Juliano Barbosa
Assessor técnico júnior do CFEMEA
No dia 28 de setembro esteve em Referendo Constitucional no Equador a "nova constituição", que reformou certos aspectos econômicos e políticos do país. Possuindo diversos pontos polêmicos, a Constituição segue a reboque das demais democracias sociais da América Latina. No entanto, o que mais controvérsia gerou foi a possível "legalização do aborto" supostamente previsto no texto aprovado por cerca de 70% da população.
Analisando a redação da atual Constituição sobre o tema em questão e comparando com as constituições predecessoras, perceberemos que não há mudança significativa de tratamento, mas, na verdade, uma tentativa da igreja (ou de iniciativas religiosas) em retroceder num dispositivo previsto desde 1974. Nota-se, inclusive, um total despropósito do governo local em aprovar a legalização do aborto
A Constituição do Equador de 1974, reformada em 1984, já previa praticamente o mesmo artigo aprovado na Constituição referendada recentemente, vejamos: "é garantido o direito dos pais a ter o número de filhos que podem manter e educar".
Desde então, pouco ou nada se ouvia com relação à "legalização" do aborto promovida pelo governo do Equador, ou mesmo sobre outros temas mais resistentes à incorporação legislativa, a exemplo da possibilidade de matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, agora referendada e também já "possível" desde 1978, eis que naquele país, nunca se falou que matrimônio deveria ser entre homem e mulher, mas entre pessoas. Portanto, a polêmica gerada pelas representações religiosas no referendo recente não se referia a uma inovação no texto constitucional, mas uma forçada oportunidade desse segmento em retroceder a autonomia das pessoas sobre seus direitos reprodutivos. O governo equatoriano em nada evoluiu ou revolucionou neste âmbito, apenas ratificou dispositivos anteriores que "deixam entreaberta a porta ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo", segundo o presidente da Conferência Episcopal, monsenhor Antonio Arregui. Os artigos constitucionais ora mencionados não dizem que abortar será exercício de um direito. Em outras palavras, não há aborto legal no Equador, apenas o direito da família em decidir quantos filhos quer ter e o respectivo aval do Estado.
O que se constata nesse caso, como tem ocorrido no Brasil, é uma tentativa articulada de retroceder em direitos já conquistados, em restringir autonomia de mulheres e famílias, pois não existe nenhuma previsão de abrir espaço para o aborto legalizado.
Ao ser questionado sobre a possibilidade de "expropriação da propriedade privada", "união das pessoas de mesmo sexo" e "legalização do aborto", o próprio presidente do Equador afirmou que "muitas dessas interpretações provem da oposição que, com má intenção, pretendeu criar medos e incitar a população a votar negativamente na votação." (informa o site oficial da presidência). Em especial sobre o aborto, o presidente afirmou categoricamente "que a nova constituição não apóia o aborto, pois o artigo 66 da mesma se fundamenta no direito das pessoas, e não das mulheres, em decidir quando e quantos filhos criar. Claramente se tratando de planejamento familiar." (http://www.presidencia.gov.ec/noticias.asp?noid=15902&hl=true)
Também como Lula, o presidente Rafael Corrêa se esquiva às demandas específicas das mulheres, mantendo risco de retrocesso e sem avanços de direitos. Apenas o movimento organizado de mulheres poderá lutar e forçar governos a descriminalizar a interrupção voluntária da gravidez e legalizar o aborto, abandonando tempos de dominação burguesa-cristã da sexualidade e da reprodução, encarando o aborto como questão de saúde pública, contra mortalidade de mulheres e, sinal de emancipação social, longe de conchavos entre Estado e igreja.