Quase lá: Topless e ecos feministas

Almira Rodrigues
Socióloga e Diretora Colegiada do Centro Feminista de Estudos e Assessoria - CFEMEA

O ano 2000 teve início com mulheres cariocas protagonizando acontecimentos e transformando cenários. No dia 16 de janeiro, um domingo de sol, Rosemeri Moura Costa, de 34 anos, fazia topless (retirada da parte superior do biquíni) em uma praia do Rio de Janeiro, quando foi abordada por policiais militares para que "se vestisse". Recusando-se a colocar o sutiã do biquíni, foi agredida e presa, como também o seu companheiro, por defendê-la. As cenas gravadas tiveram ampla divulgação na mídia, inclusive internacional, motivando, além de perplexidade e indignação, manifestações a favor do topless por parte de mulheres e de homens, e uma resolução por parte das autoridades do Rio de Janeiro, determinando que a Polícia Militar não interferisse mais em casos de topless nas praias cariocas.

O acontecimento e seus desdobramentos imediatos possibilitam algumas reflexões.

Inicialmente, merece destaque o fato de que a prática do topless é comum em praias da França, Grécia, Itália, Portugal e Espanha desde os anos setenta. No Brasil, a prática existe em várias praias brasileiras, ainda que não seja usual. No verão 2000 no Rio, as mulheres que vêm fazendo topless procuram romper com a associação da prática à idéia de ultraje público ao pudor, onde se inclui o "ato obsceno", e trazem outro significado, qual seja, o de ato de afirmação da individualidade, de escolha, de prazer, de autonomia e soberania das mulheres com relação ao seu próprio corpo. A ação dessas mulheres ousadas e corajosas enfrenta preconceitos, estimula debates e provoca mudanças de comportamentos e de mentalidades.

Nesse sentido, a agressão sofrida por Rosemeri e seu companheiro não foi em vão. Abriu para o reconhecimento, por parte do poder público, do direito das mulheres fazerem topless em praias cariocas. A decisão de autorizar a prática expressa o bom senso das autoridades, bem como a tolerância para com os comportamentos diferenciados, desde que, objetivamente, não signifiquem violação aos Direitos Humanos. Depois da violência de alguns policiais, a decisão de suspender a repressão a essas mulheres é um exemplo a ser seguido por autoridades em outras cidades do litoral brasileiro.

É importante destacar, também, que a violência daqueles policiais contra Rosemeri contrasta com a omissão da polícia diante da violência nas ruas e no trânsito, e com a impunidade de poderosos que praticam abusos e crimes corriqueiramente.

A violência daqueles homens policiais contrasta, ainda, com o apoio e a solidariedade do companheiro de Rosemeri e de outros companheiros que vêm se solidarizando com as mulheres na luta pela afirmação de sua cidadania.

A proposta de criação de áreas próprias para a prática do topless, apresentada por alguns, é infeliz por promover a segregação de mulheres e por se fazer acompanhar de uma dose de hipocrisia e de intolerância. Ademais, áreas de nudismo, institucionalizadasou consensuadas entre os seus frequentadores, já existem no país.

O direito de fazer topless se junta a outras conquistas, precedidas de lutas das mulheres e do apoio de setores progressistas e democráticos, à exemplo: do direito de voto das mulheres, conquistado em 1934; da igualdade de direitos e deveres na sociedade conjugal, conquistada somente em 1988, com a nova Constituição Federal; do direito ao planejamento familiar, regulamentado em 1996; do direito ao atendimento contra a violência doméstica e sexual em Delegacias de Mulheres, criadas a partir de 1985; do atendimento ao aborto nos casos previstos em lei, pela rede pública, nos anos noventa; e do direito à integralidade do salário-maternidade, suspenso em fins de 1998 e reafirmado em meados de 1999. Ao lutarem por mudanças em suas relações e situações cotidianas, as mulheres brasileiras estão contribuindo para a mudança de costumes e de mentalidades, e para a criação de dispositivos legais e institucionais que apontam no rumo de uma sociedade mais justa e humana.


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