Entrevista com Carmen Campos, advogada e assessora técnica da organização THEMIS.

CFEMEA - Que fatores provocam a violência doméstica?

Carmen - São muitos, mas o fator cultural que determina um papel subalterno à mulher, nas relações entre homens e mulheres, não pode ser desconsiderado. Igualmente, vivemos em uma sociedade que cultiva muitas formas de violência, e a violência contra a mulher e crianças é mais uma forma. Além disso, o Direito, ao não sancionar condutas consideradas violadoras de direitos humanos, contribui para uma sensação de permissibilidade da violência.

CFEMEA - É possível traçar um perfil da mulher que sofre violência doméstica?

Carmen - Infelizmente, não temos estatísticas nacionais confiáveis, que possam traçar um perfil das mulheres. Se considerarmos as ocorrências policiais, temos um perfil de mulheres pobres, baixa escolaridade, e faixa etária variável. No entanto, essa estatística é bastante limitada, pois não retrata fielmente o perfil das mulheres que sofrem violência e que ocorre em todas as classes sociais. O que muda é a forma de encaminhamento da solução.

CFEMEA - O que deve fazer a mulher que vive situações de violência doméstica?

Carmen - Primeiro, tentar romper o medo, a vergonha e o silêncio que a violência impõe, por meio da família e amigos. Sair do isolamento. Segundo, buscar alternativas jurídicas e sociais para romper a situação de violência.

CFEMEA - Qual a importância das casas-abrigos?

Carmen - As casas-abrigos são importantes na medida em que recebem mulheres em risco e que não têm para onde ir. Algumas casas oferecem apoio psicológico e acompanhamento, inclusive após o período de permanência na casa. São suportes importantes.

CFEMEA - Quais são os principais problemas legais, no Brasil, em relação ao combate à violência doméstica?

Carmen - Os principais problemas dizem respeito ao tratamento jurídico dado aos casos de violência contra as mulheres. Os Juizados Especiais Criminais não foram concebidos para atender casos de violência. Foram pensados para violência eventual, de homens contra homens e delitos de trânsito. Não oferecem uma saída positiva.

CFEMEA - E quanto às políticas públicas?

Carmen - As políticas públicas ainda sofrem de fragmentação e são bastante tímidas. É necessário que se pense seriamente o problema, que sejam elaboradas políticas públicas em todos os níveis da esfera administrativa e em todas as áreas.

CFEMEA - É possível afirmar que, cada vez mais, este problema tem deixado de ser um fenômeno invisível e privado e passou a ser tratado como um problema social?

Carmen - Acredito que sim. Os Juizados cumpriram o papel de "publicizar" a violência já que estão julgando inúmeros processos de violência conjugal. No entanto, o tratamento enquanto problema social é bastante tímido.

CFEMEA - O Estado deve combater a violência doméstica. E qual é o papel da sociedade?

Carmen - O Estado deve cumprir a Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que estabelece suas obrigações no combate à violência doméstica. A sociedade, por sua vez, não pode se omitir e deixar o problema para o Estado. A violência é um problema da sociedade e por todo/as deve ser combatido.

CFEMEA - A partir da década de 70, o movimento feminista intensificou suas mobilizações a fim de tirar as mulheres dessa situação de risco. De lá para cá, qual é a avaliação?

Carmen - É positiva porque a violência saiu da invisibilidade do mundo privado e ganhou publicidade. Hoje em dia, se fala muito sobre o fenômeno da violência e muitas ações estão sendo feitas. O movimento feminista é responsável por inúmeros avanços nessa área.

CFEMEA - E quanto às atividades desen-volvidas pela THEMIS?

Carmen - Realizamos um trabalho de afirmação da cidadania feminina, por meio da formação de Promotoras Legais Populares. Também buscamos alterar a compreensão que os operadores de direito têm sobre a violência contra as mulheres, através da advocacia feminista e de nossas publicações.


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