Quase lá: AMB reafirmando sua luta antirracista

AMB reafirmando sua luta antirracista

Manifesto AMB do Julho das Pretas 2022 “QUEREMOS VIVER, COMER E O PODER COM PRAZER!“

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A Articulação de Mulheres Brasileira – AMB manifesta na 10ª edição do Julho das Pretas denúncias sobre a gravíssima realidade das mulheres negras e indígenas no Brasil, que vivem o contexto de violência e genocídio de seus povos em seus territórios. Violência cruel que resulta em assassinatos de pessoas negras e indígenas pelo Estado, jagunços e grileiros, policias, comandantes e suas operações letais. Onde as maiores vítimas são mulheres, jovens e crianças negras, indígenas, trabalhadores e trabalhadoras urbanas e rurais.

Batucada Feminista em ato do 20 novembro 2021, Recife-PE. Foto: Thiago Paixão.

Queremos viver!

“Eles combinaram de nos matar, nós combinamos de não morrer”, disse Conceição Evaristo. Isso é um pacto negro pela vida, pela existência negra livre da violência e do racismo! Lembramos o artigo 3º da declaração universal dos direitos humanos que nos garante direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Dados do IPEA mostram que 61% das vítimas de feminicídio são negras e que a violência contra as mulheres cresceu durante a pandemia. Por isso denunciamos a letalidade do estado e sua política de segurança pública alicerçada no racismo colonialista e estrutural que tem normalizado a execução da política de extermínio em massa da população negra e indígena neste país e, que durante a pandemia neste desgoverno, tem uma crescente assustadora.

V Encontro Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado. Foto: Acervo AMB.

Lutamos para interromper o genocídio!

Temos o direito à vida e refutamos ações de ódio e morte enquanto sentença para a existência das pessoas negras especialmente as mulheres negras e seus choros irreparáveis ao perder seus filhos e familiares vítimas do estado. Matar a ancestralidade negra a partir da interrupção de nossas vidas e negação da nossa humanidade. Infelizmente o racismo estrutural, que se perpetua desde quando os colonizadores brancos impuseram o massacre dos indígenas e da população negra escravizada, se manifesta até nossos dias atuais. Trata-se de um processo histórico, onde os privilégios de uma determinada classe social orientam as relações de subalternidade de um povo sobre o outro, presente nas instituições, na política, na economia e na cultura, provocando o genocídio de pessoas negras, o encarceramento em massa, a pobreza e a violência contra mulheres. Um exemplo disso é a representação da população negra no Congresso Nacional, onde 96% dos parlamentares são brancos. Outros dados, mais chocantes ainda, é o número de jovens negros assassinados no Brasil de hoje, assim como os relatos de estupros a crianças e mulheres indígenas. De acordo com o Atlas da Violência, divulgado em 2020, a taxa de homicídios de negros no Brasil saltou de 34 para 37,8 por 100 mil habitantes entre 2008 e 2018, o que representa aumento de 11,5% no período, reforçando a tese de que as vítimas por homicídio tem cor e classe social e escancarando a realidade de um país marcado pelas desigualdades e pelo racismo. Seguindo nos exemplos, destacamos a liberação do porte de armas, o descaso e incentivo a destruição da Amazônia com desmatamentos, incentivo ao garimpo e outras atividades de exploração de minérios que resultam em conflitos e assassinatos no campo e em terras indígenas.

Ação realizada no Julho das Pretas 2021 pela AMB-PB. Foto: Acervo AMB.

Queremos comer!

Além de quererem nos matar pela violência física e psicológica, querem nos matar de fome. O impacto socioeconômico provocado pela pandemia é devastador para as mulheres e para a população negra. O empobrecimento das mulheres negras se aprofunda no abismo da desigualdade social agravada durante a pandemia e na ausência de políticas de proteção social. Embora essa crise pandêmica atinja a todos, ela não é democrática, pois encontra diferentes condições de enfrentamento pela população negra e indígena e demais segmentos empobrecidos, que têm suas existências historicamente descartadas pelo sistema racista, capitalista e patriarcal. Denunciamos a fome, que voltou a cifra de milhões. São mais de 33,1 milhões de pessoas que não tem o que comer e enfrentam a fome seja nas cidades e no campo, seja em casa ou vivendo na rua e em situação de rua. Ao mesmo momento em que a inflação cresce, o poder de compra diminui, a carestia aumenta. Sobem os preços do gás de cozinha, da comida na mesa e isso quando tem, das contas de energia, da água, de material escolar e de transporte público. O desemprego é crescente. Hoje são mais de 15 milhões de pessoas desempregadas, e outros tantos, como as mulheres, especialmente negras e pobres, quando encontra algum posto de trabalho são na grande maioria mais precários. Denunciamos a ineficiência, ineficácia e irresponsabilidade do atual governo brasileiro no trato da coisa pública e no desmonte das políticas de enfrentamento ao racismo, à pobreza e a fome.

V Encontro Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado. Foto: Acervo AMB.

Queremos um teto para viver!

As moradias no Brasil seguem a lógica da especulação imobiliária, dos altos prédios e condomínios fechados em áreas para quem tem médio e grande poder aquisitivo, ou seja,  para atender a poucos. Na contramão, os lugares inóspitos, por vezes alagados, encostas, em vilas, vielas, morros e favelas em total insegurança de moradia e de vida, reservados ao povo negro e empobrecido. Aí vivem pessoas desprovidas da atenção de políticas públicas de governos e de Estado, onde os serviços básicos não chegam ou quando acontece é de forma muito precária, descontínua e de má qualidade. Essa é a realidade onde mora e como vive a maioria de trabalhadoras e trabalhadores pobres e negros, nas periferias e quebradas nas grandes cidades, e milhões de pessoas em cidades pequenas pelo o Brasil, onde o acesso a direitos é um sonho. O direito de morar, ter acesso a alimentação, água potável, saúde, educação, transporte seguro, lazer, segurança, trabalho, é condição mínima indispensável para que as pessoas possam existir em seus territórios, mas as mulheres negras e as populações periféricas não tem nem o básico.

Atividade em alusão ao 25 de Julho – Dia da internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha. Foto: Acervo AMB.

Queremos o Poder compartilhado

Ecoamos Ubuntu “Eu sou porque nós somos” confronta o poder autodestrutivo do pensamento ocidental hegemônico trazendo consigo o espírito integrativo da sociabilidade humana expressado como princípio ético e filosófico. Não exercendo a exclusão, competição e anulação do outro para que sejamos, ao invés disso podermos nos reconhecer e nos integrar a natureza e entre nós enquanto seres viventes a pertencer a essas mesma natureza fora e dentro de cada pessoa. No deslocamento do negar “Eu sou porque tu não és” para integrar Ubuntu outra realidade, outros elementos no pensar, outras racionalidades, outras sensibilidades e sentires traçando o bem viver do poder compartilhado a partir do chão comum outra sociabilidade, modo de viver e gerir as relações cotidianas em sociedade. A partilha enquanto elo de expansão de consciências políticas, críticas e coletivas oriunda de uma práxis social, uma consciência autônoma. Não vamos mais suportar a trama estrutural racista diária pela eliminação de vidas negras e indígenas somos ajuntamento de gente, quilombo, povos na retomada e na conquista de nossos direitos sociais e humanos. Partilhamos a revolução já em curso do chão de nossos territórios, de nossa cultura, dos plantios de alimentos e colheitas fartas na base de nossa energia vital compartilhada umas com as outras nutrindo nossa força de movimento, lutas e guerras para interromper a hegemonia absoluta do poder colonial.  Mulheres negras no poder, construindo o Bem Viver!

Ato “Nos deram o caos, nós devolvemos a lama”. Foto: Paloma Luna.
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