Entre o primeiro e o segundo turno das eleições para a Presidência da República, o Jornal Fêmea ouviu a feminista Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão, de São Paulo, sobre a mídia e a cobertura eleitoral. A especialista em comunicação chama a atenção para o papel passivo da mídia impressa e televisiva diante das candidaturas, marcadas pela ausência de conexão entre escassas propostas de políticas para as mulheres a um programa de governo. O jornalismo ficou devendo.

Jacira Vieira de Melo
Diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão. Formada em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP

A disputa eleitoral de 2010 foi historicamente a mais inovadora. Pela primeira vez estiveram no centro da disputa duas mulheres progressistas, informadas e sensíveis sobre questões de gênero e direitos das mulheres. E nestas eleições, o voto feminino se mostrou ainda mais decisivo, considerando-se não apenas que as mulheres representam 52% do eleitorado, mas também a maior parcela d@s indecis@s, como mostram as pesquisas de intenção de voto dos principais institutos de pesquisa.

Neste cenário desponta um paradoxo ainda pouco debatido nesta eleição presidencial: por que as candidaturas de Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV) – e mesmo a do tucano José Serra - não dedicaram real atenção à formulação de propostas sobre políticas públicas nos campos econômico, social, ambiental, cultural e político de interesse das mulheres? Por que estas candidaturas não buscaram maior identificação com significativa parcela do eleitorado brasileiro, através de programas de governo com propostas que impactem efetivamente a vida das mulheres?

É elementar, mas vale ressaltar, que há um consenso no debate sobre desenvolvimento de que as políticas públicas voltadas para as mulheres trazem benefícios para toda a população e o país como um todo.

Somam-se a este cenário as manchetes que tiveram destaque na mídia no período de julho a setembro de 2010: mulheres ainda têm menor inserção no mercado de trabalho; anos de estudo interferem na idade de ser mãe; uma em cada cinco mulheres já fez aborto até os 40 anos; abortos respondem por 10% dos casos de morte materna; dez mulheres são mortas por dia no país por seus parceiros ou ex-parceiros; apenas 7% das cidades têm delegacia da mulher; o Brasil cai novamente no ranking de igualdade entre os sexos; apenas 17,3% dos partidos/coligações cumpriram as cotas nas eleições de 2010; o tamanho da bancada feminina permanece inalterado; entre outras.

Ausência na agenda política das candidaturas presidenciais e omissão na cobertura da mídia sobre as eleições

É de se perguntar por que o conjunto destas notícias não tiveram efeito no debate público eleitoral e nas estratégias programáticas e de comunicação das campanhas de Dilma e Marina. São fatos noticiosos sobre problemáticas relevantes e de impacto significativo sobre a população, que alcançaram destaque na mídia a partir de evidências produzidas pelo IBGE, Ministério da Saúde, Tribunal Superior Eleitoral e centros universitários de pesquisas.

É possível dizer que o amadurecimento do debate sobre políticas públicas para o enfrentamento da desigualdade de gênero possibilitou a construção de consensos no campo das políticas sociais e que as lideranças de diferentes matizes políticos concordam, ao menos teoricamente, com um amplo leque de propostas para a promoção dos direitos das mulheres no país. Hoje, objetivamente, não há candidatura à Presidência que seja contrária à equidade de salário entre homens e mulheres, a um maior investimento na qualificação profissional das mulheres, a um choque de recursos para a ampliação da oferta de creches e pré-escolas; à criação de um fundo para a implementação de equipamentos sociais para efetiva aplicação da Lei Maria da Penha em todos os municípios do país, à priorização de ações de saúde para a promoção da saúde sexual e reprodutiva.

Estas questões têm tudo a ver com desenvolvimento econômico e social, e a formulação de propostas neste campo poderia explicitar diferenças de visões sobre o papel do Estado frente às políticas públicas para as mulheres. O que o governo atual fez? Em que a oposição promete melhorar e/ou inovar?

Ao vivo e em cores, candidat@s apresentaram propostas pontuais para as mulheres, como, por exemplo, a construção de seis mil creches ou a implantação de uma rede de atendimento às gestantes. Mas qual é a proposta para que a 8ª economia do planeta aborde a questão da educação de 0 a 6 anos como um tema central no âmbito econômico, social e político, e não apenas como uma política para as mulheres?

Em resumo, nas eleições de 2010 convivemos com dois problemas significativos: a ausência de conexão das escassas propostas de políticas para as mulheres a um programa de governo para o Brasil do século 21 e, consequentemente, a não diferenciação entre as propostas apresentadas pelas candidaturas de Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva.

Aqui é preciso chamar a atenção para o papel da mídia na cobertura destas eleições. Espera-se que o jornalismo não fique passivo diante de propostas pouco detalhadas ou mesmo frente à ausência de propostas para problemas concretos da população. Em contexto eleitoral, os meios de comunicação têm o papel de monitorar a implementação, a alocação de recursos e a execução de políticas.

Mesmo diante de fatos noticiosos importantes para a vida das mulheres, a maioria dos veí­culos da mídia impressa e televisiva não investiu em um jornalismo investigativo de fato, que interpelasse as candidaturas sobre suas propostas para os principais problemas do país. No quesito debate público sobre as propostas de políticas para as mulheres na eleição presidencial de 2010, o jornalismo ficou devendo. Assim como as campanhas presidenciais, os partidos e os movimentos sociais de mulheres, a mídia não exerceu o seu papel crítico no debate público sobre desigualdade de gênero e educação, saúde, segurança, pobreza, desenvolvimento tecnológico etc.

Um olhar político sobre as mulheres

A eleição de Dilma Rousseff em 31 de outubro, se deu graças à expressiva votação do eleitorado feminino – é imperativo exigir da primeira mulher presidenta do Brasil uma plataforma de governo com políticas públicas que considerem as necessidades e reflitam o protagonismo das brasileiras para o Brasil seguir mudando. E aqui, não há meias palavras: queremos poder político – mulheres competentes nos ministérios – e poder econômico – recursos orçamentários para políticas públicas.


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