Romper o ciclo de violência não é uma tarefa fácil para as vítimas. Se a relação com o agressor for de intimidade e dependência, é mais difícil ainda. Há um ano, mulheres submetidas a tal realidade contam com uma poderosa aliada para sair dessa condição - a lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Ainda não é possível mensurar seu impacto real no número de brasileiras livres da violência doméstica e familiar, mas já é possível apontar ganhos importantes na consolidação da legislação que garante, além do recrudescimento da punição ao agressor, instrumentos para prevenir a violência, para proteger a vítimas e seus/suas dependentes, e para garantir a elas assistência policial e jurídica adequadas.

As discussões sobre a inconstitucionalidade da lei - tão comuns na época da promulgação - perderam força. Hoje, já estão superadas questões como a infração do princípio da igualdade previsto na Carta Magna, sobre retirada dos casos de violência doméstica e familiar do âmbito dos Juizados Especiais Criminais (JECRIMS) e a definição da regra de transição, que estabelece que os casos de violência contra as mulheres devem ser encaminhados para as varas criminais até serem criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres. "A própria instalação desses juizados mostra que o poder judiciário está se articulando para colocar a nova legislação em prática", afirma a assessora parlamentar para a área de Direitos Humanos do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), Myllena Calasans.

De acordo com levantamento feito pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, até agosto de 2007, haviam sido instalados 38 juizados ou varas em 12 estados, além do Distrito Federal. Outras 86 dessas instâncias foram adaptadas para atender os casos previstos na nova lei.

Mas para que a Lei Maria da Penha saia, de fato, do papel, é preciso ainda muito esforço do Poder Público nos âmbitos federal, estaduais e municipais no sentido de colocar em prática todos os instrumentos previstos. São casas-abrigos, centros de referências, delegacias especializadas, que só podem ser implementados no âmbito dos estados e municípios.

Os serviços de prevenção e proteção às vítimas ainda estão concentrados no Sudeste. Das 400 delegacias especializadas em atendimento à mulher, cerca de 40% estão em São Paulo. Os maiores desafios são a interiorização e o aumento da qualidade do atendimento, além da própria divulgação da lei. A maior parte das medidas previstas - serviços de saúde, casas abrigo, núcleos de defensoria pública - tem de acontecer nos estados e municípios, mas isso ainda não é prioridade no planejamento governamental. Espera-se que, o processo de elaboração dos Planos Plurianuais (2008-2011) dos estados e do governo federal sinalize compromisso dos governantes com a inclusão dessas ações, bem como a garantia de recursos para a ampliação e melhor qualificação das equipes de atendimento.

Um esforço merecedor de destaque é o papel que os movimentos de mulheres e feministas vêm desempenhando para implementar a lei. As ações das organizações, dos movimentos e de militantes autônomas vão desde a ocupação das ruas; divulgação da lei de porta em porta; a mobilização na II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres ao exigirem dos governos nas três esferas da federação a implementação da lei; até a fiscalização dos atos do Executivo e o monitoramento das decisões do Judiciário.

REGISTRO DE QUEIXAS - Nesses 12 meses de vigência ainda não foi possível identificar o real impacto da lei na redução dos casos de agressão física. Em algumas regiões como o Distrito Federal e São Paulo, os índices de denúncia caíram. Em outros locais, como Pernambuco e Santa Catarina, porém, houve um salto grande.

Alguns especialistas acreditam que a redução das queixas seja, na verdade, não notificação dos casos de violência, já que as vítimas poderiam se inibir com medo da prisão em flagrante dos parceiros. Isso porque, na época da divulgação da lei, teria sido dada grande ênfase ao fato de que, uma vez feita a ocorrência policial, a vítima não pode retirar a queixa. Para sanar esses problemas, é preciso colocar em prática os instrumentos de informação e divulgação de direitos, previstos na própria lei.

Mas essas são apenas hipóteses e evidenciam a necessidade de se implantar o sistema nacional de informações sobre a violência contra as mulheres e a importância do observatório da Lei Maria da Penha. Assim, será possível monitorar as ações empreendidas pelo país e fazer eventuais ajustes para a efetivação na nova legislação, de forma a garantir uma vida sem violência para as brasileiras.

O que fazer para mudar a realidade

Com o intuito de aumentar o entendimento e a eficácia da Lei Maria da Penha, o CFEMEA está lançando a cartilha Lei Maria da Penha: do papel para a vida. Trata-se da primeira publicação sobre o texto jurídico que orienta como atuar nas três fases do ciclo orçamentário (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual) no nível federal, nos estados e municípios e então colocar em prática o que prevê o documento.

A proposta surgiu da necessidade de dar continuidade ao processo de implementação da lei, depois de sua aprovação. A instalação dos instrumentos que ela prevê e a preparação de pessoal para atendimento adequados às mulheres dependem da destinação de recursos. Se tudo isso não estiver contemplado nos planejamentos das unidades da federação, não há como as cidadãs verem seus direitos garantidos.

Leitor@s poderão ainda encontrar no texto a lei comentada; informações sobre a história de Maria da Penha Fernandes, que deu nome ao documento; e sobre o histórico da luta do movimento feminista para a aprovação do texto.

Os cinco mil exemplares serão distribuídos para entidades parcerias do centro. "Queremos que essas instituições sejam multiplicadoras do conteúdo", afirma Myllena Calasans. Outr@s interessad@s também podem ter acesso gratuito ao conteúdo na página eletrônica do CFEMEA (www.cfemea.org.br).


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