Nina Madsen
Socióloga e integrante do Colegiado de Gestão do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA)

Estamos diante de um cenário político de retrocessos graves e crescentes. Temos observado as piores expressões do conservadorismo e do fundamentalismo religioso que se multiplicam e se fortalecem no Congresso Nacional. Grupos religiosos que, para fazerem avançar seus interesses políticos e econômicos, construíram como estratégia a ocupação de espaços em todas as esferas do poder público no Brasil, o controle de meios de comunicação de massa e, como bandeira unificadora, o ataque sistemático e concentrado aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e aos direitos da população LGBT.

A situação é séria e o momento é dos mais delicados. Não só pela força crescente desses grupos, mas especialmente porque essa força cresce na mesma proporção em que colapsa nosso sistema político e em que estanca o projeto político democrático e popular que, imaginávamos, iria (re)orientar os rumos do Estado brasileiro.

O governo federal decretou o fim da miséria e, paralelamente, o surgimento de uma “nova classe média” consumidora que, ao que tudo indica, é na sua maioria evangélica. É para esse grupo que estão sendo orientadas suas políticas e estratégias eleitorais, e em nome de quem o governo está repensando sua agenda social. Nesse embalo, a agenda de direitos humanos está cada vez mais escondida, cada vez mais silenciada, no âmbito do Executivo federal.

As repercussões desse silêncio no Legislativo vêm sendo percebidas há alguns anos e, nos últimos meses, foram escancaradas pela chegada do PSC de Marco Feliciano à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. A ofensiva tem, desde então, se intensificado. Só para citar os mais graves, tramitam atualmente no Congresso o Estatuto do Nascituro (PL 487/2011), a PEC 99/2011 (que permite que instituições religiosas questionem decisões do STF), a PEC 33/2011 (que permite que o Legislativo revogue decisões do STF), e o requerimento para instalação de uma CPI do aborto absolutamente inconstitucional e sem fundamento, mas que, apesar disso, já conta com mais de 170 assinaturas de parlamentares da Casa.

A pressão dentro do Legislativo é também sentida fortemente no Executivo, que tem cedido cada vez mais às pressões desses grupos - os quais contam, é importante mencionar, com uma base eleitoral considerável. E para quem ainda acha que alguns direitos valem mais do que outros, ou que algumas lutas importam mais do que outras, vale lembrar que a Frente Parlamentar Evangélica e a Bancada Ruralista caminham juntas em nosso Congresso. Não adianta escolher uma e esquecer a outra.

Compondo com esse quadro deveras assustador, está a recente visita da Vossa Santidade o Papa Francisco, que tem mobilizado também as forças católicas dentro do governo - essas mais antigas e com lugares já bem marcados nas instituições do poder público brasileiro.

Católicos e evangélicos somam, mais ou menos, 90% da população brasileira. É muita gente. E, por mais que essa população não seja nem de longe toda composta por conservadores obscurantistas como aqueles que têm ocupado nosso Congresso Nacional, há gente suficiente para seguir elegendo Bolsonaros, João Campos e Marcos Felicianos da vida.

Sim, o quadro é preocupante. A profundidade e a dimensão dos problemas que agora emergem explicitamente não podem ser ignoradas. Precisamos de um novo sistema político, que dê fim aos vícios e privilégios que o atual endossa. Precisamos de renovação política e ideológica dentro dos partidos políticos que historicamente apoiamos - é hora de sair dos armários do poder e de retomar as lutas e compromissos históricos que os constituíram.

Precisamos de movimentos sociais autônomos, fortalecidos e dispostos a enfrentar esse momento com coragem e desprendimento. Precisamos de um Estado eficiente, mas que não abandone o projeto político e os princípios democráticos e igualitários que o refundaram, nos idos ainda recentes de 1988.

A hora é essa. Precisamos de mais e novas canções para fazer dormir as crianças e despertar mulheres e homens. Se o risco do enfrentamento é alto, maior é o do silêncio e o da conivência.


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