Após o ministro Luís Roberto Barroso pedir destaque, o julgamento será realizado de forma presencial, e não mais no plenário virtual. Presidente da Corte, Rosa Weber votou a favor da descriminalização
O julgamento sobre descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez foi suspenso no Supremo Tribunal Federal (STF) após o ministro Luís Roberto Barroso pedir destaque. Com o pedido, a votação será retomada de forma presencial, e não mais no plenário virtual. Antes da suspensão, a presidente da Corte e relatora do caso, ministra Rosa Weber, votou a favor da proposta. A ação julgada foi apresentada pelo Psol, em 2017. No Brasil, atualmente o aborto é legalizado em três casos: quando a gravidez é decorrente de um estupro, quando há risco de vida para a gestante e em caso de anencefalia do feto. A data de retomada do julgamento no STF ainda não foi marcada.
A regra atual sobre aborto, válido apenas nos três casos citados, é de 1940. No voto, Rosa Weber argumentou que a questão se perdura há muito tempo e que as mulheres foram silenciadas nesse processo. A ministra citou os princípios de dignidade da pessoa humana, liberdade e direitos reprodutivos para fundamentar o posicionamento favorável a descriminalização da interrupção da gestação até a 12ª semana.
"A dignidade da pessoa humana, a autodeterminação pessoal, a liberdade, a intimidade, os direitos reprodutivos e a igualdade como reconhecimento, transcorridas as sete décadas, impõem-se como parâmetros normativos de controle da validade constitucional da resposta estatal penal", afirmou Weber.
"A dimensão prestacional da justiça social reprodutiva, como argumentado, explica a desconstituição da validade da política punitiva de encarceramento, que não se demonstra suficiente e proporcional enquanto política pública de desestímulo à gravidez indesejada, tampouco eficaz na perseguição da sua finalidade subjacente, que é tutela da vida humana. Por isso, a necessidade, melhor, a imprescindibilidade da sua execução", acrescentou a ministra.
Segundo o Psol, que moveu a ação, as regras atuais "violam os preceitos fundamentais da dignidade, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura".
De acordo com dados de 2021, da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), uma a cada sete mulheres, com idade próxima aos 40 anos, já passou por pelo menos uma interrupção de gravidez no Brasil. Mais da metade (52%) das mulheres tinham 19 anos de idade ou menos, quando fizeram seu primeiro aborto.
LEIA o VOTO da Ministra Rosa Weber
baixe o arquivo se não estiver visualizando no espaço abaixo
fonte: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5144865
STF julgará descriminação do aborto no plenário presencial
Julgamento correria em ambiente virtual a partir desta sexta (22)
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai iniciar no plenário físico o julgamento sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. A data ainda não foi marcada.
O julgamento do caso foi iniciado na madrugada desta sexta-feira (22) no plenário virtual da Corte, mas um pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso suspendeu o julgamento. O pedido de destaque é justamente a solicitação para levar para o plenário físico um julgamento que corre em ambiente virtual.
A análise do caso no Supremo é motivada por uma ação protocolada pelo PSOL, em 2017. O partido defende que interrupção da gravidez até a 12ª semana deixe de ser crime. A legenda alega que a criminalização afeta a dignidade da pessoa humana e afeta principalmente mulheres negras e pobres.
Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro, risco à vida da gestante ou fetos anencéfalos.
A ação é relatada por Rosa Weber, que deixará o tribunal na semana que vem ao completar 75 anos e se aposentar compulsoriamente. A ministra será substituída por Barroso, que tomará posse na quinta-feira (28).
Esses quadros acima foram criados por Gênero e Número, leia a matéria Brasil tem uma morte a cada 28 internações por falha na tentativa de aborto
STF começa a julgar descriminalização do aborto na madrugada desta sexta (22); veja as expectativas
Expectativa é de que Weber, Carmen Lúcia, Barroso e Fachin votem a favor da descriminalização; voto de Zanin é incógnita
Gabriela Moncau
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 21 de Setembro de 2023 às 19:35
A descriminalização do aborto é uma pauta histórica do movimento feminista, que vem conquistando vitórias em diversos países da América Latina - Levante Popular da Juventude
A partir de 0h01 desta sexta-feira (22), a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber já pode proferir seu voto no julgamento que poderá descriminalizar, no Brasil, o aborto feito com até 12 semanas de gestação.O tema do qual a ministra é relatora vai ser analisado em plenário virtual. Neste formato, os 11 ministros têm até a sexta-feira seguinte (29) para depositar eletronicamente seus votos por escrito.
Existe a chance, no entanto, que, antes disso, algum ministro peça vista, que é quando a sessão é suspensa por até 60 dias para que o tema seja melhor analisado. Outra possibilidade é que alguém peça destaque, quando o julgamento é suspenso temporariamente para ser retomado em plenário físico, por conta da relevância do tema.
A Corte vai julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, impetrada pelo PSOL e pelo Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero (Anis), que argumenta que proibir a interrupção da gravidez viola a dignidade humana das mulheres.
Além de Weber, que se aposenta em menos de duas semanas, a expectativa é que Carmen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin – por já terem externado posições a respeito do tema – sejam favoráveis à descriminalização. Nunes Marques e André Mendonça, indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, devem votar contra.
O mais recente ocupante de uma cadeira no Supremo, Cristiano Zanin, é uma incógnita. Durante a sabatina no Senado, ao ser questionado sobre o tema, limitou-se a dizer que “o direito à vida está expressamente previsto no artigo 5º da Constituição Federal”. Recentemente, Zanin votou contra a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.
Somados a Zanin, há incertezas quanto aos posicionamentos de Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes.
Expectativas
“A expectativa é que a gente possa receber esse voto da Rosa Weber – que, em outros momentos, já se mostrou favorável à descriminalização do aborto – com empolgação”, afirma Elisa Aníbal, da Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto.
Também integrante do Grupo Curumim e da Articulação de Mulheres Brasileiras, Aníbal considera que o julgamento “é um passo” para que se qualifique a discussão a respeito da interrupção da gravidez no país.
“O debate sobre a descriminalização do aborto precisa estar calcado em evidências, colocado de forma que a gente consiga argumentar e dialogar com a sociedade sobre as realidades vivenciadas. Precisa sair do campo do fundamentalismo e do moralismo”, avalia Elisa.
Tabata Tesser faz parte do movimento Católicas pelo Direito de Decidir, uma das entidades que está como “amicus curiae” nesta ADPF. O termo, que significa “amigos da corte” em latim, refere-se a entidades que fornecem subsídios para as decisões dos tribunais.
“O que tem nos movimentado nesses últimos tempos é o sentimento de urgência”, descreve Tesser. “O Brasil tem sido um dos países atrasados no tema da legalização do aborto se comparado a outros países da América Latina”, avalia.
“Argentina, México e Colômbia são alguns dos países que já demonstraram ser possível ter uma legislação que não seja discriminatória e que possa acolher a decisão e a autonomia das mulheres com relação às gestações indesejadas”, elenca Tabata Tesser.
Momento para qualificar o debate
Na opinião da integrante do Católicas pelo Direito de Decidir, a ADPF 442 é um momento para que a sociedade discuta um tema que “muitas vezes é tratado como tabu". "Mas a gente sempre tem uma tia, uma mãe, uma avó que já recorreu ao procedimento do aborto”, ressalta.
A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021 – que é feita face a face, ou seja, possivelmente está subnotificada – mostra que uma em cada sete mulheres, aos 40 anos, já interrompeu a gravidez. Das que fizeram o procedimento em 2021, 43% tiveram que ser hospitalizadas.
“O que a gente está querendo dizer com a defesa da descriminalização do aborto? Não queremos incentivar o aborto. Queremos politizar esse debate na sociedade, dizendo a essa mulher que ela não precisa ir para a prisão, muito menos ser morta ou torturada, por ter decidido não levar adiante uma gestação”, explica Teres.
Comparando com o direito de votar ou de tomar outras decisões sobre a própria vida, Teres defende que “a possibilidade de interromper a gestação deveria também ser um direito democrático”.
“Hoje, mulheres ricas conseguem recorrer ao procedimento sem serem vítimas da criminalização porque justamente têm dinheiro para ir a uma clínica realizar esse aborto de forma segura. A questão é justamente oposta quando são mulheres que não têm dinheiro, em maioria negras e periféricas. São elas as maiores vítimas da criminalização e da mortalidade”, ressalta.
O STF começa a se debruçar sobre o tema às vésperas do 28 de setembro, dia latino-americano e caribenho de luta pela legalização do aborto. Na próxima quinta-feira (28), manifestações de movimentos feministas e de mulheres estão marcadas em todo o Brasil.
Edição: Rodrigo Chagas
Políticos pagam campanha antiaborto no Facebook e Instagram às vésperas de decisão no STF
Bruno Fonseca, Mariama Correia
Da Agência Pública
A imagem da bandeira do Brasil, por cima, a faixa com Ordem e Progresso substituída pelo lema “Brasil sem aborto”. Talvez, você tenha visto essa montagem nos últimos dias no Facebook ou no Instagram. O motivo: políticos e veículos de mídia conservadores estão impulsionado campanhas antiaborto às vésperas do Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a descriminalização da interrupção da gravidez. O plenário virtual será aberto nesta sexta-feira (22).
Segundo levantamento da Agência Pública, políticos, partidos como o Republicanos — que é ligado à Igreja Universal do Reino de Deus —, influenciadores e grupos de mídia conservadores têm apostado em anúncios contra a descriminalização do aborto nas redes do Meta no mês de setembro. A reportagem encontrou quase R$ 10 mil pagos pelos 15 perfis que fizeram os anúncios sobre o tema com maior alcance no mês. No total, esses anúncios foram exibidos mais de 2 milhões de vezes até o momento.
O campeão em anúncios no período foi o deputado estadual Renato Antunes, do PL de Pernambuco. O político pagou mais de R$ 3,8 mil para impulsionar uma série de postagens em setembro. As peças tiveram mais de 460 mil exibições nas redes, a maior parte para perfis de homens do estado de Pernambuco.
No texto, o deputado chama a “tentativa do STF de pautar esse debate” como “mais uma tentativa de agressão ao direito à vida”. O político defende que o Congresso deveria decidir sobre o assunto. Antunes estava no grupo de parlamentares que tentaram impedir o aborto legal de uma menina de 10 anos, no hospital Cisam, no Recife, em 2020. Na ocasião, grupos conservadores antiaborto se reuniram na porta do hospital para fazer protestos e orações. O deputado, na época vereador, não apenas participou do protesto e gravou vídeos, como assinou uma nota conjunta com parlamentares conservadores.
Antunes têm levado o julgamento da descriminalização do aborto no STF para a pauta da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Na reunião ordinária do último dia 13, ele discursou na Tribuna da Casa criticando a atuação do Supremo e pedindo a ação do Congresso Nacional no caso. “Fica meu apelo pra que o Congresso não permita o ativismo judicial. Não podemos levar decisões tão importantes para um colegiado de 11 ministros e ministras, que na verdade não foram eleitos de forma democrática”.
Em seguida, estão os anúncios da Brasil Paralelo — grupo de mídia conservador que já é um conhecido anunciante do Meta. A empresa pagou pelo menos R$ 2 mil impulsionando uma série de propagandas do seu curso online sobre aborto.
Em uma das peças, a empresa diz que diante “desse assunto polêmico” e da decisão da ministra Rosa Weber de pautar o julgamento no STF, a Brasil Paralelo decidiu liberar gratuitamente a aula inaugural do curso “Aborto: quem é a verdadeira vítima?”. Na propaganda, a empresa anuncia que a aula irá tratar, dentre outros assuntos, das consequências da “legalização” e dos efeitos na saúde física e mental da mulher que aborta. A aula é realizada por um homem, Marcus Vinicius Lins, que se identifica como advogado.
A Brasil Paralelo é a recordista em anúncios no Facebook e Instagram — a empresa já pagou mais de R$ 20 milhões desde que os gastos foram revelados, em agosto de 2020. O valor está acima até mesmo dos gastos do Governo Federal e de campanhas eleitorais, como a de Jair Bolsonaro em 2022, que pagou R$ 2,7 milhões.
O terceiro perfil que fez os anúncios mais caros no período envolvendo o tema aborto foi o deputado federal Lucio Antonio Mosquini, do MDB de Rondônia. Ele pagou ao menos R$ 1 mil para impulsionar um vídeo que não trata diretamente do julgamento no STF, mas no qual se diz contra “drogas, aborto e sexualização de crianças”. A peça teve mais de 750 mil visualizações, a maior parte de perfis de mulheres jovens, com 18 a 24 anos, que se conectaram à internet no estado de Rondônia.
No vídeo, o político critica a Resolução nº 715, do Conselho Nacional de Saúde, de julho deste ano. O documento traz orientações para formular o Plano Plurianual e o Plano Nacional de Saúde. Um dos pontos da Resolução que se tornou alvo de críticas de grupos conservadores é justamente o trecho que cita o aborto, a diretriz 49, que prevê “intersetorialidade nas ações de saúde para o combate às desigualdades estruturais e históricas, com a ampliação de políticas sociais e de transferência de renda, com a legalização do aborto e a legalização da maconha no Brasil”.
Mosquini se apresenta como um parlamentar cristão. Ele é signatário das frentes Parlamentar Mista contra o Aborto e em Defesa da Vida e Parlamentar em Defesa da Vida e da Família. No fim do mês de agosto, deputados dessas duas frentes fizeram uma ação coordenada para cancelar uma palestra sobre aborto legal na Defensoria Pública da União, no Distrito Federal.
Além de perfis de políticos, a Pública também encontrou anúncios do Republicanos. Desde o dia 20 de setembro, o partido começou a impulsionar uma peça na qual afirma ser “contra o aborto” e que defenderão a vida desde a concepção “com todas as nossas forças”. O partido diz explicitamente que “o STF não pode legislar sobre o aborto”, citando a decisão de Rosa Weber de pautar o julgamento. O partido afirma estar se mobilizando no Congresso Nacional “para impedir que decisões como essas prosperem”.
Os dados do Meta mostram um investimento de mais de R$ 100 em um período de menos de 24 horas — o valor deve crescer, visto que a campanha continua ativa. Na tarde do dia 21 de setembro, a peça já havia sido exibida mais de 35 mil vezes.
A campanha do Republicanos é assinada pelos seguintes políticos do partido: Diego Garcia, deputado federal pelo Paraná e vice-presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Família e Apoio à Vida; o deputado federal Silas Câmara, do Amazonas, que é vice-presidente da Defesa da Liberdade Religiosa e presidente da Frente Parlamentar Evangélica; a senadora pelo Distrito Federal e ex-ministra de Bolsonaro Damares Alves; o senador de Roraima Mecias de Jesus; o deputado federal pelo Distrito Federal Paulo Fernando e o deputado federal pelo Espírito Santo Messias Donato.
Os ministros do STF devem julgar a ADPF 442, sobre a descriminalização do aborto no Brasil até a 12° semana, entre 22 a 29 de setembro. O julgamento foi liberado pela ministra Rosa Weber, que vai se aposentar em outubro. Essa ação foi protocolada em 2017, pelo PSOL.
Bota o lencinho verde pra jogo!
Grande semana para nós que defendemos o direito de meninas, mulheres e outras pessoas que gestam de terem autonomia sobre o próprio corpo. A gente já disse isso muitas vezes nos últimos sete anos, mas não nos cansamos de repetir que aborto é questão de saúde pública e de garantia de direitos fundamentais, sobretudo o direito à não discriminação com base em gênero.
Chegou a hora, bota o lencinho verde e vambora pra luta!
O julgamento da ADPF 442, que busca descriminalizar o aborto voluntário até a 12ª semana de gestação, começou na meia-noite de hoje, via plenário virtual. A ministra Rosa Weber, relatora da matéria, já deixou um voto favorável antes de se aposentar. Semana que vem, ela passa a presidência do STF para o ministro Luís Roberto Barroso justamente no 28 - Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe.
Um pouco depois da abertura da votação, o ministro Barroso pediu destaque, ou seja, que a pauta seja levada para julgamento presencial no plenário da Casa, o que trava o processo. A data da votação é definida pela presidência do STF. O único voto registrado antes do destaque foi o de Weber.
Falamos sobre aborto várias vezes ao longo da última semana. Contamos que as crenças morais de que a pessoa que aborta é má e irresponsável predominam em processos judiciais sobre aborto. Falamos da nossa ida ao Conselho Nacional de Direitos Humanos para denunciar a perseguição à qual jornalistas que reportagem sobre aborto vêm sendo submetidas no Brasil. Falamos das cinco crianças latinas que buscam justiça internacional após serem submetidas a gravidezes injustas e forçadas que roubaram sua infância.
Publicamos uma reportagem especial que mostra que não estamos sozinhas. Analisamos as peças dos interessados em participar do julgamento da ADPF 442 como amicus curiae e descobrimos que 76% defendem a descriminalização, apresentando argumentos cientificamente embasados.
Na próxima semana vamos continuar falando da urgência da descriminalização do aborto. Fizemos uma parceria com a Gênero e Número e a Revista Azmina para mostrar que todo mundo ama alguém que já fez um aborto. O aborto é um evento comum na vida de pessoas que podem gestar, e não queremos mais que essas pessoas - sobretudo as mulheres negras - continuem morrendo em clínicas clandestinas, sem acesso à saúde pública.
Na primeira reportagem especial dessa parceria de milhões, a Gênero e Número mostra que o Brasil tem uma morte a cada 28 internações por falha na tentativa de aborto - mortes que poderiam ser evitadas pelo Estado. Outras duas reportagens especiais irão ao ar até o dia 28 de setembro, fique de olho.
Espalhe informação. Precisamos de você mais do que nunca.
Todo mundo ama alguém que já fez um aborto
AzMina, Portal Catarinas e Gênero e Número se unem para produção de série especial de conteúdos em apoio à descriminalização do aborto no Brasil
São tantas pessoas que já fizeram um aborto em sigilo no Brasil que, muito provavelmente, você conhece alguém próximo. É possível que, sim, você ame alguém que já abortou. É um evento comum na vida reprodutiva de mulheres cis e demais pessoas com possibilidade de gestar. Seria um procedimento médico simples, seguro e com pouca dor, sobretudo, se não fosse crime. E, com certeza, todos e todas nós queremos que as pessoas queridas sejam bem tratadas.
No Brasil, infelizmente, uma mulher que precisa de atendimento em saúde para uma situação de abortamento – seja provocada ou espontânea – é recebida nos hospitais, em geral, com preconceito, e tratada com um procedimento defasado (a curetagem), pois os métodos abortivos não evoluem no nosso país diante do contexto penal. São mais de 150 mil mulheres por ano que sofrem riscos com cirurgias invasivas. Mais de 500 pacientes morreram nessas intervenções em uma década. E grande parte dos casos de criminalização por autoaborto ocorre no pronto-socorro, o que leva as pessoas mais vulnerabilizadas, negras e pobres, a não buscarem atendimento médico.
A descriminalização do aborto, porém, não é o único objetivo da luta, como bem sabemos nós e nossas irmãs latinas que já vivenciam isso. Ainda é preciso garantir o acesso ao aborto legal e seguro nas unidades de saúde pública. No Brasil, nos casos já previstos em lei, esse atendimento ainda está longe de ser amplo e efetivo.
A Revista AzMina, o Portal Catarinas e a Gênero e Número se juntaram neste mês de setembro para uma produção colaborativa que expõe as consequências da criminalização do aborto para todas as famílias brasileiras e aponta para a necessidade do acolhimento a quem decide abortar, traçando uma linha entre cuidado e aborto.
A série “Aborto é Cuidado” será publicada nesta semana e na próxima, nas plataformas das três organizações, até 28 de setembro, Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe. A data tem origem na Lei do Ventre Livre, promulgada em 1871, que tornou livres os filhos nascidos de mulheres negras escravizadas.
Traremos reportagens sobre os impactos na saúde, com dados que apontam mortes e internações por aborto; e sobre os grupos feministas que salvam mulheres que não chegam aos hospitais, informam e reduzem danos, para evitar negligência médica, mortes, humilhações e processos penais.
Momento decisivo
Somos veículos jornalísticos independentes que apoiam a descriminalização do aborto no nosso país e iniciativas feministas que há anos cobrem questões de gênero, denunciando, reunindo informações e dados, contando histórias, e olhando para os direitos sexuais e reprodutivos das brasileiras.
Este ano é decisivo para avançar nessa pauta. Nossas organizações protocolaram dois pedidos de amicus curiae na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442, no Supremo Tribunal Federal (STF), a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
O amicus curiae (amigos da corte) indica pessoa, entidade ou órgão com interesse na questão e conhecimentos sobre o tema, para colaborar e fornecer subsídios ao julgador. Advogadas do Coletivo Feminista Saúde e Sexualidade nos ajudaram na elaboração desses documentos em que argumentamos a necessidade de ter dados acessíveis e transparentes sobre aborto no Brasil. Além de demonstrar que o jornalismo que se compromete a falar sobre aborto legal vem sendo criminalizado também.
Uruguai, México, Argentina e Colômbia já permitem que pessoas que podem gestar tenham atendimento de saúde quando decidem abortar. A Suprema Corte mexicana descriminalizou o aborto em todo o país no início deste mês de setembro. Os ministros deliberaram que o “sistema jurídico que penaliza o aborto no Código Penal Federal é inconstitucional” e argumentaram que “a criminalização viola direitos humanos das mulheres e das pessoas com capacidade de gestação”.
O aborto não envolve sangue e salas escuras em porões, como fica evidente quando temos acesso a informações, evidências científicas e práticas seguras. A maioria das mulheres que abortam, que têm informação, condição financeira, ou que encontram redes de acompanhantes, fazem isso na clandestinidade com certa tranquilidade. O maior sofrimento está justamente na pobreza, no julgamento social e na solidão de enfrentar esse desafio da vida reprodutiva sem apoio familiar ou com medo de perseguições penais.
Temos um sistema de saúde nacional estruturado, com especialistas, políticas públicas, organizações e movimentos de feministas prontos para acolher e oferecer o melhor atendimento. O Brasil está mais do que preparado para falar sobre a descriminalização e a legalização do aborto.