A Lei de Cotas traz para a cena política o questionamento em relação à representação das mulheres nas instâncias do poder.
Ao observarmos os resultados das eleições de 1998, tendo como eixo o desempenho das mulheres, alguns dados nos chamam a atenção. Um deles, é o crescimento da discussão política em torno da participação e representação das mulheres nos espaços de poder, em particular, na medida em que vivíamos um período eleitoral, nos espaços do executivo e legislativo.
Para tanto foi fundamental a vigência de uma política de cotas, para as eleições para a Câmara Federal e Assembléias e Câmara Legislativas, pois esta abriu espaços para mais mulheres participarem diretamente do processo político, enquanto candidatas, e obrigou os partidos políticos a pensarem nos seus quadros partidários femininos, e na sua própria fragilidade nesse campo. Não é sem motivo que todos os partidos políticos, em maior ou menor grau, tiveram dificuldades em completar a cota mínima de candidaturas, efetivando a proporção, estabelecida em lei, de 25% no mínimo e de 75% no máximo, para qualquer um dos sexos.
Antes de qualquer avaliação mais aprofundada, vale a pena destacar que a lei de cotas não é uma solução mágica. Ela é um instrumento que possibilita uma participação maior das mulheres na esfera política, mas não assegura, por si só, resultados eleitorais. Outro dado a destacar é que a política de cotas não se resume a resultados eleitorais. Ela cumpre outro papel, nesse outro sentido, o de trazer para a cena política o questionamento em relação à participação e representação das mulheres nas instâncias de poder, e de colocar o tema na mídia, nos partidos, etc., tendo sido bastante eficiente e efetiva, já num curto prazo.
Mesmo com as cotas, e o crescimento de candidaturas de mulheres que a mesma propicia, foi ainda bastante reduzido, tanto o número de mulheres candidatas, quanto o de eleitas. No caso das eleitas, vamos encontrar diferenças significativas, dependendo do cargo eletivo em disputa. Para as Assembléias e Câmara Legislativas, tivemos um crescimento do número de mulheres eleitas, já para a Câmara Federal este número reduziu-se.
O que podemos observar é que, de uma maneira geral, o aumento no número de candidaturas teve impacto ainda muito reduzido sobre o número de mulheres eleitas. Observando, por exemplo, o estado de Minas Gerais constata-se que, de 1994 para 1998, o número de candidaturas femininas para a Câmara Federal cresceu em 106,6%. Mas, o crescimento em 50% do número de eleitas significou o aumento de apenas uma mulher (se passou de duas mulheres eleitas, em 1994, para três em 1998). Nesse Estado, para a Câmara Estadual, o crescimento das candidaturas femininas foi de 60% no mesmo período, e o aumento na porcentagem de mulheres eleitas correspondeu a 50%, passando-se novamente de 2 Deputadas Estaduais, em 1994, para 3, em 1998.
Se analisarmos os resultados do Estado de Pernambuco, estes dados se alteram pouco. Na Câmara Federal, o crescimento das candidaturas femininas foi de 100% neste mesmo período (cresceu de 6 candidatas, em 1994, para 12 em 1998), mas este crescimento não alterou a bancada do Estado, continuando Pernambuco sem nenhuma representante feminina eleita para a Câmara Federal. No caso da Assembléia Legislativa, mesmo com o número de candidaturas femininas para a Câmara Estadual crescendo 193% (15 candidatas em 1994 e 44 em 1998), o número de eleitas não se alterou, mantendo-se em duas mulheres eleitas.
Muitos fatores podem nos auxiliar na busca de um entendimento da redução do número de deputadas federais eleitas em 1998. Alguns valem para todo o país, outros são válidos apenas para alguns Estados, pois dizem respeito às particularidades estaduais ou regionais. A explicação para esta realidade não se encontra analisando apenas os números. Questões profundas de natureza cultural, social e econômica são cruciais para que cheguemos a uma compreensão mais aprofundada do quadro atual.
Em primeiro lugar, não existe uma relação direta e imediata entre o número de candidatas e o de mulheres eleitas. Para um crescimento efetivo das mulheres nos espaços poder, devem existir também mudanças significativas no perfil do eleitorado e na concepção deste mesmo eleitorado (mulheres e homens) em relação à política. É necessário transformar uma visão culturalmente construída, de mulheres e homens, de que as mulheres não são capazes de exercer a atividade política e que este não é o seu lugar.
Não podemos esquecer, também, da enorme dificuldade que é, para as mulheres, a tentativa de participação e de inserção nestes espaços. Esta dificuldade é elevada ao quadrado, se pensarmos em cargos que necessariamente tem de alterar todo um esquema de vida, como por exemplo assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados.
Em 1996, quando se avaliava o crescimento do número de mulheres eleitas para a Câmara de Vereadores, como questionamento ao argumento de que o crescimento do número de mulheres eleitas estaria baseado, em grande medida, na adoção, pela primeira vez no Brasil, de uma política de cota mínima, alguns pesquisadores e pesquisadoras argumentavam que este crescimento se devia a um movimento inercial. Isto é, já existiria uma tendência a um crescimento, decorrente da maior inserção da mulher no mercado de trabalho, apropriação da sua reprodução, melhor nível de escolaridade, entre outros. Mas este argumento não dá conta do resultado de 1998, ao menos quando se fala das eleições para a Câmara Federal. De que inércia se falava naquele momento? Se há este crescimento inercial, que fatores contribuíram para retrair a eleição de mais mulheres? Que impactos tiveram sobre os resultados eleitorais a exigência de cotas mínimas e o estabelecimento de um número de candidaturas 50% maior do que o da eleição passada?
Ao analisarem os números das eleitas, os jornais afirmaram a responsabilidade das mulheres pela redução das eleitas. Entretanto, em nenhum momento, a desvantagem das mulheres em função do aumento no número de vagas para candidaturas foi mencionado. Esse crescimento e a conseqüente maior pulverização dos votos pode ter sido um dos fatores que influenciaram o resultado. E esta pulverização se deu não apenas como conseqüência do aumento generalizado de candidaturas, mas também do aumento do número de mulheres candidatas. Antes algumas poucas mulheres disputavam o voto, hoje a competição entre as próprias mulheres cresceu. Um exemplo bastante significativo é o do Estado de Tocantins, pois o aumento do número de candidaturas femininas, apesar de significativo (único estado a superar a quota mínima, atingindo 29,55% de candidaturas de mulheres para a Câmara Federal), não resultou na eleição de uma única mulher.
Outro fator que pode ter influenciado no resultado é o encarecimento dos custos de campanha e sua crescente profissionalização. O maior impacto observado em relação ao número de candidatos sobre o número de eleitos quando se trata do sexo masculino parece poder ser explicado pelo encarecimento das campanhas eleitorais: os homens teriam melhores condições de financiar suas campanhas, além de um apoio partidário mais efetivo.
É preciso que a queixa dos partidos políticos, que reclamam da falta de mulheres candidatas seja utilizada no sentido de fazer com que estes mesmos partidos comecem a investir na formação e valorização dos seus quadros femininos, capacitando-os e dando-lhes o apoio e estruturas necessárias para uma disputa eleitoral.
Por outro lado, as próprias mulheres e suas organizações têm de investir também nesta capacitação para o exercício do poder, espaço tradicionalmente vedado às mulheres. Nesse sentido, a política de cotas nada mais é que uma política de inclusão, estimulando uma mudança de mentalidades e de práticas políticas.
A pequena participação e representação da mulher na política, e nos poderes políticos em geral, não se dá porque a mulher "não nasceu para isso", mas porque não foi estimulada/treinada/capacitada para praticar a ação política em espaços públicos. A conquista de espaços é evidente: nas universidades, no trabalho, em fóruns internacionais (Conferências da ONU - Cairo, Beijing....). E agora temos a oportunidade de investirmos, de maneira mais articulada, nos espaços de poder e de gestão social. Sem nos esquecermos de que, durante séculos, a mulheres foram impedidas de participar e de se fazer representar nesse campo. E não vai ser de uma hora para a outra que esta situação vai mudar.
A possibilidade efetiva de mudança, o que não constitui por si só uma garantia, provém, exatamente, da implementação de ações afirmativas, de estímulos sociais e da valorização da contribuição que as mulheres podem aportar aos processos de gestão da sociedade brasileira.