Natalia Maria Alves Machado
com colaborações de Juliana Gonçalves Caceres.
Pesquisadoras e articuladoras da Flor Labore - Agencia de Pesquisa e Açãoo Social. Brasilia - DF

“Não é porque burro dá coice que posso arrancar as patas dele”

A amadíssima e sábia Madrinha Eunice que indescritivelmente dedicou a vida e hoje, da morte recente, já renasce seguindo enquanto mestra, referencial que protege e nutre quem segue, agora já ancestral divinizada, entre tantas outras coisas, em seu ditado recorrente nos ensina sobre a preponderância do valor da diferença, das políticas de reconhecimento e inclusão, do acolhimento, da não patolozição/criminalização/demonização do outro que escapa à norma, do manejo espiral das presenças em interação, já que sendo todas presenças filhas e mães do mesmo mundo…

Abertura, voz, giro, tempo, ritmo, espaços, fronteiras e liminaridades… corpo! Eis aqui nosso estandarte.

Aqui, enquanto uma mulher preta de tantas marcas e irradiações, ‘pensassentindo’ todos os dias sobre o que seria ‘a varinha mágica’ da empatia coletiva geral, da comunicação eficiente por pedagógica, encaminhativa e florescente, seguimos e, pelo bem da retomada, da redenção e construção plural de justiças, aqui chegamos e estamos a tentar, cuidar, reverenciar o que valha.

Como há um tempo vem sendo anunciado em ocasiões de abertura, nossa Djumbai vem ganhando corpo para voar no seu tempo e vida própria. Seu tempo é quando. E vem sendo entre acessibilidades e recomposições de momento, agregação marcada, sinuosa, pouco óbvia em seus movimentos de retração, recolhimentos, linguagens e horizontes. Desde poléns imemoriais começa a se mostrar aqui e agora estreiando nesse meados de 2015.

Neste escrito inicial, em um contexto brasileiro atual de constante ameaça a direitos por parte do Estado e interações sociais cada vez mais agressivas, gostaríamos de fazer uma saudação, “abrição”, lembrar e fortalecer que também sempre há “pequenas irrelevâncias sagradas”, talvez tentando subverter a noção de prioridades, subverção também enquanto poder guardião.

Buscamos e buscaremos existir em nome de, a partir de e como sendo mesmo o próprio sonho real de diálogo, diálogo com o vivido, canal, ferramenta, intuir campos, cidades, florestas frutíferas e lutadoras, o que só pode ser coletivo e plural. Em muitas cores e tons, nem sempre confortável e isso nem é uma questão, pois, seguimos querendo­nos poder ser canal, ferramenta, ponte, como um “à disposição”, localizado enquanto responsabilização e enquanto “a partir”.

Especialmente em tempos de relativa popularização da internet e com o advento das diversas redes sociais virtuais, muitas contribuições magníficas têm sido publicizadas todos os dias divulgando e possibilitando modos singulares de existência sendo que, surpreendentemente, em horizontes que recriam assimetrias históricas no vivido fora da web ao mesmo tempo em que essas mesmas assimetrias cedem um tanto a novos encontros imprevistos, frutos de encruzilhadas e espirais das agências que se recriam desde margens e linguagens dinâmicas e criativas.

Assim sendo, não se pretende aqui “reinventar a roda” ou competir por autoridade/legitimidade/visibilidade dentro dos marcos de disputa em órbitas de opinião que tanto têm trazido presentes e assombros diários nos portais vários, mas, “só ser”. Algo que apenas exista por direito e, assim, mais abra perguntas oportunas, ou nem tanto, do que algo que estabeleça sistemas de respostas a priori. Na centralidade e consequência concreta dos códigos, signos, linguagens que criam, modificam e destroem realidades, a intenção para com o cuidado nos será sempre fundante e fundamental, assim como estratégica.

Por tudo que temos tantas pessoas colaboraram bravamente, viveram e morreram antes e agora, morrem e vivem, ante esse legado, nos anos pós­década em que assistimos pessoas como nós (multi­marginais) sobreviverem e ascenderem socialmente via frutos de lutas históricas por reconhecimento e inclusão alçadas à categoria de Políticas Públicas e Tecnologias Sociais (ainda iniciais), simultaneamente vemos as reações contrárias a isso se fortalecerem por anti­sustentabilidades em vários âmbitos, preenchidas de concentrações de capitais diversos e por isso se tornando perigosas e repetitivas de passados negacionistas (violentos latifúndios do ar, da terra, do fogo, águas e etc). No inconsciente coletivo sombras e recalques de um “grande NÃO ante a diferença enquanto potência” nos sabotam para além de qualquer ilusão moral de “boa intenção” ou certeza de “identidades progressistas”. Assim também e até contando com o que parece fraqueza, rever, mudar, reencantar para desconstruir/construir/subverter acolhendo e florindo, por que não? E quais são os nossos sim’s?

Sim, por esquecimentos duvidamos de quem somos, se já fomos e do que poderemos ou não ser e nos esquecemos mais ainda de quem o eterno “outro” poderia ser. Diferença distorcida em medo, incerteza, pavor... Mais um gene no eternamente colonial da “crise”. Percebemos, vemos, detectamos desarticulações coletivas em vários níveis, fruto talvez de uma falta de acúmulo nosso no manejo do que precisa de cuidado e assumido, o que gera uma sensação de falta de rumo e dispersão de forças estratégicas. Por outro lado, nem tudo pode ser mapeado por sínteses de grandes narrativas conjunturais. Deste modo, evocamos sobretudo imprevistos afirmativos desde “a voz escondida que está em todas as partes”..., pois, é importante afirmar que “liberdade caça jeito”. Queremos também coragem para que possamos nos surpreender em magias incalculáveis, como nos ensinam os marcados e resilientes Mestres e Mestras Brincantes das Culturas Populares e Tradicionais no Brasil e América Latina, materiais, imateriais e também vivos patrimônios da vida em coletividade, sementes além de extermínios, ciências e poderes da nossa imensa capacidade de reinvenção mesmo que imersos em intensas privações, também insurgentes e jamais resignadas às explorações.

“Raízes fortalecidas Encravadas com magia Para caules a sustentar Ramos tocando o céu…”

Ancestralidade enquanto chão, horizonte, “memória” constituída por narrativas polifônicas e polissêmicas, ou mesmo antes do que possa ser elaborado racionalmente, “memória” nos metabolismos dos corpos e bio­conflitos incognoscíveis. As disputas pelos sentidos do passado, do presente e o que se queira futuro, solicita que a memória, inclusive das células de corpos­coletivos­espaços­territorialidades e soberanias nutricionais simbólicas e materiais correlatas, equalizem cicatrizes e alquimiem os abismos da indiferença e das desigualdades, honrando o que brada no inconsequente e justo reagir ao que fere. E, que assim, o que repararmos e reconstruirmos nos nutra e não nos paralise. Gozos conscientes e sangrares esperançosos: “Contra séculos de negação, um presente vívido de afirmação!”

Se o sagrado da “memória” pode dar­se também enquanto consciência e presença total da potência de existir, coexisitr e nos expandir, a “crise” só nos figuraria então como sendo um grande e generalizado lapso de memória, descuidos generalizados, uma interrupção do tornar presente, da cooperação entre sistemas e diretrizes de um organismo, uma denúncia dos escamoteamentos e falsas narrativas que seguem a excluir o fundamental que foi e sempre será, haja vista o ainda tímido e nem por isso menos fundamental fundar­se de comissões de “memória verdade e justiça”, mais tradicionalmente as das vítimas da ditadura e, mais recentemente, a urgente que vem tratando e tratará de trazer à tona demandas e registros dos séculos de escravização negra no Brasil.

Humilde porque é o básico de poder intuir sabedorias além dos tempos, e ousada à medida em que se implicar e se colocar pra jogo também é assumir possibilidades e limites para vidAMORte em desconstruções e reconstruções cíclicas e contínuas. Nossa Djumbai reverencia raízes e se coloca a serviço, já celebra e celebrará coragem, memória de tudo, tentando ao máximo que seja sem gerar sombras do que é negado e excluído por equivocadas “conveniências”. Quer­se movimento e conexão, observar, estar presente, poder perceber as coisas como são ao máximo possível, como na música, em que nossos membros e sentidos se expandem e complementam em instrumentais e técnicas afetivas em cooperação, por rizomáticas e necessariamente comunitárias. “a grande política”, simples contribuição para “multiplicação de possíveis”, UBUNTU!

Seguimos independentes, ou seja, contando com o máximo de parcerias possível!

PS: Agradecimentos plenos às famílias toda e agradecimento também à paciência, dedicação e labor da equipe do CFEMEA em relação à acessibilidade, adaptabilidades nos tempos, formas e conteúdos das demandas e todos os demais cuidados amorosos para propiciar uma rotina de texto bastante peculiar de uma pessoa com Esclerose Múltipla em atividade e consequências.

Novembro de 2015

(Madrinha Eunice Mascarenhas Alvarenga, in memorian ­ Sacerdotisa de Religiosidade Popular e Tradicional do DF, Comunidade “Vovó Cambina” ­ Núcleo Rural Jerivá/DF)


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