O primeiro ano de Governo é marcado, dentre outras coisas, pela discussão sobre o Orçamento Público. É o ano em que os Governos Federal e Estaduais enviam aos legislativos o seu Plano Plurianual, com o planejamento para os quatros anos, e a Lei Orçamentária Anual - LOA. Durante muitos anos, diversos grupos de mulheres incidiram sobre esses dois instrumentos, para garantir ações de promoção à igualdade de gênero e melhoria das condições de vidas das mulheres. Será que ainda temos como fazer isso em um Governo fascista, publicamente inimigo do feminismo e de qualquer luta em prol da igualdade de gênero?
Um dos esforços nesse sentido foi o Orçamento Mulher. Em meados de 1995 o Centro Feminista de Estudos e Assessoria - CFEMEA passou a incidir no processo orçamentário, primeiro através das propostas orçamentárias. O objetivo principal era tentar garantir recursos para as políticas voltadas para as mulheres, já que muitas sequer saíam do papel por falta de estrutura, pessoal e capacidade de ação. Mas apesar do óbvio caráter político, o orçamento era blindado por um discurso técnico e pela pouca transparência das propostas e das informações sobre sua execução. Em 2002, o CFEMEA criou o Orçamento Mulher, um instrumento próprio de acompanhamento da execução de políticas com impacto direto ou indireto na vida das mulheres.
Além do CFEMEA, outros grupos de mulheres se apropriaram desses conhecimentos, tanto no nível nacional quanto no nível local. Dialogamos com diversos fóruns de movimentos, conselhos, grupos de gestoras, IPEA, sobre as possibilidades para facilitar o acesso às informações, torna-las mais transparentes e possibilitar a ação organizada das mulheres. Temos orgulho do Orçamento Mulher ter contribuído de diferentes formas para ampliar o debate sobre o tema do orçamento público em todo o país. Ele aprofundou o debate sobre a nossa Democracia e os embates capitalistas mais profundos da relação entre Estado, Mercado e Sociedade Civil.
Interrompemos o trabalho com o Orçamento em 2015, diante das incertezas do cenário político nacional. E agora, chegamos a 2019 com dúvidas sobre as possibilidades de seguir com esse trabalho e de que forma. Embora tenhamos uma Frente Parlamentar Feminista Antirracista com Participação Social disponível para este debate e o tema ainda suscite o interesse público, temos receio das possibilidades de execução das ações com a estrutura dos ministérios e secretarias tomada por grupos contrários ao que defendemos.
Constatamos, por exemplo, que o PPA 2020-2023 proposto pelo Governo não tem nenhum programa voltado para as mulheres. O programa “5034 - Proteção à vida, fortalecimento da família, promoção e defesa dos direitos humanos para todos“ tem como único objetivo:
1179 - Ampliar o acesso e o alcance das políticas de direitos, com foco no fortalecimento da família, por meio da melhoria da qualidade dos serviços de promoção e proteção da vida, desde a concepção, da mulher, da família e dos direitos humanos para todos
Ou seja, mesmo o Programa que deve concentrar as ações em torno de temas como o da Violência contra as Mulheres, não fala num aspecto importante dessa política, que é a promoção da autonomia econômica. Sem contar a referência à proteção da vida “desde a concepção”, um dos principais motes do debate entre feministas e grupos conservadores e fundamentalistas.
O diálogo com a Frente Parlamentar Feminista Antirracista é fundamental para pensarmos as possibilidades nesse contexto. Mas é importante talvez, mais do que nunca, precisamos fazer esse debate também nos estados. Nos apropriarmos dos instrumentos a nível local pode oferecer saídas para os desafios colocados.
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