Quase lá: Allende vive! (por Selvino Heck)

 
 
Deposto por um golpe militar em 11 de setembro de 1973, Salvador Allende foi eleito presidente do Chile pelo Partido Socialista (PS) em 1970 (Fundação Salvador Allende (FSA))
 
 
 

Selvino Heck (*)

A Pablo Neruda e Victor Jara

11 de setembro de 1973. 11 de setembro de 2023. 50 anos passados do Pinochetazo, golpe militar, e da sangrenta ditadura chilena que se seguiu. Muitas brasileiras e muitos brasileiros estavam no exílio no Chile, acolhidos pelo governo do socialista Salvador Allende e pelo povo chileno, para escaparem da perseguição política, da prisão, da tortura e da morte. Entre outros, Paulo Freire, José Ernani Fiori, Diógenes de Oliveira, Emir Sader, Darci Ribeiro, Francisco Weffort, Thiago de Mello, entre outras tantas e tantos. 

As ditaduras se espalharam pela América latina na segunda metade do século XX, numa aliança entre os EUA e seus poderes de dominação do mundo, as FFAA, Forças Armadas, de cada país, a direita historicamente escravocrata, as elites, o latifúndio, a grande mídia. As ditaduras começaram no Brasil em 1964. Depois passaram pelo golpe no Chile, com o ´suicídio´/assassinato de Allende e com todas as suas consequências.

Por outro lado, ‘quando o povo se junta, o poder se espalha’, como diz uma frase da Rede de Educação Cidadã NE, RECID Nordeste. Quando o povo de um país se levanta, os povos dos demais países também se levantam, exigindo justiça, liberdade, soberania, direitos, democracia.

Não tem primavera sem luta, aprendemos ao longo do tempo e da história na América Latina. Toda vez que indígenas, trabalhadoras e trabalhadores, quilombolas e o povo pobre levantam a cabeça no continente latino-americano, os poderes dominantes estabelecidos secularmente dão golpes, implantam ditaduras, perseguem, matam torturam, exilam. Mas, ao mesmo tempo, os mais pobres entre os pobre lutam, resistem.

O povo chileno e a resistência histórica de ontem, com Victor Jara,  Pablo Neruda, são um retrato inesquecível da história de ontem. E de hoje. 

Declamávamos no Brasil “Os Vinte Poemas de Amor e uma Canção desesperada” e o “Canto Geral” de Pablo Neruda.

 E especialmente, com amor e emoção desmedidas, cantávamos nos anos 1970, no movimento estudantil e na PJ, Pastoral de Juventude, as canções de Victor Jara, sabendo suas letras de cor, em espanhol, Victor torturado e assassinado dias depois do golpe, em pleno Estadio do Chile.

Quem daqueles tempos não lembra, por exemplo, de “Te recuerdo Amanda”?: “Te recuerdo, Amanda,/ la caje mojada,/ corriendo a la fabrica onde trabajava Manuel.” E de ´A Desalambrar:  Yo pergunto a los presentes/ se no se han puesto a pensar/ que si las manos son nuestras/ y no de los que tengan más”. E de “Plegaria a un Labrador: Levántate y mira la montaña/ de onde viene el viento, el Sol y la agua,/ tu que manejas el curso de los rios,/ tu que sembraste el vuelo de tu alma./ Juntos unidos em la sangre,/ hoy es el tempo que puede ser mañana.”  E mais ainda de “El Pueblo unido: El pueblo unido jamás sera vencido./ De pie, cantando, que vamos a triunfar/ Avanzan  ya as banderas de unidad.” E tantas outras, como “Duerme, Duerme, Negrito”.

Eram, continuam sendo hinos de resistência popular contra as ditaduras, por democracia, soberania e direitos do povo trabalhador. As canções de Victor Jara continuam assombrando e desafiando brucutus, ressurgindo nas vozes dos jovens e dos estudantes, embalando a liberdade e a democracia.

Está sendo assim no Brasil, com Lula de novo na presidência da Republica, a democracia mais uma vez em reconstrução. Um sopro de luz e esperança atravessa o país, a América Latina, o Caribe, Norte a Sul, Leste a Oeste.

O Chile está logo ali, sabemos. Os golpes dados lá são dados também aqui. E vice-versa. Mas quando a primavera acontece lá, vai acontecer aqui também. E se amanhecer aqui, amanhecerá lá. Ou seja, o povo vai às ruas, o povo se mobiliza, o povo grita liberdade e democracia. O povo, lá e cá, cá e lá, não se entrega nunca. Mais cedo ou mais tarde, golpes e ditaduras são derrotados, golpistas e ditadores são derrubados pelo povo e pela História.

Vale relembrar, nesta hora e tempo históricos, o poema “ALLENDE VIVE”, escrito por mim em 1973, logo depois do ‘pinochetazo’. O poema foi publicado no Mural da Faculdade de Teologia da PUCRS, prédio 5, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, onde eu estudava de manhã. 

Aconteceu o seguinte, em acontecimento histórico e que nunca  deixo de lembrar e registrar. Um jovem estudante de Economia da mesma PUCRS, que estudava no mesmo prédio, mas à noite, leu o poema. Seu nome: João Pedro Stédile. Conhecemo-nos e começamos a organizar um grupo de estudantes de diferentes Faculdades, para ganhar a direção do DCE, Diretório Central de Estudantes, num movimento estudantil conservador, como a própria Universidade, conservadora. 

Ganhamos o DCE nos anos seguintes, João Pedro, como o chamo até hoje, já fazendo a pós-graduação na UNAM no México. Tornei-me, a partir do poema, representante dos alunos juntos à direção da Faculdade de Teologia e representante geral dos alunos da PUCRS junto à Reitoria, Reitor Irmão José Otão.

No retorno de João Pedro do México, eu já morador da vila São Pedro, no trabalho popular, comunitário e de CEBs, Comunidades Eclesiais de Base, da Lomba do Pinheiro, periferia de Porto Alegre e Viamão, continuamos a trabalhar e lutar juntos: lutas sindicais, Oposições Sindicais, greves, ocupações urbanas e rurais, Macali e Brilhante, Encruzilhada Natalino, Fazenda Annoni, em Ronda Alta, as ocupações urbanas, ele então Assessor da CPT, Comissão Pastoral da Terra, eu na Pastoral da Juventude e nas CEBs, e depois na PO, Pastoral Operária. No início dos anos 1980, fomos juntos nas reuniões da ANAMPOS, Articulação Nacional dos Movimentos Sociais e Sindical, em São Paulo, com Lula, Frei Betto, Olívio Dutra, Avelino Ganzer, tantas outras e outros. Em 1983, fundamos a ONG CAMP, Centro de Assessoria Multiprofissional, depois a construção da CUT, do MST, e fazendo as mobilizações das Diretas-Já.

Salvador Allende inspirou-nos a todas e todos nestes 50 anos, e continua nos inspirando. O poema, escrito há 50 anos, setembro de 1973, é mais que atual, em tempos em que mais uma vez a democracia foi quase destruída, mas felizmente está em reconstrução, embora ainda ameaçada, no Brasil, no Chile, na América Latina, no Caribe, no mundo. 

ALLENDE VIVE

Uma bala mata o homem.

 Uma bala não mata a ideia.

 Os dias são muitos, incandescentes.

 Ardem na poeira do tempo. 

 

Nada como as horas que se sucedem,

 os minutos e segundos,

 as batidas do coração que abraçam milhões.

 

 Sonhos são para serem sonhados.

 Sonhos iluminam o horizonte. 

Sonhos são eternos.

 

 Há um tempo para cada coisa. 

Há um tempo para a morte. 

Há um tempo para a vida.

 

 Latino-americanamente,

caribenhamente,

sobrevivemos. 

Brasileiramente,

 vivemos e ressuscitamos Allende.”

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Membro da direção do CAMP

fonte: https://sul21.com.br/opiniao/2023/09/allende-vive-por-selvino-heck/

 

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