Quase lá: Amor de urna não vinga

“Mãe, vou votar no Lula, o Bolsonaro é mau”, disse meu filho, replicando a exiguidade do debate político em 2018. Surgiu uma esquerda reativa, que acua a si mesma. Precisaremos ir até as entranhas desse processo, se quisermos sair desta encruzilhada

 

 

OUTRASPALAVRAS
Publicado 03/10/2022 às 18:09
Atualizado 03/10/2022 às 18:13


Imagem: Jay Viegas, Taiam Ebert e Rodolfo Quina/Lunetas

“Mãe, vou votar no Lula”. Enquanto assistia o último episódio de uma série qualquer de super-heróis, a criança justificou “o Bolsonaro é mau, o Lula é o único que pode derrotar ele”. O dualismo simplista daquela fala me tombou, mas no final das contas era real. É real. A limitrofia do debate político nessas eleições chegou a tal ponto que a percepção infantil replica a narrativa do vilão e mocinho, produzida na tela e fora dela. Tudo o que nos resta é tirar Bolsonaro, pra poder respirar. Precisei ser pedagógica com meu filho. Explicar o voto em uma candidata da esquerda radical pareceu impossível. Provavelmente impossível pra mim mesma, diante da realidade do momento. Perdão Sofia, não tive a radicalidade que desejava pra votar em você. Meu voto foi pro Lula sem nenhum entusiasmo, mas foi. Voto decidido na última hora. Literalmente engasgado até o exato momento de apertar 13. Ver a cara do Alckmin na tela, deu pavor, tremedera. De novo um susto que a realidade desse momento nos dá, titubeei. Talvez cancelar? Não dá tempo, confirmei.

Acompanhar a apuração do primeiro turno das eleições de 2022 foi frustração prevista. Quem ligou a TV ou o que seja com a ânsia de uma vitória no primeiro turno, embarcou na pura ilusão. Ilusão que a maioria que votou 13 embarcou, e até mesmo quem não. Aquela esperança abstrata que motivou boa parte da campanha contra Bolsonaro mostra que o amor vence o ódio, só que não. O amor não vence o bolsonarismo, muito menos se estiver preso nas urnas e não convocado nas ruas. Amor de urna não vinga.

Diante da apuração o narcisismo político da esquerda se viu diante de uma imagem fixada no tempo. Tempo que já foi e que não voltará, apesar de apelarmos para “O Brasil vai ser feliz de novo”. A primeira uma hora e meia da apuração nos fez reviver a disputa Dilma x Aécio, nos fez cobrar legitimidade das pesquisas, nos constrangeu diante da confiança que depositamos nelas e até nos fez perguntar “mas bolsonarista não responde pesquisa?” A cada mudança das porcentagens presidenciais assinalando a virada, uma parte do bar – já bêbada e com bandeiras como capas – cantava Lula Lá, enquanto a outra observava a força do bolsonarismo, já que a distância entre os dois se mostrou limítrofe. O clima mudava, entre a expectativa de vencer no primeiro turno, o medo de nem chegar no segundo até os olhos atentos confirmando a porcentagem de que lá chegaremos.

Depois da boca seca que lidava com a frustração de esperanças abstratas, ainda houve alguma celebração diante dos poucos deputados, deputadas, senadores e senadoras do campo da “esquerda”. Sim, colocarei entre aspas. Celebremos? Algumas. Mas acordemos desse entorpecimento mimado de uma esquerda que não tolera passar por um processo político sem promessa de gozo. Talvez essa não seja a hora de gozar. Não, não é. Que o narcisismo político da esquerda saiba lidar com isso, mas o bolsonarismo venceu. Sim, o bolsonarismo mostra que está nas entranhas. Precisaremos ir até lá se quisermos sair dessa esquerda acuada, ou ainda, dessa esquerda que acua a si mesma.

 

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