Documento elaborado nos dias 3 e 4 de dezembro, durante a reunião Aborto na América Latina e no Caribe - direitos das mulheres frente à conjuntura mundial, promovida pela Campanha 28 de Setembro - Dia pela Descriminalização do Aborto.
A Carta da Guanabara foi elaborada por 98 representantes de 27 países e lançada no dia 5 de dezembro, em Ato Público, na cidade do Rio de Janeiro.
Carta da Guanabara
Rio de Janeiro, 5 de Dezembro de 2001.
Aos Estados, aos organismos internacionais e à sociedade,
Nós, mulheres do mundo, na diversidade que representamos e no exercício de nossa cidadania, exigimos o DIREITO DE DECIDIR como expressão de LIBERDADE.
Falamos a partir de uma região onde a conquista das democracias está marcada por fortes processos, nos quais as mulheres foram - e são - protagonistas. Historicamente, as ideologias e as instituições restringiram os direitos das mulheres. As políticas neoliberais apenas produziram mais pobreza e exclusão. Há que erradicá-las para promover a justiça social e a solidariedade.
Mas, é diante do avanço de diferentes formas de fundamentalismo que atentam contra os direitos civis e políticos, econômicos, sociais e culturais de todas as pessoas, em qualquer parte do mundo, que unimos mais uma vez nossas forças para denunciar e enfrentar esta situação.
Os senhores da guerra, e todos aqueles que os apóiam, nunca se preocuparam com os direitos das mulheres. São senhores da guerra aqueles que impuseram a Lei Mordaça - uma regra de restrição financeira adotada pelo governo norte-americano - que afeta diretamente nossos países, ferindo direitos sexuais e reprodutivos e proibindo qualquer ação ou menção referente ao aborto.
Os direitos sexuais e reprodutivos foram criados e propostos pelo movimento de mulheres para tornar a vida social justa e democrática, e estender a idéia de igualdade e liberdade da esfera pública para a privada. Devem ser exercidos sem nenhum tipo de coerção ou discriminação, PORQUE SÃO PARTE DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA.
O DIREITO AO ABORTO É PARTE DOS DIREITOS HUMANOS. Penalizá-lo constitui discriminação e violência contra as mulheres. Os abortos praticados na clandestinidade e na ilegalidade afetam todas as mulheres e, de maneira especial, as mulheres mais pobres, colocando em risco sua saúde e sua própria vida, por não terem acesso a serviços seguros.
Para que se consolide uma vida social democrática é preciso que mulheres de todas as classes, raças e etnias, de todas as idades, de todas as culturas, com diferentes religiões e diversas orientações sexuais, possam controlar e tomar decisões sobre seus corpos, com o respaldo de um Estado laico.
Exigimos o respeito à capacidade intelectual e ética das mulheres de decidir autonomamente, e de forma responsável, sobre a sexualidade e a reprodução.
Exigimos a legitimidade das distintas razões pelas quais nós, mulheres, recorremos ao aborto.
Exigimos que os Estados cumpram os compromissos assumidos nas Conferências e Convenções das Nações Unidas e da OEA (Organização dos Estados Americanos) - pois são ferramentas que contribuem para eliminar as desigualdades sociais.
Exigimos a despenalização do aborto como questão de cidadania e justiça social.
Exigimos o direito de interromper a gravidez não desejada sem sermos acusadas ou tachadas de pecadoras ou delinquentes.
E, finalmente, convocamos todas as pessoas e movimentos comprometidos:
- com a promoção e proteção da vida digna e dos direitos humanos;
- com a luta contra a globalização neoliberal;
- com a sustentabilidade ambiental;
- com a defesa da justiça social e
- com a defesa da igualdade entre homens e mulheres, para se somarem a esta luta pela DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO e pelo exercício livre DOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS.
Queremos deixar, aqui, nossas marcas, no caminho rumo ao aprofundamento e defesa das democracias e ao fortalecimento das mulheres latino-americanas, caribenhas e de todo o mundo.