Quase lá: Saúde materna no Brasil

Maria Laura
Ex-Deputada Federal (PT-DF)

Em 1999 colaborei com o CFEMEA no Projeto: Saúde Materna no Brasil: Discursos e Recursos. Esse projeto integra o Programa Direitos das Mulheres na Lei e na Vida – implementação de Beijing e Cairo 94.

Para efeito desse trabalho consideramos discurso os instrumentos legais, institucionais e os compromissos assumidos pelo Brasil, na forma de resoluções, nos fóruns internacionais, particularmente na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento no Cairo em 1994 e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing , 1995.

Quanto aos instrumentos legais, estabelecemos como referencial a Constituição de 88 e a Lei do Planejamento Familiar aprovada em 1996 que regulamentou o parágrafo 7º do artigo 266 da Constituição Federal que diz: “Fundado nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável é livre a decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.

A lei do Planejamento Familiar, além de ser fruto de um amplo processo de discussão e mobilização dos movimentos de mulheres que ecoou positivamente no Congresso Nacional, se constitui, a nosso ver no ponto máximo do discurso desse período e um importante instrumento de política pública de saúde da mulher. Essa lei define direitos e estabelece as ações de responsabilidade do Estado na área da saúde reprodutiva e de proteção a vida, daí a sua importância maior.

No que tange aos recursos, outra face do nosso objeto de trabalho, fomos buscar nas peças orçamentárias do período 95/99 a base para o delineamento de nossas constatações e análises.

Consideramos o orçamento público a expressão da vontade e da opção política dos governantes. É uma poderosa arma que os governantes dispõe para a concretização de suas opções políticas. Mesmo assim, no Brasil, muitas vezes e em alguns casos específicos o orçamento não vai além de uma carta de intenções. Um exemplo gritante é o que constatamos com o PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher) que, quando teve recursos alocados, a execução foi zero.

Uma constatação genérica, mas nem por isso menos importante, é que o avanço do discurso não guarda necessariamente uma correspondência com a efetivação de políticas públicas que se proponham a modificar a realidade. A partir daí procuramos responder se e como os avanços obtidos pelas mulheres, expressos no discurso, se revelam na opção política que o governo federal faz ao compor as peças orçamentárias.

Ressalta-se que a prioridade da atual política econômica não é a área social. Os compromissos financeiros internacionais são priorizados tanto na definição como na execução do orçamento. O relatório do Conselho Nacional de Saúde diz que: o pagamento de janeiro a junho de 1999 dos encargos e juros da dívida externa somou 26,2 bilhões de reais, quantia superior em 7 bilhões de reais ao orçamento da saúde para o exercício de 1999.

Além disso, quando analisamos o orçamento geral do Ministério da Saúde observamos uma execução superior a 90% no período observado nesse trabalho, porém a execução dos programas que visam direta ou indiretamente a melhoria da saúde materna apresenta-se baixíssima. Ressalta-se, portanto, que o orçamento tem caráter autorizativo ficando sua execução vulnerável a vários fatores.

Seguramente afirmamos que o mesmo governo que cumpre exemplarmente os compromissos financeiros internacionais engaveta os de ordem social, mesmo quando esses integram também agendas internacionais como os assumidos no Cairo e em Beijing, que visam à saúde da mulher.

Em conseqüência, constatamos que não houve alterações significativas no quadro da redução da morte materna no Brasil, o que é agravado quando se tem em conta que as causas das mortes são perfeitamente evitáveis e as vidas poderiam ser preservadas. Nos anos de 1985 e 1996 a taxa oscila entre 50,8 a 45,0 mulheres mortas para cada 100.000 nascidos vivos. A taxa de mortalidade materna em nosso país continua sendo 40 vezes maior do que a dos países industrializados. A Conferência de Beijing estabeleceu como meta uma redução desta taxa em 50% até o ano 2000.

Dentro dos limites deste artigo destacamos algumas das recomendações feitas no trabalho referido, são elas:

  • incentivar a popularização, a divulgação e o conhecimento do orçamento, dando maior visibilidade às questões que nele são relativas às políticas públicas sobre a saúde da mulher;
  • incentivar discussões no Congresso com representações sociais sobre a estrutura de elaboração do orçamento com vistas a possibilitar o controle social deste;
  • discutir o orçamento e sua importância para a implementação das políticas públicas, de forma sistemática para o movimento de mulheres, tentando obter apoio para que possamos um dia construir o que poderíamos chamar de “Orçamento Saúde da Mulher” ;
  • realizar campanhas de popularização da lei do planejamento familiar;
  • dar continuidade a este trabalho tendo como referência a lei de planejamento familiar para o acompanhamento das políticas de saúde referentes aos direitos reprodutivos e saúde materna;
  • aprofundar a discussão sobre a construção de indicadores de saúde materna e de métodos para acompanhamento destes: cobertura de pré-natal, consultas, cobertura hospitalar para o parto, coeficiente de morte materna, taxas de partos normais e cesáreas, cobertura pós-parto e outros;
  • realizar discussões de como avançar a coleta de informação e construção de estatísticas na óptica de gênero;
  • sensibilizar os movimentos de mulheres para, na campanha eleitoral municipal de 2000, incluir nas plataformas políticas compromissos com a aplicação de recursos da saúde para implementação da lei de planejamento familiar e com formas de efetivo controle social dos orçamentos municipais.

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