Quase lá: Por que o Conselho Federal de Medicina ataca tanto as mulheres?

Neste momento, vemos como o contexto de retrocessos e de ataques aos direitos reprodutivos, de fato, impacta a vida das mulheres, pois as barreiras de acesso aos serviços que já existem, se tornam ainda mais graves e explícitas.

frente abortoNota referente ao 18 e 28 de Maio

destacando a catástrofe no Rio Grande do Sul e os retrocessos em Brasília

O mês de maio tem duas datas muito importantes para meninas, mulheres e pessoas que gestam: dia 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, e no dia 28 de maio é o Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher e Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna. Ainda hoje, muitos casos de óbitos de gestantes ocorrem por que o profissional de saúde supõe ser possível “aguentar mais um pouquinho”, e negligencia que algumas pessoas, com condições graves de saúde, sequer poderiam ter engravidado, quem dirá, seguir com uma gestação. E pior, muitas pessoas nesta situação sequer são informadas do seu risco reprodutivo, e seu direito de escolha não é considerado, de modo que elas não podem decidir sobre suas próprias vidas.

Catástrofe no Sul

Neste mesmo mês, a natureza se insurgiu no Rio Grande do Sul contra os impactos ambientais gerados por um capitalismo predatório, que valoriza o lucro em detrimento da vida para aumentar a riqueza dos já muito ricos, e a pobreza dos mais pobres. O abandono de pautas sociais e ambientais pelos políticos negacionistas ceifou vidas, bens, memórias, vínculos sociais. Em meio a toda essa degradação ambiental e emergência climática chamamos a atenção para as injustiças reprodutivas que são potencializadas em todo em contexto de crise, fazendo com que a situação das mulheres, sejam elas refugiadas climáticas, expostas a situações de vulnerabilidade, em lares violentos ou não, se agrave, as desigualdades se acentuem, apresentando-se mais barreiras no acesso a serviços e direitos sejam mais violados. Foi assim na epidemia do Zika, na emergência sanitária da COVID-19, e estamos assistindo acontecer novamente no RS.

Diante disso, a FNPLA se solidariza com todas as pessoas afetadas, em especial as mulheres, meninas e pessoas que gestam, que têm vivido um cenário de horror em suas vidas, com perdas imensuráveis, agravado pela condição socioeconômica, o racismo patriarcal cisheteronormativo, a violência física, psicológica e sexual. Elas são vítimas do mesmo projeto capitalista predatório da natureza, que se sustenta sobretudo nas desigualdades de gênero, raça e classe. Repudiamos as situações de violências que tem ocorrido em abrigos e até mesmo dentro das casas, próprias ou de familiares, pois sabemos que a maioria dos casos de violência sexual contra mulheres e meninas é praticada por pessoas próximas, seja por familiares como pai, padrasto, avós e tios; por ex e parceiros íntimos, ou por supostos “amigos”.

Retrocessos em Brasília

Neste momento, vemos como o contexto de retrocessos e de ataques aos direitos reprodutivos, de fato, impacta a vida das mulheres, pois as barreiras de acesso aos serviços que já existem, se tornam ainda mais graves e explícitas. Efetivas em negar direitos, tais barreiras são hoje ampliadas e ratificadas pelo Conselho Federal de Medicina, que tem por Missão: “… assegurar, defender e promover o exercício legal da Medicina, as boas práticas da profissão, o respeito e a dignidade da categoria, buscando proteger a sociedade de equívocos da assistência decorrentes da precarização do sistema de saúde”, e que, em seu site, afirma: “em sua longa trajetória, o CFM sempre teve o compromisso de defender a boa prática médica e, ao mesmo tempo, garantir a defesa da saúde da sociedade, adotando uma política de saúde digna e competente”.

No entanto, nos últimos anos, o CFM tem apoiado práticas incompatíveis com sua missão, favorecendo o negacionismo e indo contra as evidências científicas, quebrando inclusive o sigilo de prontuários, o que por si só configura prática antiética, contra a lei e o próprio código da entidade profissional. Prova disso é a Resolução 2.378/2024, publicada pela entidade com objetivo de proibir os médicos de realizarem a assistolia fetal em casos de gestações com mais de 22 semanas nos casos de aborto, o que demonstra a falta total de compromisso dessa instituição com a saúde pública e, especialmente a vida das mulheres. No Supremo Tribunal Federal a Resolução foi suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes, mas o estrago que causa uma Resolução como essa é enorme: a profissionais nos serviços de saúde que ficam inseguros e receosos de punições, aos próprios serviços que se fragilizam e acabam criando barreiras ao acesso e, finalmente, às usuárias dos serviços que se afastam dos mesmos com receio de serem maltratadas e criminalizadas.

Traduzindo esse estrago em números, relembramos que o resultado destas injustiças reprodutivas pode ser visto nos altos índices de mortalidade materna, violência obstétrica, altos números de violência sexual e partos de crianças e adolescentes, em detrimento de um número ínfimo de abortos permitidos por lei. No Brasil, a razão de mortalidade materna em 2022 foi de 57,7 óbitos de gestantes e/ou puérperas para cada 100 mil nascidos vivos, valor 92,3% maior do que o valor de referência de no máximo 30 óbitos, conforme orientado pelos ODS da ONU. Além disso, salienta-se que a razão de mortalidade materna de mulheres negras foi duas vezes maior do que para mulheres brancas. Este alto indicador, denuncia mortes que poderiam ter sido evitadas, caso o direito ao cuidado de qualidade, equânime e sem discriminação e no tempo oportuno fosse ofertado, isso inclui, a possibilidade de acessar o aborto por risco de vida da pessoa gestante, previsto em Lei.

Diante de todo o exposto, questionamos: com qual objetivo o CFM faz uma resolução desse tipo? Com qual finalidade? Onde fica seu compromisso constitucional e ético com a saúde da população? Não sabem os médicos que o aborto é um evento reprodutivo comum na vida das mulheres, quer queiram, quer não? Que o aborto e a mortalidade materna são graves questões de saúde pública no Brasil? Não sabe o CFM que existem casos em que o aborto é permitido no país: seja por risco de vida, por estupro ou por anencefalia? Além disso, o risco materno é 5 x maior para meninas menores de 14 anos e são essas as mais afetadas por tal resolução inconstitucional, sendo forçadas a gestar após ser estupradas, violentadas?

Nesse sentido, é imprescindível que o Estado brasileiro tome providências para proteger mulheres, meninas e pessoas que gestam, que estão em maior situação de vulnerabilidade social. É imprescindível que sejam garantidas condições mínimas de dignidade para essas pessoas, com acesso a saúde integral, incluindo a saúde sexual e reprodutiva. Dizemos mais, é urgente que medidas de garantia dos direitos sexuais e reprodutivos sejam tomadas, pois estas pessoas estão em situação de risco. É preciso que o aborto legal seja garantido para todas aquelas que necessitarem, assim como o acompanhamento pré-natal e boas condições de parto e nascimento, para que esta catástrofe não seja o ponta pé inicial para o desenrolar de uma série de outras tragédias na vida das mulheres, culminando com o aumento da violência obstétrica e das mortes maternas. Exigimos enfim que os governantes atuem com a devida diligência para evitar danos ainda maiores para as crianças, mulheres e pessoas que gestam que estão na iminência de se tornarem vítimas de violência sexual e/ou apresentar risco reprodutivo acentuado, e que portanto necessitam realizar o aborto legal.

Seguimos denunciando o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, assim como seguimos enfrentando a mortalidade materna, que ainda se faz muito presente na vida das mulheres brasileiras, sobretudo negras e empobrecidas do Norte e do Nordeste, mesmo após o fim da pandemia do Covid-19. Seguimos lutando por direitos, melhores condições de vida e saúde, para que mulheres, meninas e pessoas que gestam tenham uma vida digna, segura e livre de violência, em que seu direito de escolha seja respeitado e garantido pelo Estado. Desse momento em diante, seguimos pedindo especial atenção às vítimas das enchentes no Estado do Rio Grande do Sul, estejam em abrigos ou nas ruas, considerando haver pessoas em barracas e dentro de seus carros, agravando o risco de violências.

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