquisadora ::
Esse último grupo apresentou estabilidade em outro dado relevante para a análise da qualidade do acesso à saúde: o peso dos recém-nascidos. O percentual variou de 8,4% para 8,6%. Já entre as mães indígenas, pretas e pardas, a proporção de crianças nascidas vivas com peso menor que 2,5kg aumentou. O maior salto ocorreu entre as pretas: de 8% para 10,1%.
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