Ano 2002! Ano de Eleições Gerais! Dentro de poucos meses, estaremos escolhendo nov@s, governadores/as, deputad@s federais, estaduais e distritais, bem como senadores/as. Também iremos definir o novo ou a nova Presidente da República. Apesar das campanhas eleitorais não terem iniciado oficialmente, a corrida rumo aos cargos de poder já começou. Quanto à disputa pelo Palácio do Planalto, pela primeira vez, na história do país, uma mulher está ganhando espaço e visibilidade. Percebe-se a simpatia do eleitorado brasileiro em relação à governadora do Maranhão, Roseana Sarney.
Para @s mais atent@s aos acontecimentos políticos, o fato não deveria ser novidade. As pesquisas de opinião já apontavam o apoio da sociedade brasileira às candidaturas femininas. Conforme a pesquisa CNT/Sensus, realizada em setembro de 2001, a maioria d@s brasileir@s acredita que, quando ocupam cargos públicos - como prefeituras ou governos estaduais - as mulheres são mais honestas, responsáveis, confiáveis, competentes, mais firmes e mais capazes que os homens.
A mesma pergunta foi feita em janeiro de 2000, quando havia menos mulheres em cargos públicos eletivos. Entre um levantamento e outro, a balança ficou ainda mais favorável ao poder feminino. Naquela época, 57% d@s entrevistad@s consideravam que a mulher em cargos públicos é mais honesta do que o homem. No último levantamento, essa parcela subiu para 59%. No quesito "mais competente", o crescimento foi de 43% para 47,5%. Quanto à "firmeza", a alteração foi de 41% para 45%.
Ser mulher conta ponto na corrida eleitoral. E esta é uma vitória que tem de entrar no cômputo dos movimentos de mulheres. Das sufragistas do início do século passado até as mulheres sem medo do poder de agora, construiu-se na disputa política entre os gêneros um lugar de valorização da mulher. Roseana Sarney agora, assim como Marta Suplicy nas eleições municipais de São Paulo, alcançaram um tal grau de aceitação na opinião pública que têm o poder de pautar a agenda dos outros candidatos. De trajetórias na vida pública absolutamente distintas e caminhando por partidos opostos, elas pautaram no debate eleitoral o tema da discriminação contra a mulher. Agora, nenhum candidato à Presidência da República tem como escapar da discussão. É hora de aproveitarmos a oportunidade.
Com o objetivo de ouvir lideranças do movimento feminista sobre o assunto, apresentamos a seguinte pergunta a diversas mulheres: o que a pré-candidatura à Presidência da República, de Roseana Sarney, suscita no cenário político brasileiro?
Esperamos que os pontos de vista possam contribuir para uma séria reflexão sobre o poder do nosso voto, no sentido de promover uma verdadeira mudança sócio-política e econômica em nosso país. A seguir, as respostas que recebemos:
Lúcia Avelar
Cientista política
"As feministas perguntam-se: queremos mais mulheres na política ou queremos mulheres com consciência feminista?
No caso de Roseana, sabemos todos, ela não é feminista, é filha da oligarquia. Sem desmerecer sua candidatura, vamos pensar que o PFL estava sem quadros e bastante alquebrado com os últimos acontecimentos, envolvendo líderes maiores em crimes de corrupção. Deste modo, a candidatura Roseana representa a continuidade oligárquica que pratica a política tradicional brasileira na defesa secular de seus interesses.
Ter consciência feminista significa saber que os problemas de não-cidadania das minorias no país, entre elas as mulheres, são decorrentes de uma estrutura social cujos valores as discriminam. Participar é lutar pela mudança destes valores. Tudo indica que Roseana não responsabilizará o status quo pelas dificuldades que as mulheres enfrentam no seu dia a dia."
Sílvia Pimentel
Professora de Filosofia do Direito (PUC/SP) e Coordenadora Nacional do CLADEM/Brasil
"Há certa perple-xidade no pano-rama eleitoral brasileiro. Roseana, mulher, inteligente, jovem, bonita, simpática, esposa, filha, mãe e avó, e com larga experiência política legislativa e executiva, está cativando o nosso eleitorado, farto de políticos corruptos. Muitas das críticas à sua candidatura se devem ao fato dela pertencer a um partido conservador - o PFL, e ao clã Sarney, ou são fruto de discriminações de gênero, e do tabu que significaria uma mulher no mais alto cargo executivo do país? Em que medida está sendo desconsiderada ou mini-mizada (ou não) a autonomia com que Roseana tem se desempenhado politicamente, antes, no Congresso Nacional, e agora, como governadora do Estado do Maranhão? Estará ela comprometida em buscar a superação das graves dificuldades vivenciadas pelas mulheres brasileiras? Enfim, há contradições que precisam ser refletidas. Cabe a nós, mulheres feministas e defensoras da justiça social, apresentarmos a ela plataforma corajosa e radical. Só então, após sua manifestação de compromisso ou não, nós deveremos demonstrar apoio ou não à sua candidatura".
Lenira Maria de Carvalho
Integrante do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos
"Nós defendemos que as mulheres estejam no poder, mas é preciso que elas estejam comprometidas com as mulheres populares. Eu acho que a eleição de Roseana não iria mudar nada na nossa vida, porque ela é comprometida com o sistema que já está aí."
Moema Viezzer
Socióloga, consultora em gênero e educação e fundadora da Rede Mulher de Educação
"No cenário brasileiro, uma candidata à Presidência da República é um fato novo e de grande repercussão. Quanto à figura em questão: de Roseana Sarney, com certeza não significará obrigatoriamente aplicar o slogan "mulher vota em mulher", porque o voto na mulher candidata não se desvincula da proposta política que a mesma representa.
Trabalhei durante anos no Estado do Maranhão e ainda assessoro grupos de mulheres - especialmente de extrativistas - para quem a distância entre o discurso e a prática política necessita ser encurtada com muita urgência, por homens e principalmente por mulheres que se candidatam a postos de representação de um povo como é o povo brasileiro".
Virgínia Feix
Advogada, especialista em Direitos Humanos e Sociologia Jurídica. Coordenadora executiva da Themis-Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero
"A pré-candidatura Roseana Sarney traz um novo e poderoso elemento para o cenário político brasileiro: o reconhecimento de que votar em mulher tem trânsito em nossa sociedade. Entretanto, é preciso ter consciência que não é o sexo biológico que define o grau de solidariedade à luta pela emancipação e empoderamento das mulheres, mas sim o projeto político em que esta candidatura está inserida".
Raimundinha de Mascena
Trabalhadora rural, sindicalista e coordenadora da Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais da CONTAG
"Trajetória histórica de luta do Movimento de Mulheres no Brasil é identificada com a construção de uma sociedade democrática, popular e igualitária. Ou seja, é uma luta de combate à desigualdade de gênero, raça e classe. Portanto, a pré-candidatura de Roseana Sarney à Presidência do Brasil jamais se identificará com a luta das mulheres e com o projeto político que queremos para o nosso país".
Rose Marie Muraro
Escritora, editora e feminista
"Roseana está cooptando o discurso feminista de maneira abstrata, sem propostas concretas. Parece-me vazio tal como o discurso de esquerda usado pelos políticos de direita em épocas eleitorais. Não acredito que uma pessoa que está comprometida até os cabelos possa fazer alguma coisa pelas mulheres, e nem pelos homens. Estou muito irritada com essa questão da Roseana. Isso porque ela está faturando com a idéia do feminismo, que já está no inconsciente coletivo. Tudo indica que ela e seus marqueteiros estão usando uma estratégia de espetáculo, em cima da figura da mulher".
Azelene Kaigáng
Socióloga e representante do Povo Indígena Kaigáng (RS)
"Esta é uma candidatura oportunista, até pelo momento que o Brasil está passando, onde não há oportunidade de melhora de vida e as pessoas brasileiras não têm formação política. No programa, ela até finge que rompe com o patriarcado, mas não é nada disso. Eu, como militante dos direitos humanos dos povos indígenas, acredito que sua eleição seria um desastre para o Brasil, porque seria dar continuidade a tudo que está aí".
Jurema Werneck
Médica e coordenadora da organização Crioula
"Eu detesto o que a Roseana significa. Essa coisa da oligarquia que se mantém no poder, encarnada em uma mulher. O interessante é saber que existe um espaço de poder para as mulheres, a esquerda não está preparada pra isso e a candidatura vem da direita. Isso já aconteceu antes, quando também foi a direita que trouxe um negro para a prefeitura de São Paulo".
Maria Isabel Baltar da Rocha
Socióloga, pesquisadora do Núcleo de Estudos e População (NEPO/Unicamp)
"A apresentação de um amplo leque de candidaturas no processo eleitoral é parte do jogo político de países que possuem democracia representativa. Nesse sentido, devem ser consideradas todas as candidaturas que se colocam no debate democrático, inclusive a de Roseana Sarney. No entanto, não a identifico como uma candidata das mulheres, pelo fato de ser mulher! Aliás, melhor seria... Mas não vejo na biografia política de Roseana Sarney, nem na história do seu partido, o PFL, um envolvimento com a luta pelos direitos das mulheres em nosso país, ou mesmo em seu Estado. Como também não vejo um envolvimento semelhante com questões que estão intimamente vinculadas à essa luta - às lutas contra as desigualdades sociais e contra as desigualdades raciais. Ressalto, isto sim, que também é parte desse jogo democrático eleitoral buscarmos a verdadeira existência de laços. Creio que, neste caso, há inexistência de laços entre o discurso e a prática, entre a fala e a ação, entre a propaganda política e a realidade".