Diante dos últimos acontecimentos políticos que culminaram com a confirmação do Golpe, no dia 31 de agosto, nós da equipe do CFEMEA viemos somar esforços à resistência e denunciar a ofensiva conservadora, antidireitos, misógina, racista e patriarcal.
Somamo-nos às análises que denunciam o Golpe parlamentar e midiático, concretizado com o apoio do Poder Judiciário e protegido pela perseguição e repressão policial. Mas nesse momento, queremos nos deter ao caráter patriarcal do golpe: sim, o golpe também é contra as mulheres!
Há mais de uma década os movimentos de mulheres e feministas vêm denunciando as ações criminalizadoras e misóginas de grupos fundamentalistas religiosos. Tal força cresce em representação política a cada eleição, mediante acordos eleitoreiros profundamente patrimonialistas e desprovidos de quaisquer princípios democráticos. O “B” Bíblia da tríade reacionária BBB (Boi-Bala-Bíblia) é sem dúvida, um vértice fundamental à configuração do golpe contra o Governo Dilma Rousseff.
Desde a sua 1ª campanha eleitoral, a então candidata Dilma Rousseff tentou manter-se distante, e evitou se posicionar sobre algumas questões cruciais que perpassam a experiência do ser mulher no Brasil e no mundo, como o direito ao aborto legal, o combate à violência sexista e a divisão sexual do trabalho.
Muitas foram as tentativas de diálogo dos movimentos de mulheres e feministas com a presidenta no seu 1º mandato. Mas o esforço de não identificar-se com as pautas históricas nem comprometer-se substantivamente com as agendas inconclusas das políticas públicas para autonomia e igualdade de direitos das mulheres, levaram ao distanciamento que balizou seus pronunciamentos públicos.
A postura da Presidenta não chegou perto de evitar o desfecho do golpe. Mas de fato, chocou ou ovos da serpente, ou seja, protegeu os interesses conservadores tanto das forças políticas dentro do governo como do grupo político derrotado na última eleição. Os conservadores (governistas e opositores) se aliaram e, sob essas condições, urdiram o afastamento de Dilma.
E, ao contrário, o grupo na operação do golpe, manipulou os conteúdos misóginos contra a presidenta eleita, escancarando o machismo da vergonha nacional. Foram as “bravas mulheres brasileiras” que protagonizaram grande parte da resistência no Congresso Nacional, no governo e nas ruas! Numa resistência diária que denunciou para o mundo a misoginia do golpe, os escrachos e ataques cotidianos à Dilma, qualificando, visibilizando em definitivo para toda a sociedade brasileira a luta que as mulheres precisam enfrentar quando estão em espaços de poder.
Foi justamente a experiência do ser mulher, em um cargo de liderança, que conferiu amálgama na sociedade conservadora brasileira, que questionou sua competência enquanto gestora, sua honestidade, e a expôs aos mais virulentos e desumanos ataques a sua sexualidade em uma inquestionável expressão da cultura do estupro e da misoginia da nossa sociedade. Qual chefe de Estado, presidente da república teve sua sexualidade, intimidade exposta, em uma imagem, tão violenta, quanto Dilma Rousseff e sua foto sendo violentada pelas bombas de gasolina?
Mas parece ter sido só recentemente, na reta final do processo do golpe, que Dilma reconheceu na força e na luta das mulheres, sua grande âncora, e também o imperativo ético do bom combate, da urgência do enfrentamento político justo e digno, sem que uma mulher seja atacada em sua condição de mulher, por um tipo de feminicídio político.
A 1ª presidenta eleita foi afastada do seu cargo num golpe parlamentar e midiático que destituiu concreta e simbolicamente o poder do voto, de eleição e de governo de milhões de brasileiras. Um ataque violento que reverbera no imaginário social, liberando e estimulando a violência machista reinante em nossa sociedade, não só contra a Presidenta Dilma Rousseff, mas contra as mulheres em geral! Não por acaso, durante o primeiro semestre de 2016 o número de denúncias de violência contra as mulheres recebidas pelo Disque 180 aumentou em mais de 100%. E nos querendo dizer que não somos competentes, que não somos capazes, que não temos o direito de decidir nem sobre as questões de interesse público, nem sobre as nossas próprias vidas!
A lição urgente que deve ser aprendida é que em situações de crise política e econômica, nós mulheres e tod@s que estamos sub-representad@s nos espaços de poder e decisão somos @s primeir@s a sermos prejudicad@s, somos as que temos os direitos vendidos e negociados em primeiríssimo turno. A arena política da representação partidária é virulenta contra nós mulheres, e somente um novo sistema político, devidamente provido de mecanismos para enfrentar tanto o poder patriarcal quanto o poder econômico pode avançar no sentido da democratização do poder com a participação das mulheres. As estruturas patrimonialistas mantidas por esses poderes sustentam a corrupção, privilégios raciais e diversas formas de exploração do nosso trabalho produtivo e reprodutivo, bem como de apropriação privada dos bens comuns.
Precisamos de um outro sistema político, com antídotos para evitar que o fundamentalismo religioso e outras forças restritivas das liberdades (sexual, de credo, política, etc.) nos imponham retrocessos ainda maiores. No cerne desse conflito político, há que se travar embates de grande envergadura, em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, da questão do planejamento reprodutivo, aborto legal, da educação não sexista. Todos estratégicos para enfrentar o conservadorismo, denunciar o golpe, a misoginia e efetivamente promover a autonomia das mulheres.
Nesse contexto tão difícil, em plena campanha eleitoral, devemos celebrar as candidaturas municipais que têm destacado em suas campanhas bandeiras historicamente negadas, rechaçadas, ou oportunistamente negligenciadas como a da liberdade sexual, autonomia reprodutiva, do enfrentamento ao racismo, desmilitarização da Polícia, laicidade, reforma política, dentre outras. Como uma clara expressão de confronto ao ideário conservador e antidireitos que visa desmontar toda a luta por emancipação política, econômica e cultural da grande maioria excluída das instâncias de poder e decisão.
As bravas mulheres brasileiras seguem em resistência contra o golpe! Contra o patriarcado! Contra a misoginia!