OAB GOIÁS: As ações buscam que o judiciário também declare inconstitucionais alguns trechos da lei sancionada pelo Governador Ronaldo Caiado (UB), publicada no Diário Oficial do Estado
Por: Ronilma Pinheiro - O HOJE
O conselho reconheceu, por maioria de votos, dispositivos inconstitucionais em trechos da lei e decidiu habilitar como amicus curiae - amigo da Corte - em 3 ações
Após o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ter ajuizado uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7597, no Supremo Tribunal Federal (STF), contra a lei que institui a “Campanha de Conscientização contra o Aborto para as Mulheres no Estado de Goiás”, a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) também decidiu se posicionar sobre o texto.
Durante a votação para decidir se a OAB-GO entraria com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) em face da Lei Estadual 22.537/2024 que estabelece procedimentos sobre a realização de aborto legal no âmbito estadual em Goiás, o conselho reconheceu, por maioria de votos, dispositivos inconstitucionais em trechos da lei e decidiu habilitar como amicus curae – amigo da Corte – em 3 ações, sendo duas no STF e uma no Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). As ações buscam que o judiciário também declare os mesmos trechos inconstitucionais.
A alegação do PSOL, é que o objetivo do texto é impedir o acesso de gestantes ao procedimento de aborto, mesmo nas hipóteses legais, desencorajando-as a obter os serviços previstos em lei, bem como “as submete à tortura mediante a visualização do exame de ultrassonografia”. Segundo a sigla, a lei viola os atuais entendimentos sobre justiça reprodutiva, que impõem ao Estado o dever de garantir todas as condições necessárias para que as mulheres exerçam suas escolhas.
A advogada Thais Moraes, conselheira seccional da OAB-GO, fez declarações contundentes sobre a violação de princípios constitucionais e tratados internacionais em relação aos direitos humanos. Moraes enfatizou que certos dispositivos legais confrontam importantes pilares democráticos e humanitários.
Segundo a advogada, esses dispositivos infringem princípios fundamentais consagrados na Constituição Federal, tais como a dignidade humana, a cidadania, a liberdade, a proibição de tortura ou tratamentos degradantes, a saúde e o planejamento familiar das mulheres, além dos direitos sexuais e reprodutivos. Ela ressaltou que tais direitos estão incorporados tanto na legislação nacional quanto em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Entre os tratados mencionados pela advogada estão a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Moraes alertou para o desalinhamento desses dispositivos legais com as obrigações assumidas pelo Brasil perante a comunidade internacional.
Além disso, a advogada destacou que tais dispositivos confrontam diretamente a norma técnica de prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes, estabelecida pelo Ministério da Saúde.
As declarações da advogada da OAB Goiás ressaltam a importância do respeito aos direitos humanos e à legislação internacional, bem como a necessidade de revisão e adequação de dispositivos legais que possam violar esses princípios fundamentais.
Thais Moraes, também expressou sua preocupação com a recente legislação que, segundo ela, representa um retrocesso nos direitos das mulheres. Moraes enfatizou que, embora haja uma justificativa para a existência da lei, certos artigos inseridos violam conquistas importantes alcançadas ao longo do tempo para valorizar e proteger a vida de meninas e mulheres no país.
Segundo Moraes, a análise minuciosa da legislação envolveu pareceres de três comissões diferentes da OAB: a Comissão da Mulher Advogada, a Comissão de Direito Médico e de Saúde, e a Comissão de Direito Constitucional. Todos os pareceres apontaram para a flagrante inconstitucionalidade dos artigos em questão.
Diante disso, a OAB decidiu não iniciar um processo separado, pois já há três processos em tramitação relacionados ao mesmo objeto. Moraes explicou que a decisão de não iniciar um novo processo se deve ao fato de que os casos já existentes abordam a mesma causa de pedir e o mesmo objeto, e um julgamento unificado seria mais produtivo.
Moraes, em sua análise crítica do dispositivo legal em questão, destacou dois pontos que considera flagrantemente inconstitucionais. Segundo a advogada, esses pontos se encontram no artigo terceiro da lei, exigindo uma revisão cuidadosa para garantir a conformidade com os princípios constitucionais.
O primeiro ponto abordado pela advogada refere-se ao inciso quinto do referido artigo, que prioriza a manutenção da vida do nascituro. Moraes argumenta que essa redação inverte a ordem valorativa já estabelecida em atos normativos nacionais, cuja competência é da União, tornando-a inconstitucional.
O segundo ponto diz respeito ao inciso sexto do mesmo artigo terceiro, que garante ao Estado o fornecimento de um exame a partir da terceira semana de gestação. Para Moraes, essa medida representa uma intromissão excessiva na esfera da intimidade das mulheres, que não cabe ao Estado, mesmo que de forma facultativa. Ela ressalta que o sistema único de saúde tem como objetivo principal salvar vidas e amenizar sofrimentos físicos ou psíquicos, não cabendo aos juízes a atribuição de julgar condutas ou promover proselitismo religioso.
Por fim, Moraes conclui que o inciso VI é incompatível tanto com a Constituição da República quanto com a Constituição do Estado de Goiás.
A lei sancionada pelo Governador do Estado de Goiás, Ronaldo Caiado (UB), publicada no Diário Oficial do Estado 24.201 de 11 de janeiro de 2024, é de autoria do ex-deputado estadual Fred Rodrigues. Eleito deputado em 2022 com 42,7 mil votos, Fred teve o seu mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em dezembro de 2023. Na ocasião, os sete ministros da Corte votaram, por unanimidade, pelo provimento da ação.
O texto estabelece a data de 8 de agosto como o “Dia Estadual de Conscientização contra o Aborto” e prevê a realização de palestras e seminários sobre os riscos do aborto, a prestação de assistência psicológica e social às mulheres grávidas que queiram abortar, priorizando a manutenção da vida do feto, e o oferecimento a mulher de exame de ultrassom com os batimentos cardíacos do nascituro.