Quase lá: O Sofrimento das Meninas no Brasil: Violência Estrutural e Subalternidade

A violência contra meninas no Brasil não é apenas uma questão emergencial, mas uma manifestação de uma estrutura social profundamente desigual, que mercantiliza e submete seus corpos a diversas formas de exploração.

 

relogio violencia mulher

 

O  Sofrimento das Meninas  no Brasil: Violência Estrutural e Subalternidade

Vanessa Maria de Castro

Psicanalista

Professora da UnB 

Março de 2025

 

A violência contra meninas [1] no Brasil não é apenas uma questão emergencial, mas uma manifestação de uma estrutura social profundamente desigual, que mercantiliza e submete seus corpos a diversas formas de exploração. Essa violência, que se apresenta sob a forma de abuso físico, psicológico, sexual e institucional, é uma consequência direta de uma organização patriarcal, racista e capitalista que persiste desde o período colonial. 

Meninas, especialmente as negras, indígenas e LGBTQIA+, são as principais vítimas desse sistema opressor, sendo tratadas como mercadorias descartáveis. Em uma sociedade marcada pela imposição de uma ordem “falocêntrica” [2], o sofrimento das meninas não se limita ao abuso físico, mas se amplia para uma violência simbólica e estrutural que reverbera em suas vidas cotidianas, moldando suas trajetórias de forma cruel. Elas são silenciadas, marginalizadas e constantemente desumanizadas [3]  por um sistema que não só permite, mas muitas vezes legitima essas violências pelo patriarcado [4] .

De acordo com o Disque 100,  a cada 10 minutos uma menina no Brasil é vítima de violência sexual, o que equivale a 5,7 casos por hora. A subnotificação desses casos é alarmante, já que cerca de 90,3% dos casos de violência sexual não são registrados, o que sugere que os números reais são ainda mais elevados (MDH, Disque 100, 2023). Além disso, a cada 50 horas, uma menina é assassinada vítima de feminicídio (Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP, 2023). Esses dados são apenas a ponta do iceberg, já que a violência contra meninas no Brasil é multifacetada e se manifesta de maneiras que, muitas vezes, não são visíveis nas estatísticas. Estudos também revelam que a violência contra meninas negras é desproporcionalmente alta: meninas negras têm 3,2 vezes mais risco de serem vítimas de violência sexual do que meninas brancas (UNICEF, 2021). A desigualdade regional também é gritante: meninas do Norte e Nordeste enfrentam taxas de violência até 42% superiores à média nacional (IBGE, 2022). A pobreza agrava ainda mais essa situação, com 68% das vítimas de feminicídio no Brasil vivendo abaixo da linha da pobreza (IBGE, 2022).

O "Relógio do Sofrimento" [05], apresentado no início deste ensaio, tem como objetivo condensar, de forma visual, o escândalo dessa violência e a urgência com que deve ser combatida. Ao longo deste trabalho, exploraremos os diferentes tipos de violência que essas meninas enfrentam e como os dados revelam a gravidade do problema. No entanto, o foco não estará apenas nas estatísticas, mas nas consequências dessas violências para a vida dessas meninas, cujos direitos fundamentais são frequentemente ignorados. Este ensaio, portanto, busca não apenas informar, mas também provocar uma reflexão crítica e urgente sobre a situação das meninas no Brasil, e sobre a responsabilidade que todos nós temos – como sociedade, governo e indivíduos – em garantir que essas meninas tenham suas vidas e seus direitos respeitados. O "Relógio do Sofrimento" será uma síntese desse desafio, e um alerta para a necessidade de mudança imediata e radical no tratamento das questões que envolvem a violência contra meninas e adolescentes no Brasil.

A relação entre poder e dominação, centralizada no corpo da mulher, implica em uma violência que não se restringe a uma agressão visível, mas também a uma destruição simbólica que anula suas identidades e subjetividades. O sofrimento dessas meninas é multifacetado, envolvendo, além do sofrimento físico, o dano psicológico e emocional, perpetuado por uma cultura que as vê como "ausentes" ou "incompletas" dentro das normas de uma sociedade patriarcal. Esse cenário configura-se como um fenômeno que exige um olhar crítico e interseccional, capaz de revelar as complexidades do sofrimento feminino em suas diversas formas e contextos.

Ao longo deste ensaio, descrevo como a violência contra meninas se configura como um fenômeno estrutural, interligado à exploração de seus corpos através do trabalho infantil e da violência sexual. Analisarei  como raça, gênero e classe se entrelaçam na vivência dessa violência, afetando de maneira diferenciada meninas negras, indígenas e LGBTQIA+. Além disso, abordo a violência institucional e a omissão do Estado, que muitas vezes atua como perpetuador de injustiças. Por fim, apresento formas de resistência e possibilidades de transformação social, destacando o papel dos movimentos sociais e da educação feminista.

Historicamente, a exploração dos corpos femininos tem sido central para a manutenção de estruturas de poder e do patriarcado. Desde o período colonial, com a escravização de mulheres negras e indígenas, até a contemporaneidade, com a exploração do trabalho infantil e a violência sexual, os corpos das meninas têm sido tratados como objetos de dominação e controle. Essa lógica persiste na atualidade, onde a interseccionalidade entre raça, gênero e classe intensifica a vulnerabilidade dessas meninas.

A violência contra meninas no Brasil transcende a mera crise humanitária; ela revela uma arquitetura social profundamente enraizada em relações desiguais de poder. No centro dessa estrutura está o patriarcado, um sistema que subordina e mercantiliza os corpos femininos. Para compreender a violência sofrida pelas meninas, é crucial analisar o falocentrismo que permeia a sociedade, onde o falo se configura como o símbolo de poder e completude. A partir da psicanálise de Freud e Lacan, podemos perceber como essa estrutura simbólica não apenas define o feminino como "falta", mas também gera um sofrimento profundo através da lógica do gozo perverso, que transgride normas e explora a subordinação do outro para afirmar o poder.

O gozo perverso, como discutido por Freud e Lacan, não se limita à transgressão das normas sexuais, mas reflete um desejo destrutivo que encontra satisfação na subordinação e no controle do outro. Essa dinâmica simbólica e psicológica fundamenta a violência contra as meninas, que são vistas como "incompletas" e, portanto, tratadas como objetos disponíveis para dominação. A partir dessa análise, este ensaio examina como a violência contra meninas é um fenômeno estrutural, ligado à reprodução de sistemas patriarcais, falocêntrica, coloniais e capitalistas.

A interseccionalidade entre gênero, raça e classe intensifica ainda mais a vulnerabilidade das meninas, especialmente as negras, indígenas e LGBTQIA+, que são mais expostas à violência física, sexual e simbólica. Para aprofundar essa análise, utilizarei as teorias críticas do feminismo negro, da decolonialidade e da teoria queer, que nos oferecem ferramentas essenciais para compreender como essas violências são naturalizadas e sustentadas pelas relações de poder desiguais que estruturam a sociedade.

Ao longo deste ensaio, exploro a mercantilização dos corpos infantis através do trabalho infantil e da violência sexual, aprofundaremos a análise da interseccionalidade da violência, evidenciando as especificidades das violências sofridas por meninas negras, indígenas e LGBTQIA+, e discutiremos a violência institucional e a omissão do Estado. 

 

  1. O Trabalho Infantil e a Economia do Cuidado: A Infância Roubada pela Exploração

O trabalho infantil tem raízes profundas na história brasileira, sendo uma prática normalizada desde o período colonial. Durante a escravidão, meninas negras eram exploradas não apenas como trabalhadoras domésticas, mas também como mercadorias, sujeitas a uma dupla opressão de gênero e raça (DAVIS, Angela, 2016). No pós-abolição, essa lógica de exploração persistiu por meio da informalidade do trabalho doméstico, frequentemente imposto a meninas negras e indígenas sob o discurso de “acolhimento” e “ajuda” (GONZALEZ, Beatriz, 2020).

No Brasil contemporâneo, o trabalho infantil continua sendo uma realidade alarmante. Segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI, 2023), 74% das crianças que trabalham em ambiente doméstico são meninas, das quais 92% são negras (IBGE, 2023). Essa desproporção evidencia a permanência do racismo estrutural na divisão do trabalho e reforça o argumento de Nancy Fraser (2016) de que a economia do cuidado reproduz desigualdades, desvalorizando o trabalho reprodutivo e afetivo.

O conceito de economia do cuidado é essencial para compreender essa dinâmica. Fraser (2016) argumenta que o trabalho de reprodução social – que inclui cuidar de crianças, idosos e realizar tarefas domésticas – é invisibilizado e não remunerado, recaindo majoritariamente sobre mulheres e meninas. Essa lógica aprofunda a precarização de meninas negras e indígenas, forçadas a assumir responsabilidades que deveriam ser do Estado. Como aponta Silvia Federici (2017), a exploração do trabalho feminino e infantil está na base da acumulação capitalista, tornando-se um mecanismo fundamental para a manutenção das desigualdades de classe e gênero.

Apesar da proibição do trabalho infantil pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a fiscalização permanece precária, revelando uma alarmante negligência do Estado. Em 2023, o Disque 100 registrou 4.500 denúncias de trabalho infantil (BRASIL, 2023), um número que, segundo especialistas, representa apenas a ponta do iceberg, dada a informalidade e a naturalização dessa exploração. Essa invisibilidade é ainda mais acentuada pela maneira como a economia do cuidado se manifesta no contexto do trabalho infantil doméstico. Como destaca Fraser (2016), em sua análise da economia do cuidado, o trabalho de reprodução social, essencial para a manutenção da vida, é transferido para meninas, que são forçadas a assumir responsabilidades que deveriam ser compartilhadas entre o Estado, a família e a sociedade.

As especificidades do trabalho doméstico, que ocorre dentro de lares e longe da supervisão pública, tornam as meninas particularmente vulneráveis a abusos físicos, psicológicos e sexuais. A natureza íntima desse trabalho, que envolve cuidados pessoais e tarefas cotidianas, cria um ambiente propício à exploração e à violência. A sobrecarga de trabalho de cuidado impede que as meninas frequentem a escola, brinquem e desfrutem de sua infância. Elas são privadas de sua autonomia e da capacidade de tomar decisões sobre suas próprias vidas. O trabalho precoce e exaustivo pode causar sérios problemas de saúde física e mental, além de limitar o desenvolvimento de habilidades e o acesso a oportunidades futuras. Segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI, 2023), 74% das crianças em situação de trabalho infantil doméstico são meninas, e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2023) aponta que 92% dessas meninas são negras, evidenciando a interseccionalidade entre o racismo estrutural e a exploração econômica. Meninas que passam horas cuidando de irmãos menores, sem tempo para estudar, brincar ou socializar, são privadas de seu direito à infância. Meninas que sofrem abusos físicos e emocionais por parte dos empregadores, sem ter a quem recorrer, tornam-se vítimas de um sistema que as desumaniza. Meninas que são forçadas a abandonar a escola para trabalhar em tempo integral perpetuam o ciclo de pobreza e exploração.

A exploração do trabalho infantil muitas vezes coexiste com outras formas de violência, criando um ambiente de opressão multifacetada. Meninas que trabalham em lares são vulneráveis a abusos sexuais por parte dos empregadores ou de membros da família. A exploração sexual pode ser usada como forma de controle e intimidação, silenciando as meninas e impedindo-as de denunciar os abusos. Meninas que trabalham em lares podem ser vítimas de violência física e psicológica, como castigos corporais, humilhações e ameaças. A violência doméstica pode ser usada para reforçar a submissão das meninas e garantir que elas continuem trabalhando. A cultura machista, que impulsiona a violência doméstica, também impulsiona a ideia de que o trabalho doméstico é função da mulher desde a infância. Nesse contexto, a análise de bell hooks (2015) sobre o patriarcado e a cultura da dominação nos ajuda a compreender como a violência é naturalizada e perpetuada. Lélia Gonzalez (2020), por sua vez, nos lembra da importância de considerar a interseccionalidade das opressões, evidenciando como raça e gênero se combinam para criar experiências únicas de exploração.

Ao evidenciar as conexões entre o trabalho infantil e outras formas de violência, podemos compreender a complexidade do problema e a necessidade de abordagens integradas. É fundamental que políticas públicas e programas de proteção infantil considerem a interseccionalidade das opressões e ofereçam suporte abrangente às meninas em situação de vulnerabilidade. A sociedade precisa reconhecer que o trabalho infantil não é apenas uma questão econômica, mas também uma questão de direitos humanos e justiça social. A erradicação do trabalho infantil feminino exige políticas públicas que considerem não apenas a dimensão econômica do problema, mas também seus aspectos estruturais, como o racismo e o patriarcado. Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, têm impacto positivo na redução do trabalho infantil (IPEA, 2022), mas precisam ser acompanhados de medidas específicas para meninas negras e indígenas, que sofrem as piores consequências desse sistema. É fundamental reestruturar a economia do cuidado, redistribuindo essa responsabilidade entre Estado, mercado e sociedade. Somente assim será possível romper com esse ciclo de exploração e garantir que meninas possam viver plenamente sua infância.

Diante desse contexto, analisaremos a relação entre trabalho infantil e economia do cuidado, destacando o impacto sobre meninas negras e indígenas. A partir do referencial teórico de bell hooks (2015), Lélia Gonzalez (2020) e Nancy Fraser (2016), discutiremos como o capitalismo patriarcal transforma corpos infantis em recursos de trabalho, perpetuando um sistema de opressão que atravessa gerações.

 

  1. O Trabalho Infantil e a Economia do Cuidado: Corpos Infantis como Recursos

A exploração do trabalho infantil no Brasil revela um padrão de subalternização que afeta desproporcionalmente meninas negras e indígenas, perpetuando sua vulnerabilidade e restringindo suas oportunidades. Como aponta bell hooks (2015), a sociedade capitalista patriarcal normaliza essa exploração ao atribuir às mulheres e meninas o trabalho reprodutivo e de cuidado, sem reconhecimento ou proteção. Essa lógica é reforçada por uma economia do cuidado que, segundo Nancy Fraser (2016), desvaloriza o trabalho doméstico e afetivo, tratando-o como uma obrigação feminina naturalizada e não como uma atividade que deve ser compartilhada e remunerada.

Os dados evidenciam essa desigualdade: 74% das crianças em situação de trabalho infantil doméstico são meninas (FNPETI, 2023). O IBGE (2023) aponta que 92% dessas crianças são negras, evidenciando a relação entre racismo estrutural e exploração econômica. Esse fenômeno não é novo. Como argumenta Lélia Gonzalez (2020), a herança colonial impôs às mulheres negras a responsabilidade pelo cuidado doméstico, perpetuando uma hierarquia na qual meninas são vistas como mão de obra natural para esse trabalho. Desde a escravidão, as mulheres negras foram designadas ao serviço doméstico, e essa estrutura se reproduz até hoje, condicionando meninas a uma posição de servidão desde a infância.

Silvia Federici (2017) aprofunda essa análise ao discutir o papel do trabalho reprodutivo na reprodução do capital. Para a autora, o trabalho de cuidados realizado por mulheres – e, no caso das meninas, sua iniciação precoce nesse sistema – é uma forma de exploração que sustenta a acumulação de riqueza. Assim, a vulnerabilidade das meninas se estende para além da violência sexual, alcançando também a exploração econômica e social. O trabalho infantil não é apenas uma consequência da pobreza, mas parte de um sistema que se mantém através da desvalorização e da invisibilização do trabalho feminino.

Essa exploração não se restringe ao aspecto econômico, mas também é simbólica. Como aponta Rita Segato (2016), o controle dos corpos femininos passa pela sua instrumentalização, seja por meio da violência, seja pela imposição de um papel servil desde cedo. O trabalho infantil, nesse sentido, reforça relações de dominação, nas quais meninas são vistas como seres subalternos e facilmente controláveis. Além disso, Angela Davis (2016) destaca que a exploração do trabalho das mulheres negras tem raízes profundas na escravidão e se perpetua até hoje na estrutura social, onde meninas negras são empurradas para funções de cuidado e trabalho doméstico desde a infância.

Mesmo com a proibição legal do trabalho infantil no Brasil, sua fiscalização é ineficaz. Muitos casos permanecem invisíveis, especialmente no trabalho doméstico, que ocorre dentro de lares e longe do olhar do Estado. O Disque 100 (2023) recebeu 4.500 denúncias de trabalho infantil no último ano, mas especialistas indicam que o número real é muito maior, dada a subnotificação. A natureza privada do trabalho doméstico contribui para essa invisibilidade, pois ocorre dentro de lares, dificultando a fiscalização e a proteção das meninas. Além disso, o trabalho infantil doméstico é frequentemente normalizado e desvalorizado, tanto pelos empregadores quanto pela sociedade em geral.

A precarização das condições de vida também agrava o problema. O desmonte de políticas públicas de proteção social, como aponta Silvia Federici (2017), fortalece a necessidade de sobrevivência familiar às custas da infância. A ausência de creches, a falta de acesso à educação integral e a negligência estatal ampliam a vulnerabilidade dessas meninas, forçando-as a assumir responsabilidades que deveriam ser do Estado. A pandemia de COVID-19 exacerbou essa vulnerabilidade, com o fechamento de escolas e a perda de renda das famílias aumentando o risco de exploração.

Além dos impactos econômicos e físicos, o trabalho infantil tem graves consequências psicossociais para as meninas. O trabalho precoce pode levar a traumas, ansiedade, depressão e baixa autoestima. A falta de tempo para brincar, socializar e desenvolver habilidades importantes prejudica o desenvolvimento emocional e social das meninas. É fundamental incluir a perspectiva das meninas que vivenciam o trabalho infantil, como ilustrado em pesquisas e relatos de casos que evidenciam os desafios enfrentados.

A erradicação do trabalho infantil feminino exige políticas públicas que considerem não apenas a dimensão econômica do problema, mas também seus aspectos estruturais, como o racismo e o patriarcado. Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, têm impacto positivo na redução do trabalho infantil (IPEA, 2022), mas precisam ser acompanhados de medidas específicas para meninas negras e indígenas, que sofrem as piores consequências desse sistema. É fundamental reestruturar a economia do cuidado, redistribuindo essa responsabilidade entre Estado, mercado e sociedade. A importância de creches e escolas integrais, campanhas de conscientização e redes de apoio também deve ser destacada.

É fundamental uma abordagem intersetorial para combater o trabalho infantil, envolvendo diferentes setores do governo, organizações da sociedade civil e comunidades. A necessidade de uma ação coordenada para abordar as múltiplas dimensões do problema é crucial. Somente assim será possível romper com esse ciclo de exploração e garantir que meninas possam viver plenamente sua infância.

  1. Racismo e Colonialidade: A Vulnerabilidade das Meninas Negras e Indígenas

A violência de gênero no Brasil não pode ser dissociada do racismo estrutural e da colonialidade, que se entrelaçam para criar formas únicas de opressão para meninas negras. Como argumenta Lélia Gonzalez (1984), o racismo e o sexismo operam conjuntamente, tornando essas meninas alvos preferenciais da exploração sexual e do trabalho infantil. A interseccionalidade entre raça, gênero e colonialidade não apenas amplia a vulnerabilidade dessas meninas, mas também naturaliza a violência que sofrem, tornando-as invisíveis para as políticas públicas e para a sociedade.

Os dados reforçam essa realidade: segundo o IBGE (2023), uma parcela significativa das vítimas de violência sexual no país é composta por meninas negras, refletindo a desproporção resultante de uma construção histórica e social que remonta ao período colonial. Angela Davis (2016) aponta que, durante a escravidão, os corpos negros femininos foram tratados como bens comerciáveis, explorados tanto para o trabalho forçado quanto para a satisfação sexual dos senhores. Essa lógica persiste na contemporaneidade, onde meninas negras são hipersexualizadas desde a infância, reforçando a ideia de que seus corpos são disponíveis para a violência e o abuso. A hipersexualização, como discutido por Patricia Hill Collins (2019), contribui para a objetificação e desumanização das meninas negras, tornando-as alvos mais fáceis para a violência sexual.

A análise decolonial nos permite compreender como a violência contra meninas negras é uma forma de controle e dominação que se perpetua desde o período colonial. Rita Segato (2016) argumenta que a violência contra mulheres negras não deve ser analisada apenas como um fenômeno de gênero, mas sim como parte de uma estrutura de dominação colonial. Para Segato, o corpo negro feminino é transformado em território de conquista, sendo violado como um ato de poder que reafirma a lógica colonial.

Como argumenta Patricia Hill Collins (2019), a interseccionalidade é fundamental para compreender como raça, classe e gênero moldam diferentes formas de opressão, tornando algumas meninas mais vulneráveis que outras. As meninas negras enfrentam não apenas a violência de gênero, mas também o racismo institucional que impede seu acesso à educação, saúde e justiça. O racismo institucional se manifesta de diversas formas, desde a falta de representatividade nas instituições até a discriminação direta no atendimento. Por exemplo, meninas negras podem enfrentar dificuldades para denunciar casos de violência devido ao medo de não serem levadas a sério ou de sofrerem retaliação. Além disso, a falta de acesso a serviços de saúde adequados pode agravar as consequências da violência, tanto física quanto psicológica. Esse processo evidencia que a violência contra meninas racializadas não é apenas um problema social, mas um mecanismo estruturante das desigualdades históricas no Brasil.

A conexão entre trabalho infantil e violência é evidente na realidade das meninas negras. Muitas vezes, elas são forçadas a trabalhar desde cedo para ajudar suas famílias, o que as expõe a situações de exploração e abuso. O trabalho infantil doméstico, em particular, é uma forma de violência que afeta desproporcionalmente meninas negras, como discutido anteriormente.

É fundamental incluir a perspectiva das meninas que vivenciam essa violência. Relatos de casos e pesquisas evidenciam os desafios enfrentados por elas. Por exemplo, muitas meninas relatam o medo constante de serem agredidas ou abusadas, a dificuldade de confiar em adultos e a sensação de impotência diante da violência. Para ilustrar essa realidade, podemos citar estudos como:

  • Relatórios de organizações como Criola e Geledés, que frequentemente publicam dados e relatos sobre a violência contra mulheres e meninas negras.
  • Pesquisas acadêmicas que abordam a interseccionalidade entre raça e gênero na análise da violência, como os trabalhos de Patricia Hill Collins e Kimberlé Crenshaw.

Diante desse cenário, a construção de políticas públicas eficazes exige um olhar interseccional e decolonial, que reconheça a especificidade das violências enfrentadas por meninas negras e que promova ações efetivas de proteção e reparação. É preciso investir em programas de educação que combatam o racismo, o sexismo e a colonialidade, em serviços de saúde que ofereçam atendimento especializado para vítimas de violência, e em mecanismos de justiça que garantam a punição dos agressores. Apenas assim será possível romper com a lógica colonial e racista que transforma corpos infantis negros em alvos permanentes da exploração e da violência."

4. Meninas Indígenas: Duplamente Negligenciadas e a Violência Colonial 

As meninas indígenas enfrentam múltiplas formas de violência, atravessadas por dinâmicas de gênero, raça e território. Para elas, a vulnerabilidade não se restringe ao contexto da infância, mas está inserida em um processo histórico de violência colonial que se perpetua na contemporaneidade. Essa violência multifacetada exige uma análise que considere as especificidades culturais e territoriais das comunidades indígenas, bem como a perspectiva das próprias meninas.

A invisibilidade das meninas indígenas começa na falta de dados e estatísticas precisas, o que dificulta a formulação de políticas públicas eficazes. No entanto, os dados disponíveis revelam um cenário alarmante. Segundo a UNICEF (2023), 60% das meninas indígenas não concluem o ensino fundamental, sendo frequentemente afastadas da escola devido à gravidez precoce ou ao casamento forçado. O Conselho Indigenista Missionário (CIMI, 2023) aponta que 45% das meninas indígenas de 10 a 14 anos são vítimas de violência sexual, especialmente em comunidades onde o Estado mantém presença precária ou inexistente.

A antropóloga Rita Segato (2016) argumenta que a violência contra mulheres indígenas não deve ser analisada apenas como um fenômeno de gênero, mas sim como parte de uma estrutura de dominação colonial. Para Segato, o corpo indígena feminino é transformado em território de conquista, sendo violado como um ato de poder que reafirma a lógica colonial. Esse tipo de violência não apenas submete as vítimas, mas também reforça um sistema mais amplo de expropriação e silenciamento dos povos indígenas.

A conexão entre expropriação territorial e violência sexual é evidente. A invasão de territórios indígenas por garimpeiros, fazendeiros e outros agentes externos contribui para a violência contra meninas indígenas. Nesses contextos, a ausência do Estado e a impunidade encorajam a exploração sexual e outras formas de violência.

Além da violência sexual, o racismo institucional contribui para a manutenção da impunidade e da negligência em relação às meninas indígenas. Dados do Ministério Público Federal (MPF, 2023) indicam que apenas 2% dos casos de violência contra meninas indígenas resultam em condenação. Manuela Carneiro da Cunha (2009) destaca que o Estado brasileiro historicamente tem adotado políticas de assimilação forçada, desconsiderando a autonomia e os modos de vida das populações indígenas. Essa omissão estrutural se reflete na falta de políticas públicas eficazes para a proteção dessas meninas, que permanecem à margem do acesso à justiça e aos direitos fundamentais.

A colonialidade do poder, conceito desenvolvido por Aníbal Quijano (2005), ajuda a compreender como a violência contra meninas indígenas se insere em um sistema mais amplo de hierarquização racial e exploração. A naturalização da violência contra corpos indígenas, somada à ausência do Estado, evidencia que esses corpos continuam sendo tratados como subalternos, como se estivessem fora da esfera de direitos reconhecidos pela sociedade brasileira.

É fundamental incluir a perspectiva das meninas indígenas que vivenciam essa violência. Relatos de casos e pesquisas evidenciam os desafios enfrentados por elas. Por exemplo, muitas meninas relatam o medo constante de serem agredidas ou abusadas, a dificuldade de confiar em adultos e a sensação de impotência diante da violência.

Diante desse cenário, torna-se urgente a implementação de políticas públicas que reconheçam as especificidades culturais e territoriais das meninas indígenas, garantindo não apenas a sua proteção contra a violência, mas também o acesso à educação e ao sistema de justiça de forma que respeite suas culturas e territórios. É preciso investir em programas de educação intercultural que valorizem os saberes ancestrais e promovam a autonomia das meninas indígenas. É preciso fortalecer os mecanismos de denúncia e investigação de casos de violência, garantindo que as meninas indígenas tenham acesso à justiça e à reparação. A criação de escolas que respeitem a cultura indígena, a implementação de programas de saúde específicos e a garantia de acesso à justiça são medidas cruciais. Além disso, é necessário garantir a demarcação e proteção de territórios indígenas, combatendo a invasão e a exploração ilegal

5. O Grave Problema da Violência contra Meninas LGBTQIA+ e Trans 

A violência contra meninas LGBTQIA+ e trans no Brasil é um reflexo de estruturas cisheteronormativas, machistas e transfóbicas profundamente enraizadas na sociedade. Os dados disponíveis, ainda que subnotificados, evidenciam um cenário alarmante de vulnerabilidade extrema, marcado por agressões físicas, exclusão social, discriminação institucional e até mesmo homicídios.

Violência Física e Assassinatos: A Interseccionalidade da Violência

As meninas trans e lésbicas são alvos frequentes da violência extrema, que se manifesta de formas brutais e letais. O Dossiê do Lesbocídio é um importante relatório que denuncia a violência específica contra mulheres lésbicas no Brasil, destacando assassinatos motivados por lesbofobia. Entre 2014 e 2017, o dossiê revelou que 126 assassinatos de mulheres lésbicas ocorreram durante esse período, uma realidade alarmante que reflete a violência estrutural e o ódio direcionado a essa população. Esses crimes são frequentemente invisibilizados pela sociedade e pelas autoridades, o que dificulta o reconhecimento da lesbofobia como um fenômeno social e político.

De acordo com o Dossiê do Lesbocídio (PERES; SOARES; DIAS, 2018), as vítimas são, muitas vezes, mulheres negras, periféricas e em situações de vulnerabilidade social. O relatório também alerta para o fato de que as mortes de mulheres lésbicas muitas vezes não são investigadas adequadamente, o que resulta em um ciclo de impunidade e perpetuação da violência .

Esse levantamento de dados e a visibilidade trazida pelo Dossiê do Lesbocídio são fundamentais para a construção de políticas públicas de proteção e para o enfrentamento da lesbofobia, bem como para o reconhecimento da violência de gênero e sexualidade que mulheres lésbicas enfrentam em sua vida cotidiana.

Já em 2023, o Brasil registrou 145 assassinatos de pessoas trans, sendo que a maioria das vítimas eram travestis ou mulheres trans (Agência Brasil, 2024). O risco de morte aumenta ainda mais para meninas trans negras e periféricas, que têm três vezes mais chances de serem assassinadas em comparação com meninas trans brancas (ANTRA, 2023). Essa disparidade evidencia como o racismo estrutural se soma à transfobia, tornando a vida dessas meninas ainda mais vulnerável. A interseccionalidade, conceito fundamental para entender as múltiplas formas de opressão, revela como raça, gênero e classe se entrelaçam na violência contra meninas trans negras e periféricas. 

Violência nas Escolas: Um Espaço de Exclusão e Sofrimento

O ambiente escolar, que deveria ser um espaço de aprendizado e acolhimento, muitas vezes se torna um local de sofrimento e exclusão para meninas LGBTQIA+ e trans. Cerca de 82% das meninas trans sofrem violência escolar (ANTRA, 2023). Essa violência pode incluir desde agressões verbais e humilhações até agressões físicas e assédio sexual. A discriminação e o preconceito também se manifestam na falta de respeito ao nome social. Apenas 12% das escolas respeitam o nome social (All Out, 2023). Muitas escolas não reconhecem a identidade de gênero das meninas trans, obrigando-as a usar o nome civil e os pronomes que não correspondem à sua identidade. Essa prática, além de violar o direito à identidade de gênero, contribui para a invisibilidade e a exclusão dessas meninas. A falta de políticas inclusivas, como a implementação de banheiros e vestiários unissex e a promoção de atividades educativas sobre diversidade de gênero, também contribui para a exclusão das meninas trans. Como consequência, 60% das meninas LGBTQIA+ acabam abandonando os estudos devido à discriminação (UNESCO, 2022). Essa evasão escolar tem graves consequências para o futuro dessas meninas, limitando suas oportunidades de acesso ao mercado de trabalho e à educação superior. Além da violência transfóbica, meninas lésbicas e bissexuais também enfrentam discriminação e preconceito no ambiente escolar. Elas podem ser alvo de comentários homofóbicos, exclusão social e até mesmo agressões físicas. A falta de representatividade e a ausência de espaços seguros para meninas lésbicas e bissexuais também contribuem para a invisibilidade e a exclusão dessas meninas. É fundamental que as escolas sejam espaços seguros e acolhedores para todas as meninas, independentemente de sua identidade de gênero ou orientação sexual. Para isso, é preciso investir em formação de professores e funcionários para lidar com a diversidade de gênero, implementar políticas inclusivas e promover atividades educativas sobre respeito e diversidade.

Violência Familiar e Expulsão de Casa: A Rejeição no Núcleo de Proteção

O núcleo familiar, que deveria ser um espaço de proteção e afeto, infelizmente se torna um local de rejeição e violência para muitas meninas LGBTQIA+ e trans. A violência familiar assume diversas formas, desde agressões verbais e psicológicas até agressões físicas e expulsão de casa. A expulsão de casa é uma realidade brutal para muitas meninas trans. Estima-se que 35% das meninas trans sejam expulsas de casa antes dos 18 anos (Instituto Brasileiro Trans de Educação, 2023). Além disso, 50% das meninas lésbicas/bissexuais sofrem agressão física por familiares (Grupo Dignidade, 2023). A falta de aceitação e o preconceito dos pais e familiares as levam a serem expulsas de seus lares, deixando-as em situação de extrema vulnerabilidade. Essa expulsão precoce as expõe a riscos como a exploração sexual, a violência nas ruas e a falta de acesso a serviços básicos como saúde e educação. Além da expulsão, muitas meninas LGBTQIA+ e trans sofrem agressões físicas e psicológicas dentro de suas próprias casas. A violência doméstica é um fator determinante para a situação de vulnerabilidade dessas meninas, levando muitas à marginalização e à exploração. A falta de apoio familiar e a rejeição podem levar a problemas como depressão, ansiedade e ideação suicida. A violência familiar contra meninas LGBTQIA+ e trans é um reflexo da transfobia e da homofobia presentes na sociedade. A falta de informação e o preconceito levam muitos pais e familiares a rejeitarem seus filhos e filhas, negando-lhes o direito à identidade e à dignidade. É fundamental que o Estado e a sociedade civil atuem em conjunto para combater a violência familiar contra meninas LGBTQIA+ e trans. É preciso investir em campanhas de conscientização para informar e sensibilizar a população sobre a importância do respeito à diversidade de gênero e orientação sexual. É preciso criar serviços de acolhimento e apoio para meninas LGBTQIA+ e trans que foram expulsas de casa ou que sofrem violência familiar. É preciso garantir que as escolas sejam espaços seguros e acolhedores para todas as meninas, independentemente de sua identidade de gênero ou orientação sexual.

Exploração Sexual e Prostituição Forçada: A Mercantilização dos Corpos Dissidentes

A exploração sexual contra meninas LGBTQIA+ e trans assume formas particularmente cruéis, como o chamado "estupro corretivo", uma violência de caráter extremo que visa forçar essas meninas a se conformarem com uma identidade cisheteronormativa. Essa prática, motivada pela necessidade de controlar e submeter esses corpos dissidentes, é uma brutalidade inominável, resultando em danos físicos e psicológicos profundos. Segundo a Rede Nacional de Feministas Lésbicas (2023), cerca de 28% das meninas lésbicas são vítimas de violência sexual, justificada pela tentativa de "corrigir" suas orientações sexuais, um reflexo de uma sociedade que ainda insiste em moldar as identidades de gênero e sexualidade a um único padrão normativo.

A situação das meninas trans em situação de rua no Brasil representa um problema de grande magnitude, cujas dimensões ainda precisam ser compreendidas de maneira mais profunda e abordadas de forma eficaz pelo Estado e pelas políticas públicas. A falta de infraestrutura e de políticas direcionadas a essa população, que enfrenta uma combinação de fatores como discriminação de gênero, pobreza e marginalização social, contribui diretamente para a perpetuação da vulnerabilidade dessas jovens. Muitas delas, diante da falta de opções e da ausência de apoio adequado, se veem forçadas a viver nas ruas, em uma realidade marcada pela precariedade e pela exclusão.

A escassez de dados confiáveis e abrangentes sobre a realidade dessas meninas torna ainda mais difícil a formulação de políticas públicas eficazes. A invisibilidade das meninas trans, frequentemente marginalizadas e estigmatizadas pela sociedade, resulta em uma falta de compreensão sobre suas necessidades específicas. Sem informações adequadas, torna-se impossível para o Estado desenvolver soluções eficazes para garantir o acesso dessas meninas a direitos básicos como saúde, educação, segurança e acolhimento familiar. A inexistência de um levantamento detalhado também dificulta o desenvolvimento de estratégias de apoio e a alocação de recursos necessários para atender a essa população.

A violência contra pessoas trans e travestis no Brasil é uma das mais graves no Brasil.  O Dossiê: Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2023, elaborado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) com autoria de BENEVIDES (2024), revela que, em 2023, ocorreram 145 assassinatos de pessoas transexuais no Brasil, a vítima mais jovem foi uma adolescente de 13 anos. A maioria dessas vítimas eram mulheres transexuais ou travestis (94%), negras ou pardas (72%), com uma idade média de 30 anos, e mais da metade delas (54%) vivia da prostituição. Esses dados refletem uma combinação fatal de violência de gênero, racismo estrutural e exploração econômica, que afeta fortemente a comunidade trans no Brasil. Essa situação expõe a extrema vulnerabilidade das pessoas trans, que enfrentam uma interseção de opressões que resultam em morte, exploração sexual e uma luta constante pela sobrevivência.

Essas violências fazem parte de um ciclo contínuo de desumanização e exploração que resulta em uma mercantilização dos corpos dissidentes. Como aponta Sayak Valencia (2018) em seu trabalho Capitalismo Gore, a violência extrema contra corpos não conformistas, como as meninas LGBTQIA+ e trans, está inserida na lógica capitalista, onde esses corpos se tornam mercadorias descartáveis, sujeitas à exploração para benefício de um sistema econômico desigual.

Saúde Mental: As Marcas Profundas da Violência e Discriminação

A violência e a discriminação sofridas desde cedo deixam marcas profundas na saúde mental dessas meninas. Estima-se que 55% das meninas trans tentam suicídio antes dos 18 anos (Pesquisa Nacional sobre Saúde LGBTQIA+, 2022). Segundo o CVV (2023), 78% das meninas LGBTQIA+ que buscaram apoio emocional relataram transtornos mentais, como ansiedade e depressão. Esses números refletem os impactos da LGBTfobia estrutural, que submete essas jovens a situações de exclusão, violência e negação de direitos. Como aponta a OPAS (2021), a discriminação — e não a orientação sexual ou identidade de gênero — é o fator determinante para o adoecimento mental.A negação de direitos e a falta de acesso a serviços básicos de saúde agravam ainda mais a situação. Cerca de 70% das meninas trans já foram recusadas em postos de saúde (Ministério da Saúde, 2022), dificultando o acompanhamento médico necessário para sua saúde integral. No âmbito escolar, apenas 12% das escolas públicas respeitam o nome social das meninas trans (All Out, 2023), agravando a sua invisibilidade e exclusão.

Negação de Direitos e Saúde: A Violência Institucionalizada

O acesso a serviços básicos de saúde e educação é sistematicamente negado a meninas LGBTQIA+ e trans, perpetuando um ciclo de exclusão e vulnerabilidade. A violência institucional se manifesta na recusa de atendimento em postos de saúde, onde cerca de 70% das meninas trans já foram recusadas (Ministério da Saúde, 2022). Essa negação de acesso à saúde impede o acompanhamento médico necessário para a saúde integral dessas meninas, incluindo o acesso a tratamentos hormonais e acompanhamento psicológico.

No âmbito escolar, a violência institucional se manifesta na falta de respeito ao nome social e na ausência de políticas inclusivas. Apenas 12% das escolas públicas respeitam o nome social das meninas trans (All Out, 2023), agravando sua invisibilidade e exclusão. Essa falta de reconhecimento da identidade de gênero viola o direito à identidade e contribui para o sofrimento psicológico das meninas trans. A ausência de banheiros e vestiários unissex, a falta de formação de professores e funcionários para lidar com a diversidade de gênero e a ausência de atividades educativas sobre respeito e diversidade também contribuem para a exclusão das meninas trans.

A negação de direitos e a violência institucionalizada são formas de violência que se somam à violência física e psicológica, criando um ambiente hostil e excludente para meninas LGBTQIA+ e trans."

Impactos na Saúde Mental: As Marcas Profundas da Violência e Discriminação

A violência e a discriminação sofridas desde cedo deixam marcas profundas na saúde mental de meninas LGBTQIA+ e trans. Estima-se que 55% das meninas trans tentam suicídio antes dos 18 anos (Pesquisa Nacional sobre Saúde LGBTQIA+, 2022). Esse índice alarmante revela a gravidade do sofrimento psicológico causado pela transfobia e pela discriminação. Além disso, 78% das meninas LGBTQIA+ relatam sofrer com depressão e ansiedade devido à discriminação e ao preconceito (CVV, 2023).

A falta de apoio familiar, a violência nas escolas, a negação de direitos e a violência institucionalizada contribuem para o desenvolvimento de transtornos mentais como depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático e ideação suicida. A falta de acesso a serviços de saúde mental especializados agrava ainda mais a situação, impedindo que essas meninas recebam o tratamento adequado.

A saúde mental de meninas LGBTQIA+ e trans é um tema urgente que precisa ser abordado com seriedade. É preciso investir em políticas públicas que visem a proteção e o acolhimento dessas meninas, garantindo o acesso a serviços de saúde mental especializados e a espaços seguros onde possam expressar suas identidades e vivências.

Corpos Dissidentes e a Norma

Judith Butler, em Problemas de Gênero e Corpos que Importam, destaca como a performatividade de gênero impõe restrições violentas a corpos dissidentes. A transfobia e a lesbofobia, que marcam a violência contra meninas LGBTQIA+, são reforçadas por normas que excluem e marginalizam aqueles que não se encaixam na cisheteronormatividade. Butler ajuda a compreender como essas normas sociais não apenas reforçam a violência, mas também justificam a negação de direitos fundamentais. Os dados da ANTRA (2023) mostram que 86% das vítimas trans assassinadas no Brasil tinham entre 15 e 24 anos, evidenciando o impacto dessas normas excludentes na vulnerabilidade extrema de meninas trans.

Patrícia Hill Collins, em Pensamento Feminista Negro, traz o conceito de interseccionalidade, crucial para entender como raça, classe e gênero se cruzam na opressão de meninas trans negras e periféricas. A estatística de que meninas trans negras têm quatro vezes mais chances de serem assassinadas do que meninas trans brancas (ANTRA, 2023) evidencia esse entrelaçamento de desigualdades estruturais. Além disso, a evasão escolar entre meninas trans chega a 60% (Pesquisa Nacional sobre Ambiente Escolar, 2022), o que agrava ainda mais sua marginalização social e econômica.

Gayatri Spivak, em Pode o Subalterno Falar?, discute a invisibilização da voz dos subalternos. Isso se reflete na negação de agência e no apagamento das violências sofridas por meninas LGBTQIA+, especialmente as racializadas. A falta de investigação em 90% dos casos de violência contra meninas trans negras (Instituto Marielle Franco, 2023) é um exemplo concreto desse silenciamento sistêmico. Essa negligência institucional reforça a ideia de que essas vidas são descartáveis dentro da lógica social e política vigente.

Sayak Valencia, em Capitalismo Gore, analisa como a mercantilização da violência extrema se insere na lógica capitalista. A exploração sexual de meninas trans, muitas vezes empurradas para a prostituição forçada, exemplifica como seus corpos são tratados como mercadorias descartáveis dentro desse sistema. 

Paul B. Preciado, em Manifesto Contrassexual, discute a imposição da normatividade sexual e de gênero, que se reflete na violência estrutural contra corpos dissidentes. O controle sobre os corpos das meninas trans se manifesta tanto na recusa de acesso à hormonização (somente 5% têm acompanhamento adequado antes dos 18 anos, segundo o CFM, 2023) quanto na negação de sua identidade nas escolas. Além disso, 70% das meninas trans já foram recusadas em postos de saúde (Ministério da Saúde, 2022), evidenciando a barreira institucional no acesso a direitos básicos.

Jaqueline Gomes de Jesus (2020), em Transfeminismo e Política, aborda a urgência de políticas públicas para a proteção da população trans. Sua análise reforça a necessidade de ações concretas, como abrigos específicos para meninas trans expulsas de casa (35% são expulsas antes dos 18 anos, Instituto Brasileiro Trans de Educação, 2023), formação de profissionais da saúde e da educação para garantir acolhimento digno e implementação efetiva de leis contra a LGBTIfobia.

A violência contra meninas LGBTQIA+ e trans no Brasil, portanto, não pode ser analisada de forma isolada. Ela está inserida em um contexto mais amplo de opressões estruturais que envolvem gênero, raça, classe e a lógica neoliberal de mercantilização dos corpos. Os altos índices de suicídio (55% tentaram antes dos 18 anos, Pesquisa Nacional sobre Saúde Trans, 2022) demonstram como a transfobia estrutural impacta a saúde mental dessas meninas. A construção de políticas públicas eficazes depende do reconhecimento dessa interseccionalidade e do compromisso coletivo para romper com as estruturas de exclusão e violência que insistem em negar a humanidade dessas meninas.

6. Violência Sexual: O Corpo como Território de Dominação

A violência sexual contra meninas no Brasil não pode ser reduzida a atos individuais de agressão, mas deve ser compreendida como parte de um sistema estruturante de dominação patriarcal e colonial. O corpo feminino, especialmente o corpo infantil, é historicamente tratado como um espaço de apropriação, reforçando hierarquias de poder que naturalizam o abuso e a exploração.

Silvia Federici (2017), em Calibã e a Bruxa, demonstra como a caça às bruxas na Europa e na América colonial foi essencial para a consolidação do capitalismo, pois destruiu formas comunitárias de reprodução social e submeteu os corpos das mulheres a um regime de controle voltado para o trabalho e a reprodução. Esse processo, longe de ser um fenômeno histórico superado, persiste na forma de violência sexual sistemática contra meninas, que são reduzidas a objetos de exploração dentro das relações sociais e econômicas contemporâneas.

Rita Segato (2016), ao estudar a violência de gênero na América Latina, argumenta que o estupro não é apenas um crime contra a vítima individual, mas um ato comunicacional, um mecanismo de poder que reafirma a posição subordinada das mulheres na estrutura social. No caso das meninas, essa violência assume um caráter ainda mais brutal, pois as desumaniza e interrompe sua autonomia antes mesmo que possam construí-la. O alto índice de violência sexual contra crianças no Brasil confirma essa dinâmica:

  • 60% das denúncias ao Disque 100 envolvem meninas de 10 a 14 anos (MDH, 2023).
  • 70% dos agressores são familiares ou conhecidos (FBSP, 2023).

Judith Butler (2003) analisa a violência sexual como um ato performativo, isto é, uma prática que não apenas expressa, mas efetivamente produz e reforça a desigualdade de gênero. Quando uma menina é violentada, não se trata apenas da destruição de sua integridade física e psicológica: trata-se da inscrição de um poder sobre seu corpo, um ensinamento brutal de que ele não lhe pertence. Esse processo ocorre dentro de uma lógica cultural que deslegitima o direito das meninas ao próprio corpo, seja pela culpabilização da vítima, pela naturalização da violência ou pela erotização precoce da infância.

A impunidade dos agressores também reforça esse sistema. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2023) indicam que apenas 8% dos casos de estupro infantil resultam em condenação, evidenciando que o Estado falha sistematicamente em proteger as vítimas e punir os responsáveis. Esse cenário é agravado pela cultura do silenciamento e da revitimização, na qual as meninas violentadas são forçadas a carregar o peso da violência, enquanto seus agressores permanecem impunes.

Outro elemento fundamental na compreensão da violência sexual contra meninas é sua relação com o contexto econômico. Nancy Fraser (2016) argumenta que, no neoliberalismo, há uma mercantilização crescente de todas as esferas da vida, inclusive do corpo feminino. No Brasil, essa lógica se expressa na exploração sexual de meninas em diversas regiões do país, especialmente em áreas turísticas e de fronteira, onde redes de exploração operam com grande impunidade.

Adriana Piscitelli (2013), ao estudar o turismo sexual no Brasil, observa que a vulnerabilidade das meninas não é um efeito colateral da economia, mas uma engrenagem fundamental dela. Em muitas cidades, a exploração sexual infantil se torna uma indústria paralela, incentivada por desigualdades estruturais e pela omissão do Estado. Nesse sentido, a violência sexual contra meninas não é apenas um fenômeno social, mas uma forma de controle biopolítico que reproduz a desigualdade e a subjugação feminina dentro do capitalismo global.

Diante dessa realidade, é necessário desnaturalizar a violência sexual contra meninas e reconhecê-la como um problema estrutural que exige respostas políticas e institucionais eficazes. O enfrentamento dessa questão passa pelo fortalecimento de políticas públicas de proteção à infância, pela responsabilização efetiva dos agressores e pela construção de uma nova ética social que reconheça as meninas como sujeitos de direitos e não como corpos disponíveis para a exploração.

7. Violência Doméstica: O Lar Como Campo de Guerra

O lar, tradicionalmente concebido como um espaço de proteção e cuidado, muitas vezes se transforma no principal cenário de violência para meninas no Brasil. Essa realidade expõe as contradições das relações de gênero no âmbito familiar e a permanência de estruturas patriarcais que naturalizam a violência como forma de controle sobre corpos femininos. O Disque 180 (2023) registrou 32 mil denúncias de violência doméstica contra meninas, incluindo agressões físicas, psicológicas e tortura. Os dados são ainda mais alarmantes quando observamos o recorte racial: 78% das vítimas são meninas negras no Fórum Brasileiro de Segurança Pública  (FBSP, 2023), evidenciando a interseccionalidade entre violência de gênero e racismo estrutural.

Rita Segato (2016) analisa essa violência como parte de uma pedagogia da crueldade, em que a dominação masculina se perpetua por meio de agressões que não são apenas individuais, mas estruturais. Segundo a autora, a casa muitas vezes opera como um espaço disciplinar, onde meninas aprendem desde cedo que seus corpos estão submetidos ao poder masculino. Essa estrutura hierárquica e patriarcal sustenta-se na naturalização da violência como método de imposição de autoridade.

A pandemia de COVID-19 agravou esse quadro. O Fórum Nacional de Prevenção à Violência Doméstica (2022) aponta que 55% das meninas relataram aumento de agressões durante o isolamento social, período em que ficaram confinadas com seus agressores e sem acesso a redes de apoio. Muitas dessas agressões foram justificadas sob o discurso da “disciplina” ou do “controle”, evidenciando a persistência de uma cultura punitiva dentro das famílias. Como destaca bell hooks (2015), a violência doméstica contra meninas é frequentemente legitimada como forma de "educação", perpetuando um ciclo intergeracional de abusos que reforça a submissão feminina.

Além da violência direta, há também a violência simbólica, conceito desenvolvido por Pierre Bourdieu (2002). No contexto doméstico, essa forma de opressão se manifesta na desvalorização da voz das meninas, na imposição de tarefas domésticas desproporcionais e na negação de sua autonomia. O peso do trabalho doméstico, atribuído quase exclusivamente às meninas, reforça sua subalternização dentro da própria casa, ao passo que meninos são estimulados a ocupar espaços externos e públicos.

Diante desse cenário, é fundamental que políticas públicas voltadas à proteção infantil considerem a especificidade da violência doméstica contra meninas, garantindo mecanismos eficazes de denúncia, acolhimento e suporte. A superação dessa violência passa pela desconstrução das normativas patriarcais que sustentam a subordinação feminina dentro do ambiente familiar, bem como pela ampliação de espaços de escuta e fortalecimento para meninas em situação de vulnerabilidade.

8. Violência Institucional: O Estado Como Agente de Omissão e Repressão

O Estado, que deveria proteger meninas em situação de vulnerabilidade, frequentemente atua como um agente de omissão ou mesmo de repressão. A violência institucional se manifesta na falta de políticas públicas eficazes, na revitimização de meninas em espaços como delegacias e abrigos, e na negligência do sistema de justiça diante da violência de gênero.

Segundo Rita Segato (2016), o Estado muitas vezes reforça a impunidade ao tratar a violência contra meninas como eventos isolados, e não como parte de um sistema estruturado de dominação. Essa lógica se reflete nos números alarmantes da Defensoria Pública da União (DPU, 2023), que apontam que apenas 8% dos casos de violência sexual contra meninas resultam em condenação dos agressores.

 Angela Davis (2018) argumenta que o Estado não apenas falha na proteção, mas também atua como reprodutor da violência ao criminalizar meninas pobres e racializadas. 

No Brasil, meninas negras e indígenas continuam sendo as principais vítimas da seletividade penal, enfrentando abordagens policiais violentas e internações no sistema socioeducativo, muitas vezes por delitos menores. De acordo com o levantamento do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (2023), 62% das meninas apreendidas em instituições socioeducativas são negras, o que evidencia o racismo estrutural na aplicação da lei. Além disso, 241 meninas gestantes estão em internação, uma situação que agrava ainda mais a vulnerabilidade dessas jovens, muitas vezes sem o devido acolhimento social e apoio.

De acordo com o Atlas da Violência do IPEA (2024), em 2022, o número de mulheres vítimas de violência doméstica e intrafamiliar na faixa etária de zero a 19 anos foi de 46.015, o que representa 31,9% do total de 144.285 vítimas desse tipo de violência no Brasil. Este dado evidencia a alta vulnerabilidade das meninas e jovens, que continuam sendo vítimas de violências estruturais em um contexto de desigualdade de gênero. A situação é alarmante, uma vez que as vítimas em idade tão precoce enfrentam não apenas os efeitos imediatos da violência, mas também as consequências sociais e psicológicas a longo prazo. A análise dos dados indica a necessidade de políticas públicas mais eficazes e direcionadas para a proteção das mulheres nessa faixa etária, com enfoque na prevenção da violência doméstica e intrafamiliar, e na promoção de medidas que visem à conscientização e à capacitação das instituições responsáveis por seu acolhimento e cuidado.

Em 2022, conforme os dados do Atlas da Violência do IPEA (2024), entre as vítimas de violência na faixa etária de zero a nove anos, a negligência foi o tipo de violência mais frequente, representando 37,9% dos casos registrados. Em segundo lugar, a violência sexual foi identificada em 30,4% dos casos. Esses dados revelam um cenário preocupante em que as crianças são frequentemente negligenciadas, além de expostas a abusos sexuais, refletindo a fragilidade do sistema de proteção infantil no Brasil.

Na faixa etária de 10 a 14 anos, a situação se agrava, com a violência sexual se tornando a forma mais prevalente de abuso. De acordo com os registros no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), 49,6% dos casos de violência na faixa etária de 10 a 14 anos foram de violência sexual. Esse dado é alarmante, pois revela o aumento da vulnerabilidade sexual das meninas e adolescentes, que são alvo de uma violência muitas vezes invisível e silenciada pela sociedade.

A partir dos 10 até os 14 anos, a situação das meninas se agrava significativamente, com a violência sexual se tornando a forma predominante de abuso. Segundo o Atlas da Violência do IPEA (2024), nesse intervalo etário, 49,6% das vítimas são vítimas de violência sexual. Essa realidade é ainda mais alarmante quando observamos que muitos dos agressores são homens que ocupam funções de pai ou padrasto, ou seja, figuras de autoridade e confiança dentro do ambiente familiar.

Essa dinâmica reflete a realidade cruel de que a violência sexual contra meninas, especialmente na adolescência precoce, ocorre principalmente no contexto doméstico. A relação de confiança entre a vítima e o agressor, no caso, o pai ou padrasto, torna-se um fator facilitador para a perpetuação dessa violência. Além disso, o silêncio que muitas vezes cerca esses casos, por medo, vergonha ou desconfiança nas instituições de proteção, contribui para a continuidade do ciclo de abuso.

Essa situação é um reflexo da fragilidade das redes de proteção e da falta de políticas públicas eficazes para identificar e combater essas violências nas suas formas mais insidiosas. Diante disso, é imprescindível que haja uma atuação mais incisiva das autoridades, aliada a um trabalho de conscientização sobre o papel das famílias e da sociedade na proteção das crianças e adolescentes. A prevenção de violência sexual contra meninas deve ser uma prioridade em qualquer agenda de proteção infantil.

 

Esses dados ressaltam a necessidade urgente de políticas públicas que atendam a realidade das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. A prevalência da negligência e da violência sexual, especialmente entre as mais jovens, exige uma atuação integrada de diversos setores, como saúde, educação, segurança e assistência social, além da implementação de programas educativos que promovam a proteção das crianças e dos adolescentes contra todas as formas de abuso e violência.

A violência institucional, portanto, não é apenas a falta de ação do Estado, mas também sua atuação seletiva e punitiva contra meninas em situação de vulnerabilidade. Como aponta Nancy Fraser (2016), a omissão do Estado na garantia de direitos fundamentais reforça as desigualdades estruturais e naturaliza a violência de gênero como um problema privado, quando, na realidade, é um fenômeno sistêmico e político.

9. O Show de Horrores: A Mercantilização da Dor e a Subalternidade Feminina no Brasil

No Brasil, o cotidiano de meninas brancas, negras, indígenas e LGBTQIA+ e meninas trans é marcado por um "show de horrores", um espetáculo de dor e sofrimento imposto pela sociedade, pela família e pelo Estado. A ausência de cidadania plena e amorosa, a negação de suas diferenças e diversidades, transformam seus corpos em territórios de violência e exploração. No entanto, é crucial reconhecer que, dentro deste cenário devastador, as meninas indígenas e negras enfrentam um sofrimento exponencialmente maior, as meninas trans e LGBTQIA+ sofrem o "horror dos horrores", e as crianças indígenas são lançadas em um abismo de sofrimento.

A interseccionalidade das opressões, como raça, gênero, sexualidade e colonialidade, cria um abismo de desigualdade. Para meninas indígenas, a violência é intrinsecamente ligada à expropriação territorial e à destruição de suas culturas. Elas são alvos de violência sexual como forma de dominação colonial, e a negligência do Estado agrava sua vulnerabilidade. A impunidade dos agressores e a falta de acesso à justiça perpetuam um ciclo de violência que se estende por gerações. A invasão de terras indígenas por atividades ilegais, como mineração e desmatamento, expõe as crianças a riscos como violência, doenças e contaminação por substâncias tóxicas.

Meninas negras, por sua vez, carregam o peso da escravidão e do racismo estrutural. Seus corpos são hipersexualizados e objetificados, tornando-as alvos preferenciais da violência sexual e do trabalho infantil. A violência doméstica, a violência institucional e a falta de acesso a serviços básicos de saúde e educação aprofundam sua marginalização.

Meninas trans e LGBTQIA+ enfrentam um nível de violência e discriminação que pode ser descrito como um "horror dos horrores". A transfobia e a lesbofobia se manifestam em agressões físicas, verbais e psicológicas, na negação de suas identidades e na tentativa de apagamento de suas existências. A violência institucional, a rejeição familiar e a violência sexual, incluindo o "estupro corretivo", são realidades que causam traumas profundos e duradouros.

Crianças indígenas, para além das meninas, sofrem com a tentativa de apagamento de suas culturas e tradições. A falta de educação intercultural e o preconceito contribuem para a perda de identidade e a discriminação. Muitas crianças indígenas são inseridas desde muito cedo no trabalho, seja na lavoura, ou ajudando seus pais na pesca e caça. Essa inserção precoce, prejudica o desenvolvimento da criança, e a inserção escolar.

Em todos os casos, a violência assume um caráter de aniquilação, buscando apagar identidades e culturas. O sofrimento imposto a essas meninas é uma forma de genocídio, um ataque sistemático à sua existência.

A sociedade, a família e o Estado falham em proteger essas meninas, perpetuando um ciclo de violência que se alimenta da impunidade e da indiferença. A negação de seus direitos e a falta de acesso a serviços básicos de saúde e educação aprofundam sua marginalização, tornando-as ainda mais vulneráveis à violência.

É fundamental reconhecer a especificidade do sofrimento imposto a meninas indígenas, negras, trans e LGBTQIA+, e crianças indígenas. Seus corpos são territórios de resistência, e suas vozes precisam ser ouvidas. A luta por justiça e igualdade exige um compromisso coletivo para romper com as estruturas de opressão que as subjugam.

 

10. A Violência Contra Meninas no Brasil: Um Diálogo Psicanalítico com Freud e Lacan

A violência contra meninas, particularmente no contexto da psicanálise, pode ser analisada como uma manifestação extrema de um sistema simbólico falocêntrico, cujas implicações se refletem tanto nas dinâmicas de poder como nas estruturas psíquicas. Para Freud e Lacan, as questões relativas ao gozo, ao desejo e à pulsão de morte oferecem um entendimento profundo sobre as relações de gênero, o sofrimento das meninas e as estruturas de poder que sustentam essa violência.

Sigmund Freud, em suas obras sobre as pulsões, especialmente em As pulsões e seus destinos, de 1915 (Freud 2021)  e Além do Princípio do Prazer, de 1920 (2020) introduz a pulsão de morte, ou Thanatos, que se manifesta como uma força destrutiva, em busca de inércia e destruição do outro. No contexto das múltiplas violências contra meninas, essa pulsão adquire uma relevância significativa. A violência, especialmente a sexual, revela-se não apenas como uma expressão de desejo erótico, mas como um ato de controle, poder e destruição. O agressor encontra prazer na transgressão das normas sociais, na humilhação e na destruição da vítima, buscando uma satisfação que é derivada da subordinação e do sofrimento do outro.

No conceito de gozo perverso, Freud explora como o prazer derivado da transgressão das normas sociais se relaciona com o sofrimento do outro, levando à reafirmação do poder do agressor. O gozo perverso está distante do prazer erótico saudável, pois está intimamente ligado à violência, à humilhação e à destruição do outro. Para o agressor, a vítima se torna um objeto que possibilita a concretização de sua fantasia de poder absoluto. A violência sexual, então, vai além do simples ato sexual; ela se transforma em uma afirmação da dominação do agressor sobre a vítima, sendo esse poder reafirmado pela dor e pelo sofrimento da outra pessoa.

Freud também aborda esses fenômenos em sua obra O Mal-estar na Civilização (2012), onde analisa a relação entre o indivíduo e a sociedade. Ele sugere que as forças destrutivas internas do ser humano não são apenas resultado de falhas individuais, mas de um confronto entre os instintos humanos e as exigências sociais que buscam domar esses instintos. A civilização, ao reprimir as pulsões destrutivas, acaba criando um mal-estar coletivo. Esse mal-estar se manifesta de maneira grave nas formas de violência, como a violência sexual, que busca quebrar os limites e os tabus impostos pela sociedade. O agressor, ao transgredir, reafirma não só seu poder, mas também sua identidade, ao se posicionar contra o ordenamento social e a moralidade.

Em Totem e Tabu (1912), Freud examina a origem dos sentimentos de culpa e a construção de normas sociais que limitam os impulsos mais destrutivos dos seres humanos. As transgressões contra essas normas, como a violência sexual, não são apenas um reflexo de uma busca por prazer, mas uma maneira de desafiar as estruturas que tentam limitar os instintos de morte e destruição. Quando uma pessoa comete um ato de violência extrema, como o estupro de uma menina, ela não está apenas buscando prazer sexual, mas também reafirmando sua posição de poder e controle, quebrando o tabu que a sociedade tenta estabelecer em torno da violência.

Assim, ao aplicar as ideias de Freud sobre pulsões e gozo perverso ao entendimento das múltiplas violências contra meninas, podemos ver que essas agressões não são apenas expressões de patologias individuais ou falhas morais, mas também fenômenos profundamente enraizados nas dinâmicas de poder, controle e destruição presentes em nossa cultura. A violência sexual contra meninas, em sua forma mais perversa, reflete a aplicação da pulsão de morte (Thanatos), que busca não apenas a destruição do outro, mas também a afirmação de um gozo perverso que alimenta o sofrimento e a humilhação da vítima, reafirmando a posição de poder do agressor. Isso revela, portanto, a necessidade urgente de repensarmos as estruturas sociais que perpetuam esse ciclo de violência e a implementação de políticas públicas eficazes para proteger as meninas e enfrentar essas violências de forma estruturada e consistente.

O Falocentrismo e a Incompletude do Feminino em Lacan

Jacques Lacan, influenciado por Freud, traz uma contribuição crucial para a análise do sofrimento das meninas no contexto das relações de gênero. Em sua teoria, o falo não é simplesmente o órgão sexual masculino, mas um significante simbólico que representa poder e autoridade. Para Lacan, o feminino está associado ao lugar da incompletude simbólica, ou seja, à falta que se opõe à completude do falo Jacques Lacan (1985), Seminário 11. 

O feminino, no pensamento lacaniano, é colocado como o que não possui o falo, o que o coloca em uma posição de "não-ser". Essa falta, no entanto, não deve ser vista como uma deficiência biológica ou psíquica, mas como uma posição estrutural dentro do sistema simbólico. O problema, portanto, não está na incompletude do feminino em si, mas na visão do masculino que, ao se identificar com o falo, vê a ausência do falo no feminino como uma falta que precisa ser preenchida.

Aqui, a lógica falocêntrica entra em cena: o masculino, ao se afirmar como completo pela posse do falo, não consegue ver além de si mesmo e, ao olhar para o feminino, só enxerga a ausência do falo. Essa visão é extremamente redutora e narcisista, pois não reconhece a complexidade, a subjetividade e a alteridade do feminino. O masculino, ao se identificar com a completude do falo, subestima e desconsidera a riqueza do feminino, reduzindo-o a uma falta que precisa ser "corrigida" ou dominada.

A Incompletude no Feminino: Reflexões a partir de Lacan

No pensamento lacaniano, o feminino é frequentemente associado à ideia de incompletude, mas é essencial entender que essa incompletude não se refere à biologia, e sim ao plano simbólico. Trata-se de uma estrutura psíquica em que o binarismo de gênero estabelece o que é "completo" e "incompleto". O "completo" é associado ao falo, enquanto o "incompleto" está simbolicamente ligado ao feminino, representando a ausência do falo (Lacan, 1985) .

Contudo, essa "ausência" do falo no feminino não deve ser entendida como uma falta ou deficiência. O falo, na teoria lacaniana, é um significante simbólico de poder e autoridade, e não deve ser confundido com o órgão sexual masculino. O falo é aquilo que simboliza a completude, e sua posse é vista como um elemento de poder. O conceito de falo pode ser encontrado em diversas obras de Lacan, especialmente em Os Escritos  (Lacan, 1988) e em seu seminário 20, onde ele detalha a função simbólica do falo e sua importância para a estruturação do sujeito e das relações de gênero (LACAN, 1985b).

A questão crucial aqui é que a estrutura simbólica associada ao falo, em sua incompletude, se fecha em si mesma, incapaz de perceber além de sua própria imagem. O masculino, ao se identificar com o falo como símbolo de completude, não reconhece a alteridade e só consegue ver no outro, especialmente no feminino, a ausência do falo — isto é, a falta. Essa falta é, então, interpretada de forma redutora como "não-ser", sem qualquer consideração pela complexidade ou pela subjetividade do feminino (LACAN, 1985).

Essa visão remete diretamente ao conceito de narcisismo que Freud desenvolve em suas obras, especialmente em Além do Princípio do Prazer (2020), onde ele discute o conceito de narcisismo primário e secundário, e o modo como a libido é investida em si mesmo, criando uma imagem idealizada do sujeito. O narcisismo freudiano está intimamente ligado à incapacidade de se relacionar com a alteridade de forma genuína, sendo, muitas vezes, uma defesa contra o contato com a castração e a falta. O narcisismo do masculino, ao se identificar com o falo como elemento de completude, impede a percepção do feminino como outro, diverso e complexo (FREUD, 2020).

O problema, portanto, não está em saber se o feminino é completo ou incompleto, mas no próprio masculino, que se vê como completo unicamente pela posse do falo. Essa visão é limitada e narcisista, pois impede o masculino de perceber o feminino como algo que não pode ser reduzido à ausência do falo, mas que possui uma complexidade e uma alteridade que vão além dessa estrutura falocêntrica.

Esse ponto também pode ser associado ao gozo perverso discutido por Lacan, especialmente em seu Seminário 20 (LACAN, 1985b), onde ele fala do gozo como uma forma de satisfação que escapa às normas do desejo. O gozo perverso está associado à repetição de um desejo inatingível e à incapacidade de aceitar a falta. A imposição do falo como completo reflete um gozo que se repete na busca de uma totalidade impossível, uma tentativa de evitar a castração e o vazio que é inerente ao sujeito humano. Essa busca pelo gozo perfeito, sem reconhecer a falta, também impede o masculino de ver além de sua própria imagem e limita sua capacidade de reconhecer a complexidade do feminino.

Além disso, a imagem do espelho em Lacan, que aparece em seu famoso texto O Estádio do Espelho (1988), descreve o momento do desenvolvimento infantil em que o bebê se reconhece pela primeira vez em um espelho, criando uma imagem unificada do "eu". Este momento, no entanto, não é um encontro com a realidade, mas uma idealização do eu, que está ligada à formação do ego e à fantasia de completude. O masculino, ao se identificar com o falo como símbolo de completude, repete essa idealização do espelho, vendo-se como um todo, sem perceber a ausência, a falta que define o outro, especialmente o feminino. 

Essa incapacidade de ver o outro, de perceber a profundidade e a alteridade do feminino, revela a fragilidade do narcisismo masculino. Ao se entender como completo por meio do falo, o masculino se fecha em uma visão autorreferente, e, ao fazer isso, dificulta a compreensão das dinâmicas de gênero e da verdadeira relação entre os sexos. O feminino não deve ser visto apenas como a falta ou a ausência do falo, mas como um lugar simbólico rico e complexo, que questiona as noções rígidas de poder e completude.

A estrutura simbólica que coloca o falo como elemento de completude é arbitrária e limitante, e é fundamental que questionamos essa lógica para que possamos entender as relações de gênero de maneira mais profunda e emancipatória.

 

11. Relógio do Sofrimento: Violência contra Meninas e Adolescentes no Brasil

A violência contra meninas no Brasil é uma tragédia contínua, profundamente enraizada em estruturas históricas de desigualdade, patriarcado e racismo estrutural. Não se trata de uma crise pontual, mas de um fenômeno sistemático que atinge meninas, especialmente negras, indígenas e trans, em diversas formas – física, psicológica e sexual. O "Relógio do Sofrimento: Violência contra Meninas no Brasil" ilustra essa realidade alarmante por meio de dados concretos, revelando a magnitude e a urgência da violência cotidiana que essas meninas enfrentam. A cada 10 minutos, uma menina se torna vítima de violência sexual no Brasil. São 5,7 casos por hora. E a cada 50 horas, uma menina é assassinada, vítima de feminicídio. Esses números, extraídos de registros do Disque 100, Ligue 180 e DATASUS, não são apenas estatísticas; são vidas interrompidas, direitos violados e uma clara demonstração da falência das instituições responsáveis pela proteção dessas meninas.

A violência contra meninas é um fenômeno multifacetado, alimentado por um sistema patriarcal e por desigualdades raciais e regionais profundas (SAFFIOTI, 2015). Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2023) indicam que 23,4% das vítimas de feminicídio no Brasil são crianças e adolescentes, com uma concentração alarmante de meninas negras, que representam 78% dos casos.

Este estudo utiliza uma metodologia quantitativa inovadora, projetando os dados sobre a violência contra meninas em uma escala temporal. Baseado em registros oficiais entre 2019 e 2023, o modelo "Relógio do Sofrimento" desagrega esses dados por hora, permitindo uma visualização mais clara da distribuição dos casos ao longo do tempo. Através dessa abordagem, busca-se não apenas compreender a dinâmica da violência, mas também fornecer ferramentas para a formulação de políticas públicas mais eficazes e direcionadas, que possam responder com urgência a essa grave violação de direitos.

 

  1. O Relógio do Sofrimento: Violência contra Meninas no Brasil: DADOS POR HORA

1 Violência Sexual

Segundo o Disque 100 (BRASIL, 2023), 50.000 casos de violência sexual contra meninas são notificados anualmente, o que equivale a:

  • 5,7 casos por hora;

  • 1 menina abusada a cada 10 minutos.

A subnotificação chega a 90,3% nessa categoria, conforme estimativas do IPEA (2022), sugerindo que o número real ultrapassa 500.000 casos/ano.

2 Violência Física e Psicológica

O Ligue 180 (BRASIL, 2022) registra 70.000 denúncias anuais, projetando:

  • 8,0 casos por hora;

  • 67% dos agressores são familiares diretos - pais ou irmão.

3 Feminicídios Infantis

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública  (2023) apontam 200 feminicídios de meninas/ano, com distribuição horária de:

  • 0,02 casos/hora;

  • 1 morte a cada 50 horas.

 

Tabela: Violência contra Meninas no Brasil 

Indicador

Casos/Ano

Projeção/Hora

Fonte

Violência sexual

50.000

5,7

Disque 100

Violência física

70.000

8,0

Ligue 180

Feminicídios

200

0,02

FBSP

 

3.1 Perfil das Vítimas e Agressores

  • Local da agressão: 80% ocorrem em residências (DATASUS, 2023);

  • Vínculo com agressor: 64% são pais ou padrastos (IPEA, 2022);

  • Raça: Meninas negras têm 3,2x mais risco de violência (UNICEF, 2021).

3.2 Desigualdades Regionais e Sociais

  • Norte/Nordeste: Taxas 42% superiores à média nacional (FBSP, 2023);

  • Renda: 68% das vítimas de feminicídio viviam abaixo da linha da pobreza (IBGE, 2022).

3.3 Impunidade e Falhas Sistêmicas

  • Apenas 12,7% dos casos de violência sexual chegam a julgamento (CNJ, 2023);

  • 57% dos municípios não possuem delegacias especializadas (FBSP, 2023).

 

  1. VIOLÊNCIA CONTRA MENINAS TRANS NO BRASIL: DADOS E DESAFIOS

1. Dados Quantitativos (Fontes: ANTRA, Grupo Gay da Bahia)

  1. Assassinatos de pessoas trans (2023):
    • 145 casos registrados no Brasil (ANTRA, 2024);
    • 30% das vítimas tinham entre 15 e 19 anos (≈ 44 meninas trans/adolescentes);
    • 85% eram negras (ANTRA, 2024).
  2. Violência escolar:
    • 76% das estudantes trans relatam agressões verbais ou físicas nas escolas (Pesquisa Nacional sobre Diversidade na Educação, 2022).
  3. Violência sexual:
    • 34% das mulheres trans sofreram abuso sexual antes dos 18 anos (Estudo da UNIFESP, 2021).

3. Fatores de Risco Estruturais

  1. Rejeição familiar: 60% das meninas trans são expulsas de casa antes dos 18 anos (Pesquisa Nacional sobre População Trans, 2023);
  2. Exclusão escolar: 82% abandonam os estudos devido à transfobia (UNESCO, 2022);
  3. Vulnerabilidade econômica: 73% recorrem ao trabalho sexual como única alternativa (ANTRA, 2023).

2. Desafios na Coleta de Dados

  • Invisibilidade estatística: Órgãos oficiais (como o DATASUS) não categorizam mortes e violências por identidade de gênero na infância/adolescência;
  • Subnotificação: 90% dos casos de violência contra pessoas trans não são denunciados (Disque 100, 2023);
  • Erro de registro: Meninas trans são frequentemente registradas como "homens" em boletins de ocorrência (ANTRA, 2023).

 

O Relógio do Sofrimento: Violência contra Meninas no Brasil – A Urgência de Transformação e Ação Social

O "Relógio do Sofrimento" não é apenas um símbolo do sofrimento contínuo das meninas no Brasil; ele reflete a estrutura social que as marginaliza, desumaniza e silencia. Como demonstrado pelos dados apresentados ao longo deste ensaio, a violência contra meninas é uma realidade diária e profundamente enraizada em desigualdades patriarcais, raciais e regionais. A cada 10 minutos, uma menina é vítima de violência sexual, o que equivale a 5,7 casos por hora, segundo o Disque 100. Enquanto você lê este ensaio, uma menina já foi abusada. A subnotificação, que atinge 90,3% dos casos, indica que esses números são, na verdade, muito mais elevados, com estimativas apontando para mais de 500.000 casos de violência sexual por ano no país. Essa invisibilidade estatística reflete a falha do sistema de proteção e da sociedade em combater essa violência de forma eficaz.

Além da violência sexual, o "Relógio do Sofrimento" também revela a violência física e psicológica enfrentada por muitas meninas. São 8 casos por hora de agressões registradas pelo Ligue 180, totalizando 70.000 denúncias anuais. Um dado alarmante é que 67% dos agressores são familiares diretos — pais, padrastos, irmãos — colocando essas meninas em uma situação de vulnerabilidade ainda mais grave, já que a violência ocorre, em sua maioria, dentro de casa. Isso revela como a violência é naturalizada e invisibilizada no ambiente familiar, onde os abusadores, muitas vezes vistos como "protetores", são, na verdade, os principais perpetradores.

Em relação aos feminicídios infantis, a cada 50 horas uma menina é assassinada, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Este dado reflete a gravidade de um sistema falho, onde a violência contra meninas não se resume a agressões físicas, mas resulta em mortes. O feminicídio infantil é a expressão mais extrema de uma violência estrutural que silencia essas meninas e apaga suas existências, frequentemente por conta do desprezo e da desumanização impostas a elas pelo sistema patriarcal.

A violência contra meninas no Brasil tem uma dimensão racial e geográfica alarmante. Meninas negras, conforme apontado pelo UNICEF (2021), têm 3,2 vezes mais risco de serem vítimas de violência do que meninas brancas. A desigualdade regional também é gritante, com as meninas do Norte e Nordeste sendo as mais afetadas. Nessas regiões, as taxas de violência chegam a ser 42% superiores à média nacional. A pobreza agrava ainda mais essa situação, com 68% das vítimas de feminicídio vivendo abaixo da linha da pobreza, segundo o IBGE (2022).

A violência contra meninas trans também precisa ser destacada, com dados alarmantes sobre agressões físicas, psicológicas e sexuais. A rejeição familiar, a exclusão escolar e a vulnerabilidade econômica empurram essas meninas para a marginalização social, com 60% delas sendo expulsas de casa antes dos 18 anos. A exclusão social e a violência institucional que as meninas trans enfrentam não são capturadas adequadamente pelos sistemas oficiais, e a subnotificação de casos dificulta o conhecimento da extensão real da violência. A invisibilidade dessas meninas nas estatísticas e os erros de registro nos boletins de ocorrência, onde muitas vezes são identificadas erroneamente como "homens", agravam ainda mais sua situação.

Essa realidade exige uma mudança radical nas políticas públicas e no sistema de proteção social. Não podemos mais nos contentar com ações pontuais ou promessas vazias. A urgência da questão exige políticas públicas específicas, que busquem prevenir a violência, criar espaços de acolhimento para as vítimas e formar profissionais de saúde, educação e segurança para garantir que as meninas, especialmente as mais vulneráveis, tenham seus direitos respeitados. Precisamos de um sistema de justiça que realmente processe os casos de violência sexual e feminicídios com a seriedade que merecem. Hoje, apenas 12,7% dos casos de violência sexual chegam a julgamento, o que demonstra a falência de um sistema que deveria proteger as vítimas e punir os agressores.

Ao longo deste ensaio, ficou claro que a violência contra meninas no Brasil é um problema estrutural, refletindo a desvalorização desses corpos e a negligência do Estado e da sociedade. As estatísticas sobre violência sexual, física, psicológica e feminicídios infantis não são apenas alarmantes; são reflexos de uma estrutura falha que impacta profundamente a sociedade, revelando desigualdades raciais, de gênero e regionais.

Ao decidir construir o "Relógio do Sofrimento" no final, o objetivo foi permitir que o leitor compreendesse, de forma mais completa, a profundidade do problema. Cada dado foi analisado e contextualizado dentro de um sistema social e institucional que falha em proteger as meninas. A violência contra elas não é um evento isolado, mas parte de um ciclo de desumanização e invisibilização.

O "Relógio do Sofrimento" busca condensar essa dor e urgência em um quadro visual. Ao situar os dados em uma estrutura temporal, pretende-se que o leitor visualize, de forma mais tangível, o sofrimento diário das meninas. A cada hora, elas são vítimas de violência; a cada hora, o sistema falha. O "Relógio do Sofrimento" não é apenas uma metáfora do tempo que passa, mas uma representação do tempo perdido, das vidas interrompidas e da impotência estrutural que permite que essa violência se repita.

Este "relógio" não é abstrato; é o produto das muitas horas de sofrimento vividas por milhões de meninas no Brasil. O modelo aqui apresentado busca refletir essa realidade e oferecer uma chamada à ação. Enquanto as estatísticas se acumulam, as meninas continuam a sofrer. E esse sofrimento é o reflexo direto de um sistema falho e negligente.

A realidade da violência contra meninas no Brasil ainda é desconhecida ou ignorada por muitos. Mas, a cada minuto, a cada hora, essas vidas continuam a ser destruídas, como se fossem descartáveis. O "Relógio do Sofrimento" nos lembra que o tempo não é infinito, e a mudança precisa ser imediata. Os dados apresentados aqui não são apenas para conscientizar, mas para exigir ação. A luta por um futuro onde meninas possam viver livres de violência deve ser urgente, e ela só será possível com a ação coordenada e eficaz de todos: governo, sociedade civil, comunidade e indivíduos.

 

12. Resistência e Possibilidades: A Luta pelo Fim da Violência

Apesar do cenário alarmante, há formas de resistência e enfrentamento. Organizações feministas e movimentos sociais, como a Marcha das Mulheres Negras e a Articulação de Mulheres Indígenas, desempenham um papel fundamental na denúncia dessas violências e na construção de políticas públicas. Como afirma Audre Lorde (1984), a sobrevivência das mulheres não está apenas na denúncia da opressão, mas na construção coletiva de novas possibilidades.

A luta contra a violência de gênero deve ser interseccional, reconhecendo as especificidades de cada grupo e garantindo que as vozes das meninas sejam ouvidas. A educação feminista é um dos principais caminhos para desconstruir as bases da violência, promovendo o empoderamento de meninas desde a infância.

A resistência e a luta em defesa da vida e da segurança de mulheres e meninas têm sido impulsionadas por diversos movimentos sociais ao redor do mundo. Esses coletivos desempenham um papel fundamental na denúncia das violências estruturais, na criação de redes de acolhimento e na formulação de políticas públicas voltadas para a equidade de gênero e a justiça social.

A Marcha das Mulheres Negras tem sido um espaço de protagonismo para denunciar o racismo, o machismo e a violência institucional que afetam de forma desproporcional mulheres negras e meninas periféricas. Ao ocupar ruas e espaços de decisão política, esse movimento evidencia a urgência de políticas voltadas à proteção e ao empoderamento dessa população historicamente marginalizada.

A Articulação Nacional de Mulheres Indígenas é essencial na defesa dos direitos das mulheres e meninas indígenas, combatendo a violência de gênero em territórios tradicionais e denunciando os impactos do colonialismo e da exploração predatória sobre suas comunidades. Sua atuação reforça a importância da preservação dos saberes ancestrais e da autonomia das mulheres indígenas.

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) desempenha um papel crucial na luta pelos direitos das mulheres trans e travestis, que enfrentam altíssimos índices de violência e exclusão social. O movimento denuncia as desigualdades estruturais e busca garantir acesso a direitos básicos, como educação, saúde e empregabilidade para meninas e mulheres trans.

O movimento Ni Una Menos, originado na América Latina, tem sido uma força poderosa contra o feminicídio e outras formas de violência de gênero. Seu impacto vai além das fronteiras nacionais, inspirando ações em diversos países e ampliando o debate sobre a necessidade de políticas de proteção eficazes para mulheres e meninas.

A Rede Nacional de Feministas Lésbicas atua para garantir a visibilidade e a proteção das mulheres lésbicas, combatendo tanto a lesbofobia quanto a violência de gênero. Sua luta é essencial para a construção de um mundo mais seguro para meninas que enfrentam rejeição familiar, bullying e violências motivadas por sua orientação sexual.

O Malala Fund se dedica à educação de meninas em todo o mundo, reconhecendo que o acesso ao conhecimento é uma ferramenta essencial para romper ciclos de opressão e desigualdade. A luta pela escolarização de meninas, especialmente em regiões de conflito e vulnerabilidade social, fortalece sua autonomia e segurança.

A campanha One Billion Rising denuncia a violência contra mulheres e meninas em escala global, promovendo mobilizações massivas e ações de conscientização sobre a necessidade de enfrentar o feminicídio, o estupro e outras formas de violência de gênero.

O Coletivo Loka de Efavirenz destaca a importância da interseccionalidade ao atuar na defesa dos direitos das mulheres vivendo com HIV/AIDS. Sua ação questiona a estigmatização e garante que mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade tenham acesso a tratamento e qualidade de vida.

O movimento #TransLivesMatter ecoa a urgência da luta contra a violência e o apagamento de mulheres e meninas trans, denunciando a transfobia estrutural e exigindo justiça para as vidas perdidas. Sua atuação internacional contribui para visibilizar as demandas dessa população e pressionar por mudanças institucionais.

A Marcha das Margaridas, mobilizada por trabalhadoras rurais, luta por direitos sociais, políticos e econômicos das mulheres do campo, das florestas e das águas. O movimento tem sido essencial na denúncia da desigualdade de gênero e na busca por justiça social para mulheres que vivem em contextos rurais, garantindo sua participação ativa nas decisões políticas e na formulação de políticas públicas.

O Fórum Nacional de Mulheres Negras reúne diversas iniciativas para fortalecer a luta contra o racismo e o sexismo, garantindo que as pautas das mulheres negras, especialmente aquelas em situação de maior vulnerabilidade, sejam ouvidas e transformadas em políticas públicas.

Esses movimentos são fundamentais para resistir às opressões sistêmicas e para a construção de sociedades mais justas, onde mulheres e meninas possam viver com dignidade, segurança e autonomia. A mobilização coletiva e o fortalecimento dessas redes de apoio são ferramentas essenciais para enfrentar as desigualdades e transformar realidades.

 

Conclusão

Ao longo deste ensaio, exploramos a violência contra meninas no Brasil como um fenômeno estrutural, enraizado em relações de poder desiguais que mercantilizam seus corpos e perpetuam desigualdades históricas. Evidenciamos como o trabalho infantil e a violência sexual são mecanismos de controle e exploração, afetando desproporcionalmente meninas negras, indígenas e LGBTQIA+. A análise interseccional revelou a complexidade das opressões, demonstrando como raça, gênero e classe se entrelaçam para criar experiências únicas de violência. Discutimos também a violência institucional e a omissão do Estado, que frequentemente atua como agente de repressão e negligência.

A violência contra meninas, além de ser uma questão evidente de opressão física e psicológica, se configura também em um sofrimento simbólico, que deriva diretamente das estruturas falocêntricas que dominam as relações de gênero. Essa estrutura patriarcal, que em sua base coloca o falo como símbolo de completude e poder, cria um campo fértil para a violência contra o feminino. Essa lógica de incompletude, que Lacan associa ao feminino, não deve ser interpretada apenas como uma questão de simbolismo psicanalítico, mas também como uma realidade concreta de violência psicológica e social.

As meninas, ao serem representadas socialmente como "incompletas" ou "ausentes", são vistas como subjugadas à falta, uma falta que não é apenas biológica, mas uma falta imposta pelas normas culturais e simbólicas que as desumanizam. Isso se reflete em suas experiências diárias de violência, abuso e marginalização. O sofrimento das meninas não se resume apenas ao abuso físico ou sexual, mas também à destruição simbólica de suas identidades, que são constantemente reduzidas a corpos disponíveis para o controle masculino. O falo, no caso, representa essa ideia de poder absoluto, e as meninas, como "ausentes" dele, são tratadas como objetos a serem dominados, como se sua existência se resumisse à ausência do poder masculino.

O gozo perverso descrito por Freud, em suas discussões sobre a pulsão de morte e a transgressão das normas, encontra um reflexo claro na dinâmica da violência contra meninas. O agressor, movido por uma pulsão destrutiva e pela busca por prazer na transgressão, utiliza a subordinação da menina como uma forma de experimentar poder e controle, sem reconhecer sua humanidade. O gozo perverso, que busca transgredir e destruir o outro para satisfazer uma necessidade interna de completude, reflete a violência que as meninas sofrem, não apenas como vítimas de abuso, mas como vítimas de uma sociedade que as vê como "falta" ou "ausência" de poder, ignorando sua complexidade, subjetividade e autonomia.

Esse sofrimento não é um fenômeno isolado, mas é uma consequência direta da estrutura falocêntrica e patriarcal que organiza as relações sociais e de gênero. A imposição dessa visão de incompletude sobre o feminino gera uma cultura de violência, onde o corpo da menina se torna um campo de batalha, seja no plano simbólico ou físico. A violência contra meninas, portanto, não é apenas uma agressão física, mas uma agressão à sua identidade e subjetividade, alimentada por uma lógica de dominação e controle que se perpetua ao longo do tempo.

Para romper com esse ciclo de sofrimento, é fundamental que a transformação social vá além da mera denúncia e se atente à desconstrução das normas patriarcais, racistas e falocêntricas que sustentam essa violência. Precisamos de uma mudança profunda que reinterprete as relações de poder e desconstrua a ideia de que o feminino é apenas "falta". Isso exige uma ação coletiva, que envolva o Estado, a sociedade civil, as famílias e as próprias meninas, e que promova políticas públicas que garantam educação, saúde, proteção social e, principalmente, o direito à autonomia e dignidade das meninas. A educação feminista e interseccional, que desafia os estereótipos e promove o empoderamento desde a infância, é uma ferramenta essencial para essa transformação.

Somente com a desconstrução das lógicas falocêntricas e a promoção de uma visão mais inclusiva do feminino será possível construir um Brasil onde as meninas possam viver sua infância e adolescência livres de violência e opressão. A verdadeira mudança precisa partir da compreensão de que o sofrimento das meninas está enraizado nas estruturas de poder que as desumanizam, e que é necessário lutar por um futuro em que elas não sejam vistas como a falta ou a ausência, mas como sujeitos plenos de direito, dignidade e autonomia.

 

Referências 

AGÊNCIA BRASIL. "Brasil registrou 145 assassinatos de pessoas trans no ano passado". Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-01/brasil-registrou-145-assassinatos-de-pessoas-trans-no-ano-passado. Acesso em: 01 de março de 2025.

ALL OUT. Relatório sobre Inclusão de Pessoas Trans em Escolas Brasileiras. 2023.

ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Dossiê Assassinatos e Violências contra Pessoas Trans no Brasil – 2023. 2023.

ANTRA. Dossiê Assassinatos e Violências contra Pessoas Trans no Brasil – 2023. Brasília: ANTRA, 2024. Disponível em: https://antrabrasil.org/. Acesso em: 10 jul. 2024.

BENEVIDES, Bruna G. Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023. ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) – Brasília, DF: Distrito Drag; ANTRA, 2024.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2023. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: 01 de março de 2025.

BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Disque 100. Brasília, DF, 2023.

BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Disque 100 – Relatório de Denúncias 2023. Brasília, 2023.

BUTLER, Judith. Corpos que importam: os limites discursivos do sexo. São Paulo: N-1 Edições, 2019.

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Civilização Brasileira, 2003.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.

CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Cultura com aspas: ensaios sobre o patrimônio cultural e a antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA (CVV). Relatório sobre Saúde Mental da População LGBTQIA+. 2023.

CIMI – Conselho Indigenista Missionário. Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil. Brasília, 2023.

CIMI – Conselho Indigenista Missionário. Relatório de Violência contra os Povos Indígenas no Brasil - Dados de 2022. Brasília: CIMI, 2023. Disponível em: https://cimi.org.br/. Acesso em: 01 de março de 2025.

CIMI – Conselho Indigenista Missionário. Violência contra os povos indígenas no Brasil: dados de 2023. Brasília: CIMI, 2023.

COLLINS, Patricia Hill. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2019.

COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019.

CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO (CIMI). Violência contra os povos indígenas no Brasil: dados de 2023. Brasília: CIMI, 2023.

DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.

FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. 2. ed. São Paulo: Elefante, 2017.

FNPETI. Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Relatório sobre o trabalho infantil no Brasil. Brasília, 2023.

FNPETI. Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Relatório sobre o trabalho infantil no Brasil, 2023.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (FBSP). Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/. Acesso em: 10 jul. 2024.

FÓRUM NACIONAL DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL (FNPETI). Trabalho infantil no Brasil: relatório anual 2023. Disponível em: https://www.fnpeti.org.br. Acesso em: 01 de março de 2025.

FRASER, Nancy. Feminismo para os 99%: Um Manifesto. Boitempo, 2016.

FRASER, Nancy. Fortunes of feminism: from state-managed capitalism to neoliberal crisis. London: Verso, 2016.

FREUD, Sigmund. Além do Princípio do Prazer. Autêntica; Belo Horizonte. 2020.

FREUD, Sigmund. As Pulsões e seus Destinos. Autêntica; Belo Horizonte. 2021.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Autêntica; Belo Horizonte. 2020.

FREUD, Sigmund. Totem e tabu. São Paulo. Companhia das Letras. 2012.

FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2023. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: 28 fev. 2025.

GONZALEZ, Beatriz. Gênero e Trabalho: uma análise das práticas de cuidado e suas implicações na sociedade contemporânea. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2020.

GONZALEZ, Lélia. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1984.

GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, p. 223-244, 1984.

GRUPO DIGNIDADE. Relatório sobre Violência Doméstica contra LGBTQIA+. 2023.

GRUPO DIGNIDADE. Relatório sobre Violência Doméstica contra LGBTQIA+ no Paraná – 2023.

GRUPO DIGNIDADE. Violência Familiar contra Meninas Trans. 2023.

HOOKS, bell. Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra. São Paulo: Elefante, 2015.

HOOKS, bell. O Feminismo é para Todo Mundo: Políticas Arrebatadoras. Rosa dos Tempos, 2015.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Violência e Desigualdade de Gênero. Brasília, 2023.

INSTITUTO BRASILEIRO TRANS DE EDUCAÇÃO (IBTE). Pesquisa Nacional sobre Juventude Trans. 2023.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Impactos do Bolsa Família na redução do trabalho infantil. Brasília: IPEA, 2022. Disponível em: https://www.ipea.gov.br. Acesso em: 28 fev. 2025.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA. Atlas da Violência 2024. Brasília, 2024.

IPEA. Estudo sobre subnotificação de violência sexual no Brasil. Brasília: IPEA, 2022. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/. Acesso em: 10 jul. 2024.

INSTITUTO MARIELLE FRANCO. Relatório sobre Violência contra Meninas Trans Negras. 2023.

JESUS, Jaqueline Gomes de. Transfeminismo e política: perspectivas de enfrentamento à violência contra a população trans. São Paulo: Metanoia, 2020.

LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.

LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 20… mais ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 1985b.

LACAN, J. (1949) O estádio do espelho como formador da função do eu. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

LORDE, Audre. Sister Outsider: Essays and Speeches. Crossing Press, 1984.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Acesso à Saúde da População Trans. 2022.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Pesquisa Nacional sobre Saúde Mental de Adolescentes Trans. 2022.

MDH,. Disque 100: Relatório sobre Violações contra População LGBTQIA+. Brasília: MDH, 2023.

MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS E DA CIDADANIA. Levantamento Nacional SINASE 2023. Brasília: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 2023.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF). Relatório sobre violência contra crianças indígenas no Brasil. Brasília: MPF, 2023.

MDH. Disque 100: Relatório Anual 2023. Brasília: MDH, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh/disque-100. Acesso em: 10 jul. 2024.

PERES, Milena Cristina Carneiro; SOARES, Suane Felippe; DIAS, Maria Clara. Dossiê sobre lesbocídio no Brasil: de 2014 até 2017. Rio de Janeiro: Livros Ilimitados, 2018.

Piscitelli, Adriana. Trânsitos: brasileiras nos mercados transnacionais do sexo. EdUERJ, 2013.

PRECIADO, Paul B. Manifesto contrassexual. São Paulo: N-1 Edições, 2015.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. 1 Buenos Aires: CLACSO, 2005. 2 p. 117-142.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005, p. 107-130.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: CLACSO, 2000.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. Revista Peruana de Sociologia, 2000.

RELATÓRIOS DO CIMI, FBSP, FNPETI, IBGE E MDH (2023).

SAFFIOTI, H. Gênero, patriarcado e violência. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2015.

SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Madrid: Traficantes de Sueños, 2016.

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar?. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

UNESCO. Relatório Global sobre Educação e Diversidade de Gênero. 2022.

UNESCO. Relatório sobre Evasão Escolar de Estudantes Trans no Brasil. Brasília: UNESCO, 2022. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/.

UNIFESP. Estudo Longitudinal sobre Saúde Mental de Jovens Trans. São Paulo: UNIFESP, 2021

UNICEF. Relatório sobre a educação de meninas indígenas na América Latina. Brasília: UNICEF, 2023.

UNICEF. Relatório sobre violência contra crianças negras no Brasil. Brasília: UNICEF, 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/. Acesso em: 10 jul. 2024.

UNICEF. Situação da infância indígena no Brasil. Brasília: UNICEF, 2023. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/. Acesso em: 01 de março de 2025

VALENCIA, Sayak. Capitalismo gore. São Paulo: Elefante, 2018.

 

*Nota da autora

Este ensaio foi escrito como uma contribuição ao debate sobre o 8 de Março de 2025, Dia Internacional da Mulher, para evidenciar que ainda temos um longo caminho de luta pela garantia de direitos e pelo reconhecimento da dignidade de meninas e mulheres no Brasil. A violência contra meninas não é um problema isolado, mas um reflexo direto de uma estrutura patriarcal que persiste e se reinventa, submetendo seus corpos a múltiplas formas de opressão.

O centro desta análise está na compreensão do patriarcado como um sistema que organiza e mantém desigualdades de gênero, garantindo privilégios às masculinidades hegemônicas. Ao mesmo tempo, é fundamental diferenciar essa estrutura da lógica falocêntrica, que opera na construção da subjetividade e do desejo dentro da cultura. A interseção entre esses conceitos revela como a violência contra meninas é, ao mesmo tempo, concreta e simbólica, afetando suas trajetórias de forma irreparável.

A proposta do "Relógio do Sofrimento" busca não apenas quantificar essa dor, mas torná-la visível como um grito de urgência. Que este ensaio possa servir como um chamado à reflexão e à ação, para que a luta feminista siga desafiando as bases desse sistema que insiste em violentar e silenciar as meninas no Brasil.

NOTAS:

[1] Meninas, neste ensaio, refere-se a crianças e adolescentes do sexo feminino, bem como àquelas que se identificam com essa categoria social, com idade até 18 anos. O termo é utilizado para marcar a especificidade dessa fase da vida, diferenciando-as de mulheres adultas. Embora o foco do ensaio seja a violência de gênero, a forma como essa violência se manifesta pode ser atravessada por outros fatores, como raça e classe.

[2]  Falocêntrica, neste ensaio, é utilizada no sentido psicanalítico desenvolvido por Freud e Lacan, referindo-se à centralidade do falo como significante na constituição do sujeito e na estruturação do desejo e da linguagem. Não se trata de uma referência ao órgão anatômico, mas à posição simbólica que organiza as relações de poder, subjetivação e gozo na cultura. A ordem falocêntrica estabelece uma hierarquia em que o falo representa o lugar de autoridade e normatividade, influenciando as formas como o desejo, a sexualidade e a dominação são articulados socialmente.

[3]  Desumanizadas, neste ensaio, refere-se ao processo pelo qual as meninas são privadas de sua condição de sujeitos plenos, sendo reduzidas a objetos ou mercadorias dentro de um sistema que as explora e descarta. Essa desumanização ocorre tanto no nível material – por meio da violência física, sexual e institucional – quanto no nível simbólico, quando suas vozes, direitos e existências são negados ou invisibilizados. Trata-se de um mecanismo que não apenas perpetua a opressão, mas também a naturaliza, fazendo com que essas violências sejam vistas como parte da ordem social e não como violações a serem enfrentadas.

[4]  Patriarcado: patriarcado é um regime social que privilegia os homens e as masculinidades hegemônicas, consolidando desigualdades de gênero que se perpetuam historicamente. Esse sistema não apenas define papéis e expectativas para mulheres e meninas, mas também estrutura relações de poder que naturalizam a subordinação delas e a mercantilização de seus corpos. Diferente do patriarcado, o falocentrismo, no sentido psicanalítico de Freud e Lacan, refere-se à centralidade do falo como significante estruturante do desejo, da linguagem e da subjetividade. No contexto da violência contra meninas, essas duas dimensões se entrelaçam, sustentando a lógica de dominação que reduz suas vidas a objetos de desejo e exploração dentro de uma ordem falocêntrica e patriarcal. No contexto deste ensaio, ele será analisado como um dispositivo simbólico que sustenta a dominação patriarcal, conferindo ao masculino o estatuto de referência universal e, assim, reduzindo meninas e mulheres à condição de seres faltantes. Isso será objeto de análise ao final deste ensaio. 

[5] Relógio do Sofrimento é um instrumento analítico e visual  que quantifica a violência contra meninas no Brasil em uma escala temporal, demonstrando a frequência alarmante com que essas agressões ocorrem. Ele traduz dados estatísticos em intervalos de tempo compreensíveis, revelando que, a cada 10 minutos, uma menina sofre violência sexual, e a cada 50 horas, uma menina é vítima de feminicídio. A importância desse instrumento está na sua capacidade de transformar números frios em uma representação concreta da urgência do problema. Ao destacar a regularidade e a magnitude da violência, o Relógio do Sofrimento contribui para sensibilizar a sociedade, orientar políticas públicas e pressionar as instituições responsáveis por garantir a proteção das meninas. Ele não apenas denuncia a violência, mas também evidencia as desigualdades estruturais que a perpetuam, como o racismo, o patriarcado e a vulnerabilidade socioeconômica.

 

Como Citar:  CASTRO, Vanessa Maria de. O sofrimento das meninas no Brasil: violência estrutural e subalternidade. Blog Palavra em Transe, mar. 2025. Disponível em:https://palavraemtranse.blogspot.com/2025/03/o-sofrimento-das-meninas-no-brasil.html 

 

fonte: https://palavraemtranse.blogspot.com/2025/03/o-sofrimento-das-meninas-no-brasil.html


...