No final dos anos 80, forjamos os direitos sexuais e reprodutivos nas lutas dos movimentos de mulheres e feminista contra as políticas de controle de natalidade, em defesa da autodeterminação reprodutiva das mulheres; pela desconstrução da maternidade como um dever, pelo poder de decidir ter ou não ter filhos, pelo direito ao aborto legal e seguro, contra a homofobia/lesbofobia e por liberdade sexual.

A década seguinte (dos 90) foi de avanços. Em 1991, foi criada a Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, como uma instância nacional de articulação política, que difunde os direitos das mulheres à saúde como um direito humano, a atenção integral à saúde das mulheres e a sua participação no controle social da saúde. Além de defender a legalização do aborto como decisão que compete às mulheres. Neste período foi criada a Articulação de Mulheres Brasileiras (em 1994) e gestadas a Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras e a Marcha Mundial de Mulheres, que nascem em 2000.

Datam desses anos 90 importantes vitórias no campo legal e das políticas. Na área da saúde, a luta para a aprovação da Lei do Planejamento Familiar, foi feita de muitas batalhas e, na maioria delas, fomos vencedoras. As políticas controlistas, de vieses racistas, foram denunciadas e proibidas; a garantia de atenção para a contracepção e concepção pelo Sistema Único de Saúde, assim como a realização de cirurgias para a esterilização feminina e masculina, foi outra conquista dos movimentos de mulheres. E, por outro lado, uma derrota sem tamanho dos segmentos religiosos fundamentalistas que até então haviam conseguido proibir que esses atendimentos fossem prestados pelo SUS.

Nas políticas públicas de saúde, são bons exemplos de avanços a instalação dos primeiros serviços de atendimento aos casos de aborto legal em várias capitais, no início da década dos 90 e, no final, a publicação da Norma Técnica do Ministério da Saúde para a "Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra Mulheres e Adolescentes", que orienta todo o SUS para o atendimento da interrupção da gravidez nos casos previstos em lei.

Mas os direitos sexual e reprodutivo não se resumiram à saúde. Nos anos 90 a legislação passou a punir o assédio sexual, a união estável entre casais heterossexuais foi reconhecida e teve direitos garantidos em lei, a licença maternidade foi regulamentada e assegurada às empregadas e demais trabalhadoras (camponesas, avulsas, liberais etc). Enfim, há muitos exemplos que não cabem no espaço deste artigo.

Tanto em âmbito nacional e internacional, houve avanços. A arena política local alimentava a internacional e vice-versa. Aliás, a noção de direito sexual e direito reprodutivo ganhou definitivamente o debate internacional dentro do Ciclo de Conferências das Nações Unidas, em especial nas Conferências de População e Desenvolvimento / Cairo´94; e na Conferência Mundial sobre a Mulher / Beijing´95.

Na década atual, a primeira do século XXI, a adoção do modelo neoliberal mostrou seus resultados. Ao invés de se construir um Estado para a garantia de direitos; se desmontou a estrutura já insuficiente que havia: crescimento econômico a custa de recessão social. Tal conjuntura implicou dificuldades redobradas para a efetivação dos recém criados e ainda frágeis direitos sexuais e reprodutivos.

Naquele momento, os movimentos de mulheres tiveram uma atuação expressiva com vistas à transformação social. Dez instâncias nacionais do movimento somaram esforços e mobilizaram um grande ciclo de debates em todo o país para a construção da Plataforma Política Feminista, finalmente aprovada na Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras. Legalizar o aborto, garantir a autonomia das mulheres, cobrar a responsabilidade do Estado com a saúde reprodutiva e a atenção integral à saúde das mulheres foram algumas das prioridades apontadas em relação aos direitos sexuais e reprodutivos.

A eleição de Lula à Presidência da República, em 2002, catalisou a insatisfação popular. Frente ao novo governo, os movimentos de mulheres se mobilizaram e pressionaram os Poderes Legislativo e Executivo, exigindo garantias e medidas concretas para proteger e promover os direitos sexuais e reprodutivos, e conseguiram alguns avanços importantes neste sentido, durante o primeiro mandato (2003-2006).

Mas foi no atual mandato do presidente Lula que os efeitos das alianças do governo com os segmentos fundamentalistas religiosos ficaram mais evidentes. A combinação conservadora, quase teocrática, entre religião e fidelidade política, resultou em sucesso eleitoral. No Parlamento, esse tipo de aliança torna minorias absolutas em maioria, na medida em que os acordos são todos negociados. E nessas negociações há quem ataque os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, e há quem creia que dá para negociar a esse respeito.

Vivemos tempos difíceis, porque são poucas as mulheres, e os homens nos espaços de Poder não estão dispostos a negociar os nossos direitos. Afinal, nunca nenhum direito nos foi dado de presente. Nestes 20 anos, tudo foi conquista da nossa ousadia, da nossa luta, organização, mobilização, pressão. Foi assim que criamos, afirmamos e consolidamos um novo campo do Direito - os sexuais e reprodutivos, transformando consciências, tocando corações e mentes, mobilizando mudanças culturais importantes na sociedade, fazendo política. Enfim, as conquistas das últimas décadas são construções tão recentes quanto profundas. E com certeza, são elas que vão nos alicerçar para enfrentar os enormes desafios que temos pela frente.


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