Quase lá: Melhorismo, pavimento aos fascismos

Alegar “não ter pernas” para universalizar direitos e bem-estar social pode ser fatal para o governo. Quando os sonhos jamais emergem, vem o desencanto – e, com ele, o rancor alienado. Três caminhos são essenciais para resgatá-los. E o SUS pode ser inspiração

Arte: Lesley Oldaker
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Título original: O fascismo que vem

Reza a lenda que quando Churchill declarou guerra à Alemanha, ele enxergava os riscos dessa guerra na perspectiva de que: ou a Europa continental seria ocupada pela Alemanha por longo tempo, ou pela Rússia por pouco tempo.

Churchill via, portanto, na ameaça nazista um perigo maior do que a do socialismo russo que acreditava ser insustentável, na Europa Ocidental, no longo prazo.

Por meandros imprevisíveis, a história deu razão a ele no que toca ao socialismo russo, que não se sustentou sequer na própria Rússia.

O pior, entretanto, e é o que nos desafia hoje, seria a confirmação de que ele poderia ter acertado também em relação ao nazismo, não em relação ao nazismo alemão de então, mas ao fascismo como fenômeno de sociedade, como ameaça maior e de longo prazo.

Embora sofrendo derrotas eleitorais em diversos países, como no Brasil, a variante fascista que ameaça o Estado de direito hoje parece ir se erguendo em toda parte, com suas variantes nacionais, tal uma hidra de mil cabeças. Agora a ameaça paira sobre os Estados Unidos, tendo ganho a Argentina, submetido a Itália e, por último, a Holanda.

É bom lembrar que o desenho clássico da tomada do Poder pelo fascismo se dá inicialmente pelo voto, seguido de um golpe para o alcance da sua supremacia no Estado, ou simplesmente por um golpe de Estado.

Portanto, e é importante prestar a atenção nesse ponto, trata-se de um trânsito rápido e simples e, a depender das circunstâncias conjunturais, de aparência muito natural, quase como se o Estado de direito, que tanto trabalho deu para ser construído em tantos países, fosse uma espécie de antessala sempre aberta e disponível para a sua fascistização.

Mas, por que é assim? Por que sendo “diferente”, o Estado de direito transita tão facilmente para o fascismo?

Para entender esse mistério, temos que voltar a Gramsci.

Estado de direito e Estado fascista

Gramsci assinalou que o fascismo era ditadura + ideologia orgânica1. O que significa isso?

Ele via no fascismo uma regressão aos padrões repressivos do Estado restrito (o governo pela força) ou, mais precisamente, um retorno do Estado ampliado (onde o consenso substitui a força na governança) a esse Estado restrito, entendido como a “democracia” burguesa do início do século XX que resolvia as greves a baionetas, e exercia o Poder pela força.

Essa democracia burguesa (uma ditadura de fato) estaria, no fascismo, acrescentada uma ideologia “orgânica” totalitária, termo que era entendido por ele como decorrente da tentativa pelo fascismo de produzir uma nova totalidade em lugar da dicotomia existente entre a burguesia e o proletariado, totalidade que conferia ao Estado fascista um falso papel “arbitral”.

Por ideologia orgânica entenda-se o fato de que se na democracia burguesa de então a repressão era a regra do ordenamento social, no fascismo a repressão do Estado poderia se tornar, no limite, “dispensável” dado o Poder tremendamente opressor gerado pelos consensos obrigatórios produzidos por essa ideologia orgânica onipresente.

De fato, essa ideologia se constitui através de valores viscerais enraizados numa alienação hipnótica, que sacraliza a maioria sobre quem o Poder se assenta, como o que ocorreu na Alemanha nazista em torno da ideia-força da superioridade racial.

Tal ideologia orgânica, que sacraliza a maioria que deve vir a ser a protagonista do Poder fascista, também avilta a minoria alvo (que se torna o bode expiatório dos problemas sociais), construindo-lhe uma imagem de abjeta, suja, sexualmente devassa, ou corrupta, o que vai preparando-a para o abate.

Essa lógica antecipa uma pretensa luta do bem contra o mal de carga visceral imparável que faz duelar aos olhos dessas massas fascistizadas os puros contra os impuros a serem aniquilados.

A repressão onipresente, viabilizada por essa ideologia orgânica, pode até mesmo prescindir do Estado, pois sua ação última, a aniquilação física da minoria, passa a poder ser legitimamente feita pelas próprias mãos do cidadão comum, como tantas vezes ocorreu na Alemanha nazista e noutras experiências fascistas e mesmo no Brasil sob o bolsonarismo.

A percepção de Gramsci só não explica por que essa regressão do Estado ampliado ao Estado restrito, regressão essa que é de natureza histórica e estrutural, e talvez devesse resistir mais, se dá sempre de maneira tão prosaica com uma eleição e um golpe, ou simplesmente com um golpe de Estado…

Vamos lembrar que o Estado ampliado para Gramsci é aquele que está cercado (fisicamente) pela sociedade civil e no qual o Poder é, por isso mesmo, obrigado a ser exercido pelo consenso, o que substitui a força como método principal de governança.

Em suma, algo como esse Estado de direito que conhecemos e que não pode unilateralmente, por exemplo, ir explorar as reservas de petróleo da Margem Equatorial no Brasil sem estabelecer diálogos e compromissos ambientais com a sociedade civil….

O Estado restrito, por outro lado, é aquele do século XIX, alvorecer do XX, que mandava sem escrúpulos a cavalaria para a degola de grevistas de todas as idades, a prisão e o terror dos trabalhadores mal uma greve era declarada, ou que exportava seus próprios nacionais judeus, comunistas ou deficientes físicos e mentais para o extermínio.

Gramsci propõe que o fascismo, cimentado por uma ideologia orgânica faz o trânsito de um Estado para o outro, o que não deixa de ser uma viagem através do tempo…

Porém, resta difícil de ser compreendida a razão pela qual, em regredindo aos padrões repressivos clássicos, que funcionaram muito bem no Estado restrito durante um longo tempo, a burguesia estaria obrigada de se acrescentar para o exercício do Poder (que por princípio já é seu) de uma “ideologia orgânica”, um penduricalho de natureza arbitral se, em tese, poderia exercer o Poder unilateral e absoluto enquanto, como diria Marx, o seu Comitê Executivo?2 Afinal de contas, para parecer arbitral, esse novo Poder totalitário deve ocasionalmente conceder vitórias (ao menos táticas) aos trabalhadores o que, em princípio, não conviria à burguesia…

Noutras palavras, por que é que podendo governar simplesmente pela força a burguesia precisa na atualidade de verdadeiros Frankenstein para governar em seu nome?

Então, o que é que realmente está em andamento? Por que é que o fascismo é ao mesmo tempo: (a) de trânsito tão fácil (eleições e golpe, ou apenas um golpe) a partir do Estado de direito? e (b) de tão grande adesão e resiliência social ao ponto de ainda termos, por exemplo, um ano depois de um governo exitoso de Lula, mas em toda parte é assim, 25% de brasileiros bolsonaristas e 90% de não arrependidos de ter votado nele, como atestam as últimas pesquisas de opinião de 2023?

Ora, entender profundamente o que está acontecendo é fundamental para definir qual a estratégia eficaz para deter esse fascismo e assegurar a sobrevivência do Estado de direito.

Divergindo um pouco de Gramsci

O Estado ampliado, (afinal o Estado de direito) como Gramsci aponta, está obrigado a governar pelo consenso em decorrência da existência de uma sociedade civil que funciona como uma verdadeira rede de trincheiras em torno dele, regulando-o com opinião, autonomia e legitimidade para, por exemplo, reformar ou bloquear decisões do Poder Público, o que pode ocorrer por serem agressivas a direitos, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico, etc.

Por essa razão, o Estado de direito estabelece, pela primeira vez na história das sociedades de classe, uma fragilização do ordenamento classista da sociedade, pois a formação do consenso põe em cena também elementos que podem inclusive contrariar as classes fundamentais.

Isso significa que a burguesia já não consegue impor de forma absoluta, no cotidiano da governança, a sua vontade sem ter que negociar (à exaustão) num Estado que se obrigou legalmente a padrões mínimos de consenso para a tomada de decisões.

A título de exemplo, empresários e trabalhadores, através de suas entidades e partidos, podem até estar de acordo com a exploração do petróleo na dita Margem Equatorial, mas encontrarão ferozes adversários entre os ambientalistas que podem levar a melhor e bloquear a iniciativa na Justiça…

Portanto, se padrão classista não funciona mais tão bem como definidor último do ordenamento social e não há um projeto sistêmico que ultrapasse o caos de um Estado de direito que navega sem rumo, quando emerge a crise orgânica, que é onde estamos, as alternativas são:

(a) a manutenção conservadora e contra gradiente do Estado de direito atual que não tem projeto sistêmico, está exaurido e tem a sua legitimidade questionada por uma fascistização crescente. Esse contexto vai dando a esse Estado ares caóticos e frágeis comparativamente à proposta do totalitarismo fascista;

(b) a implantação disruptiva do Estado fascista que se rege por um consenso que se tornou obrigatório por meio da supracitada ideologia orgânica, que funciona por meio de uma “democracia” totalitária (com a minoria aniquilada); dotado de uma proposta sistêmica e estruturante coerente com a ideologia orgânica e praticante de um liberalismo sem escrúpulos, cujo fito é cimentar Poder e Renda na mão dos mais fortes. A sua brutalidade gera grande engajamento, o que é valiosíssimo como contraponto à fragilidade de um Estado de direito mergulhado numa profunda crise de credibilidade; e finalmente o que resta por ser feito;

(c) o rejuvenescimento do Estado de direito por meio de uma democracia participativa vibrante, dotado de um projeto sistêmico centrado na construção do bem estar e da inclusão social para as maiorias.

Esse Estado de direito rejuvenescido deve ter entendido a importância estratégica da multiplicação em escala populacional de uma cidadania que lhe dê lastro político, ou será varrido.

Tal cidadania formada por uma maioria que a sua ação politizou se caracteriza por defender politicamente a democracia e esse Estado de direito renovado que claramente a beneficiam. Esse Estado deve também ter entendido que o seu projeto, a sua única missão histórica e a única vacina que tem contra o fascismo é a produção em escala industrial da emancipação/politização das maiorias excluídas e a formação de um lastro de cidadania que possa estabilizá-lo e dar-lhe rumo.

Conforme entendemos, o que diferencia o Estado de direito do Estado fascista é o caráter obrigatório do consenso no fascismo, o que o faz funcionar, não como uma ditadura clássica, mas como uma “democracia” totalitária, regida por uma sólida maioria cujo propósito é o de aniquilar os direitos, e a própria existência física das minorias, em nome da pureza moral da maioria e de uma nova totalidade sacralizada.

Portanto, vamos propor aqui que tanto o Estado de direito quanto o Estado fascista são Estados ampliados (uma gemelaridade siamesa) que persistem ampliados, por não haver como extinguir a sociedade civil que está historicamente construída à sua volta.

Essa sociedade civil é vetorizada no fascismo (o fascio, ou feixe) pela ideologia orgânica, enquanto permanece amorfa e sem projeto estruturante no Estado de direito que conhecemos.

Ambos os Estados estão situados no que poderíamos denominar de momento de saída do capitalismo, que se caracteriza pelo fato de que o ordenamento classista se tornou insuficiente para assegurar a ordem social.

No Estado de direito atual que é claudicante, a formação do consenso se dá de forma caótica e desprovida de ordenamento. No fascismo o projeto estruturante totalitário se subordina à ideologia orgânica e se ergue como aniquilador das minorias e da civilidade, gerando apelo e engajamento viscerais.

O fascismo começa, portanto, a valer a pena para a burguesia porque, em primeiro lugar, o exercício do Poder à moda antiga (as baionetas na porta da fábrica) ficou para trás e, em segundo lugar, porque a dinâmica política na saída do capitalismo não se dá mais apenas entre os interesses econômicos da burguesia e do proletariado emergindo uma agenda pós-classista, como a ambiental ou as identitárias.

Isso viabiliza o Estado arbitral, pois toda essa civilidade pós-classista é erradicada em nome do refazimento do velho dipolo classista que o totalitarismo passa a tratar, então, como uma pretensa nova totalidade que se esconde por trás de conceitos comumente nacionalistas.

Tudo isso reflete, em última análise, o enfraquecimento político da burguesia, que já não consegue definir o jogo por conta própria, o que não significa automaticamente aumento do Poder político do proletariado, que, por sua vez, ainda não tem nem projeto sistêmico que dê sentido e consistência a um Estado de direito no qual tenha hegemonia e que opere para consolidar a democracia em favor do bem estar, da inclusão social e da multiplicação da cidadania de forma participativa e vibrante.

Sublinhe-se aqui que diferentemente de Gramsci que via na tomada do Poder pelo proletariado3 o melhor desfecho da crise orgânica, que o que parece se impor como melhor desfecho possível é o incremento da ampliação do Estado, ou seja, o aprofundamento da democracia.4

A “tomada do Poder” pelo proletariado, como concebeu Gramsci, não é viável vez que esse não pode politicamente se erguer contra a ordem democrática, o que seria um contrassenso, nem poderia cancelar a sociedade civil reinaugurando um Estado restrito proletário como os do dito “socialismo real” século XX.

Esse impasse que põe em risco a civilidade, pela inoperância universal do ordenamento unilateral classista, deixa a sociedade à mercê da ideologia orgânica do totalitarismo fascista, disruptiva e visceral…

O liberalismo do fascismo contemporâneo, por tudo isso, tem que se caracterizar por uma completa falta de escrúpulos para que seja capaz de passar por cima de qualquer resistência da civilidade, do humanismo ou do que possa haver de mais sagrado.

O faz com base numa ideologia totalitária que assimila tudo a uma luta do bem contra o mal, ou simplifica tudo ao nível do ganho monetário, o que inclui desde não enviar socorro aos náufragos no Mediterrâneo por serem imigrantes ilegais, não comprar vacinas ou legalizar a venda escancarada de órgãos pelos pobres aos que puderem comprar, o que, incrivelmente, paira como ameaça na Argentina…

É a razão porque o fascismo, em nome dos interesses do capital, precisa se erguer como uma força capaz de aniquilar todas as minorias, desde étnicas até sexuais, e todas as resistências civilizatórias.

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Um ponto de fragilidade da gênese do fascismo é o fato de que ele precisa de ferramentas para manipular as maiorias através da mídia ou das redes sociais para se converter num fenômeno de massas. Regular as redes sociais é, portanto, um dos elementos fundamentais da contenção da degeneração fascista.

Essa medida, entretanto, tem limitações, pois sempre há espaços novos a explorar no oceano da comunicação digital e como qualquer barreira, essa também pode ser transbordar a depender do caudal. A regulação das redes sociais é um medicamento sintomático para conter uma febre maligna.

O que fazer então para tratar pela raiz o mal social que se exprime através dos riscos crescentes de fascismo?

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Um Estado de direito com projeto sistêmico: bem estar, inclusão social e cidadania numa democracia vibrante

Concorrer com o projeto visceral do fascismo, que gera um tremendo engajamento a partir do ódio, da destruição e da morte é de extrema dificuldade num Estado de direito que não tenha se dado um projeto sistêmico capaz de fazer frente ao papel que é exercido no totalitarismo por sua ideologia orgânica.

A adoção de um projeto que possa produzir de forma ampla e profunda o bem estar e a inclusão social das maiorias excluídas é fundamental para a estabilidade da democracia.

É fundamental, portanto, ter um Projeto Nacional que promova uma Inclusão e um Bem Estar social sem adjetivos o que replicará uma cidadania politizada que ao entender o projeto de sociedade que se desenha se politizará polarizada pela ideia força de que, definitivamente, a democracia lhe é benéfica.

Em certa medida, mas não aprendemos com a experiência, o projeto de emancipação do Nordeste dos governos Lula 1 e 2, e foi um projeto sistêmico, produziu essa politização decorrente do entendimento dos rumos para onde se ia o que remete a um projeto de sociedade.

O Nordeste se beneficiou com um conjunto sistêmico de iniciativas que, embora desconexas, consubstanciaram um todo consistente: (a) as cisternas, (b) o Luz para Todos, (c) o bolsa família – e a cidadania bancária que ele induziu -, (d) os projetos de apoio aos agricultores e à agricultura familiar, (e) o financiamento do material construtivo para as moradias, que aos milhões evoluíram da taipa para o tijolo, (f) o programa Minha Casa Minha Vida (g) o aumento da renda e da remuneração do salário mínimo, (i) o acesso a medicamentos e (j) ao livro escolar, dentre outros.

O resultado foi uma melhoria importante da inclusão e do bem estar social do nordestino em sentido amplo, o que produziu, simultaneamente, o amadurecimento político de um contingente populacional decisivo para a defesa da democracia.

Portanto, é preciso entender que o projeto de sociedade politiza o povo o que dá esse projeto sistêmico caráter tão estratégico para o Estado de direito quanto a Ideologia Orgânica tem para o fascismo, um pré-requisito incontornável!

Se quiser evitar o fascismo, portanto, o governo e os democratas terão a obrigação de desenhar um Projeto Nacional Sistêmico capaz efetivamente de galvanizar as maiorias e politizá-las.

O que fazer?

Os desafios para a implantação de um projeto nacional sistêmico focado numa proposta de desenvolvimento para a inclusão e o bem estar social e capaz de produzir milhões de cidadãos politizados, ou seja, capazes de entender que a democracia lhes interessa, são complexos.

Em primeiro lugar, só quem trata o Brasil de forma sistêmica é o SUS que aprendeu a capilarizar suas políticas e dispositivos de Saúde com o propósito de ir construindo algo que é obrigatório na Saúde: a universalidade do acesso.

Fora o SUS a ideia simplesmente inexiste e se há um consenso no governo, incrivelmente, é o da ideia de que o governo federal “não tem pernas” para capilarizar a universalidade do acesso a direitos e benefícios em nenhuma área, o que significa que a exclusão social é entendida inerente ao Brasil e que praticamente tudo é piloto. Entendido isso como a alma do Brasil, ela está autorizada a se manifestar, aliás, no entorno imediato do Palácio do Planalto, do STF e do Congresso Nacional seja na Favela do Sol Nascente ou na Chácara Santa Luzia situadas ambas a algo como 10 km da sede dos Três Poderes golpeáveis e tantas vezes golpeados.

Essa impotência auto infligida do governo federal é que dá vida ao que eu tenho chamado de melhorismo que é o formato através do qual as políticas sociais são desenhadas no Brasil, sempre para melhorar e nunca para resolver um problema alvo, por ser coisa conceitualmente impossível.

O melhorismo e ele é grave, pois acomete o melhor governo que poderíamos ter, figura como a doença infantil de um bem estar e inclusão social mais definitivos que jamais emergem, nem como sonho.

Ilustram o melhorismo coisas como (a) os 100 IFs (por que 100 e não 105 ou 112?) que vão melhorar a qualidade do ensino para talvez 200 mil alunos num contingente de matriculados no Ensino Médio de 7,9 milhões. Reconheçamos que o número redondo de 100 IFs é a prova da falta de planejamento para resolver. O SUS, por exemplo jamais teria uma ação para construir 100 UPAs; (b) o MCMV que vai produzir milhões de moradias sem que exista um único programa nacional que assegure um banheiro para a família que não o tem, como propõe o CAU do RS, ou (c) ter tirado os Yanomami do genocídio sem ter estabelecido um Projeto Local de desenvolvimento nacional para aquelas comunidades que embora não sejam mais chacinadas, continuam tendo problemas alimentares sazonais, de comunicação entre aldeias; de transporte, sobretudo de urgência, pois as comunidades estão muito distantes umas das outras, de armazenamento local de medicamentos, dentre outros; pois a implantação do povo Yanomami se estende por uma imensa área.

Poderíamos multiplicar os exemplos.

Tudo isso pode, por exaustão, deixar o povo vulnerável ao fascismo, como ocorreu na Argentina.

A construção do Projeto Nacional para a inclusão e o bem estar social num processo de democracia participativa tem três pilares:

  1. A territorialização como no SUS para a definição de um quantitativo definido de comunidades a atender (temos proposto para a universalidade do acesso a esse bem estar de forma programática que o terço mais vulnerável da população brasileira – 70 milhões de habitantes, seja dividido em territórios com 20.000 habitantes. Essa proporção gera 3.500 territórios no máximo, muitos nas grandes cidades, outros no interior onde serão necessários consórcios intermunicipais para implementar os investimentos do Programa. O território é a célula matriz de um projeto de desenvolvimento para a inclusão e o bem estar que é ao mesmo tempo local (o território) e universal, as 3.500 comunidades. Isso permite que cada território tenha uma agenda específica de prioridades, numa iniciativa que é universal a todos o que constrói um desenvolvimento territorial ao mesmo tempo específico e sistêmico. O SUS pode alfabetizar quem queira aprender;
  2. Participação Social para a definição desse projeto de desenvolvimento local baseado num desenho geral e nas prioridades de cada comunidade. Temos visto que, quando uma comunidade tem a liberdade de propor vai além das políticas de sobrevivência (moradia, pavimentação, drenagem e mobilidade) e adentra para a necessidade de equipamentos e políticas de Cultura, Esporte , Lazer e Acolhimento de Vulneráveis;
  3. Orçamentos Públicos disponíveis para essa agenda de investimento local: se o governo Federal decidir aplicar a quantia de 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) para cada um dos 3.500 territórios com 20.000 habitantes para implantar as políticas e projetos locais para o bem estar social gastará por ano 17,5 bilhões de reais ou 0,35% do Orçamento da União que ultrapassa os 5,0 trilhões de reais por ano.

Esse montante é menor do que a isenção que o governo vai dar à indústria automobilística que receberá em incentivos fiscais cerca de 19 bilhões de reais do governo federal, parte dos quais será convertido em lucro.

Como no governo todos já sabem de tudo é difícil, vamos reconhecer, que essa ideia prospere e ela dá trabalho.

No entanto, se não inauguramos essa nova era, na qual a democracia fará sentido para as maiorias de quem depende a sua sustentação, correremos o risco, cedo ou tarde, de ser engolidos pelo que hoje é a força ascendente da política: o fascismo.

Se o Estado de direito não se acrescentar de uma democracia participativa vibrante e de um Projeto Sistêmico para as maiorias e permanecer letárgico como é, com melhorismos e projetos piloto, o engajamento da destruição e da morte trazidos pelo Estado fascista poderá levar a melhor.

1 GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere: Maquiavel: notas sobreo Estado e a Politica. Edição Carlos Nelson Coutinho com marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques, Editora Civilização Brasileira, 2011. p. 66.

2 MARX, K. O Manifesto do Partido Comunista. Publicado de acordo com o texto da edição soviética em espanhol de 1951, traduzida da edição alemã de 1848. p. 2. Disponível em: <www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_fontes/acer_marx/tme_07.pdf>.

3 GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere: Maquiavel: notas sobreo Estado e a Politica. Edição Carlos Nelson Coutinho com marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques, Editora Civilização Brasileira, 2011. p. 184.

4 ANDRADE, I A hipótese da Revolução Progressiva. Editora Canal 6, 2018. p. 140

 
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