Quase lá: GENOCÍDIO PALESTINO: Diários do Apocalipse

GENOCÍDIO PALESTINO: Diários do Apocalipse

Sob terror e escombros, humanidade e poesia. Crônica da guerra, por uma escritora palestina. A família confinada em Gaza. As bombas gritam, os telefones se calam. As mortes que não contam. Em meio ao terror de Israel, a Palestina viverá

Foto: Oliver Weiken/EPA
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Por Sarah Aziza, no The Baffler | Tradução: Antonio Martins

Acordo cedo, de maneira estranha, em 7 de outubro, sonolenta após uma noite que terminou tarde. Coloco a chaleira para ferver e ligo o rádio na BBC. Um momento depois, ouço um noticiário que começa com “Lutadores palestinos de Gaza cruzaram a fronteira para Israel…”. Viro na direção do som desencarnado. Estou acostumada a acordar com notícias de violência na Cisjordânia – pelo menos uma manhã a cada semana começa assim, com uma história de ataques de colonos ou outra incursão do exercito de Israel. Labib Dumaidi, um estudante universitário palestino de dezenove anos, foi baleado ontem durante outro pogrom em Huwara, na Cisjordânia. Mas este relato é algo diferente, e minha mente luta para compreender as palavras. Gaza? Como?

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Uma imagem: uma escavadeira estoura uma cerca em torno a Faixa de Gaza, vinda de Israel, e corpos passam pela abertura. Fora da câmera, um homem rouco grita em árabe: “Quebrei! Deus é grande! Quebrei!” Por um instante, Gaza já não significa inacessível, encurralada, inerte. Toda a minha vida, esse nome tem sido uma dor, amada e intransponível, íntima e fora de alcance. É a terra onde meu pai nasceu como refugiado, um lugar que ele amou apesar da Grande Tragédia [Nakba] que enroscou sua família por lá. Gaza, um lugar que nasceu em mim da primeira vez que ele me contou histórias do mar. Quando tinha seis anos, ele mergulhava no Mediterrâneo a caminho de casa, nadando nu na água até que seu irmão chegasse para puxá-lo de volta. Vejo Gaza retornar em seus olhos cada vez que ele avista as ondas.

Gaza, também o lugar onde meu pai viu minha avó cavar trincheiras à medida que se aproximava a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Ele não entendeu as valas até que os aviões rasgaram o céu. Por toda a vida, lamentei os familiares mantidos cativos lá, suas vidas tornando-se mais desesperadas a cada ano de cerco que começou em 2007. Prendi a respiração com eles através de quatro guerras, seus corpos presos sob céus em queda, impedidos de qualquer fuga. Um massacre tão rotineiro que Israel o chama de “aparar a grama”. Minha família e dois milhões de outros, enjaulados por um poder nuclear que os chama de ervas daninhas. Muitas vezes desesperei que jamais viveria para vê-los livres.

No entanto, por um instante, vendo aqueles corpos correndo sob o sol, parece absurdamente simples. Um muro é apenas um muro.

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“Lutadores palestinos romperam as barreiras israelenses…”. Aguardo a inevitável sequência – notícias de que esses guerrilheiros em potencial foram mortos, como é o destino da maioria dos palestinos que se rebelam. Em vez disso, ouço que dezenas de israelenses foram mortos – a contagem acabou de começar. Ruptura. O único status quo que já conheci – aquele em que qualquer violência desvia-se para a morte brutal dos palestinos – foi, ainda que brevemente, derrubado. Uma sensação estranha: minha visão embaçando, meu corpo se dividindo ao meio, as partes se separando. Meu corpo sabe o que ainda está além da minha capacidade de compreensão. Uma história terminou, e estamos caindo, já sangrando, na próxima.

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Começam a chegar mensagens de um dos meus primos em Gaza começam: “Exatamente às seis e trinta [em 7 de outubro], acordamos com o som de mísseis partindo da Faixa de Gaza como relâmpagos. A pergunta repetida por todos foi: ‘O que está acontecendo???’. . . A situação até este momento não é nada. . . mas tememos a resposta da ocupação. Eles não nos deixarão dormir esta noite. . . Pedimos a Deus segurança. . .”

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Levará dias para saber o número final de israelenses mortos pelo Hamas. Mas quando ultrapassa cem, entro em pânico. Embora meu estômago se revolte com imagens dos mortos, tenho certeza de que eles já estão sendo metabolizados pela máquina sionista. Receio a maneira como a violência – tanto real quanto fabricada – será alavancada para lançar um arsenal do tamanho de um século em uma jaula humana. Este é o cálculo cruel de nossa opressão: minha compaixão pelos mortos é ofuscada pelos números altos de nossos já mortos e dos que em breve morrerão.

“Eles nos chamam de terroristas, Sarah”. A voz do meu pai está perplexa, ferida. Por trinta anos, ele esperou, certo de que os Estados unidos retribuiriam seu amor. Estamos falando no domingo, 8 de outubro, e as últimas 36 horas passaram por nós como dentes. “Eles chamaram isso de massa…?”. Sua boca gagueja a palavra em inglês. “Massacre, Baba. Isso significa matar em grande escala. E sabe de uma coisa? Acho que foi um massacre… Muitas pessoas foram mortas”. Na cozinha, meu parceiro judeu mantém-se discreto sobre o fogão, preparando comida que não iremos provar. Meu pai suspira. Estamos nos afogando em um luto complexo.

É uma pesar muito maior que as palavras. Grande o suficiente para reconhecer a dor judaica, tanto recente quanto histórica. Como palestina, recuso-me a imitar o opressor negando a humanidade dos falecidos. Mas essa tristeza situa-se dentro da cratera da certeza de que o mundo continuará a recusar a nossa. É um abismo esculpido por décadas de discurso, no qual apenas certos corpos sangram. Dentro deste consenso, não há desapropriação violenta da nossa terra, nenhuma forma aceitável em que possamos resistir às nossas muitas mortes lentas e instantâneas. Recusa o fato de que, por décadas, enterramos centenas de mortos para cada israelense morto. Nesse olhar seletivo do Ocidente, só há a nossa barbárie, que deve ser brutalmente contida.

Para o meu pai e para mim, o assassinato de cidadãos israelenses em 7 de outubro vibra com uma familiaridade primal, uma espécie de déjà vu. Minha família foi expulsa etnicamente da região a nordeste da Faixa de Gaza durante a Nakba em 1948 – bem perto do local dos ataques. Muitos dos meus parentes perderam irmãos, pais e filhos para balas e bombas sionistas. O horror vivenciado em 7 de outubro pareceu estranho, como se eu já tivesse visto isso antes. Essa ressonância não mistura tristezas ou histórias únicas, mas para nós a terra há muito tempo está assombrada, o chão já está manchado. Por mais chocados que estejamos com os ataques, também os vemos pelo que são – as convulsões inevitáveis de um corpo político violento. A erupção de uma verdade purulenta: a de que um regime de apartheid é sempre um território de morte.

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Passei a maior parte de 2023 em uma profunda depressão, que se enraizou durante uma visita à Palestina em março. Enquanto estava lá, senti o sabor de eletricidade de cobre no ar. As condições materiais atingiram novos níveis de miséria absurda. Recordes de violência foram quebrados e quebrados novamente, enquanto o governo de extrema direita de Israel se regozijava na linguagem do genocídio. Das colinas da Cisjordânia devoradas por assentamentos ilegais a Jerusalém segregada, um sentimento selvagem pairava vermelho e espesso. Uma vibração, ameaçando se tornar um grito.

Voltei para as chuvas de abril. Minhas entranhas estavam secas como ossos. “Sinto que algo violento está iminente”, disse ao meu parceiro. Diante de mim, vi anos longos e lentos de perda angustiante. Vi levante. Vi nossas ruas banhadas em sangue.  

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O breve silêncio do Ocidente é substituído por um rugido. Políticos de Washington a Bruxelas gritam com uma sincronia que parece ensaiada. Apenas horas se passam antes que a justa tristeza pela perda de vidas judias seja transformada em declarações de guerra. Pedidos para “arrasar” e “liquidar” conosco. Demandas de “nenhuma restrição” [à ação de Israel]. Somos declarados “animais” pelo ministro da Defesa de Tel Aviv, e o consenso ocidental concorda – senadores dos EUA nos chamam de selvagens, que merecem ser aplainados no chão. Um segundo tipo de déjà vu: o de meus piores pesadelos, realizados. A retórica da guerra ao terror é reprisada; palestinos, muçulmanos, ISIS e Hamas são reduzidos a um monte degradado. As facções antiárabes mais extremas de Israel estão em alta, enquanto celebridades e governos ocidentais ecoam os clamores do pós-11 de setembro de bem contra o mal. A própria noção de civis palestinos desaparece. Este é o primeiro tipo de morte.

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“Você acha que o Hamas matará os reféns?” Meu pai pergunta ao telefone. “Não faço ideia, Baba. Acho que eles querem trocá-los por prisioneiros palestinos.” “Ahhhh. Eu realmente espero que eles não os matem. Isso não é… não queremos isso.” “Não. Isso não é o que queremos.”

Meu primo em Gaza manda outra mensagem: “Agora estamos todos reunidos em um quarto, ouvindo as notícias no rádio e também pelas redes sociais. Meu irmão Mahmoud [nove anos] sempre sente medo em todas as guerras, e tentamos acalmá-lo. Ele pergunta: ‘Como é a morte?’ Ele chora, ‘Tenho medo de morrer’. Ele não quer comer nada e está muito assustado. Tentei fazê-lo assistir a um filme até que esquecesse, mas ele ainda pensa na morte e pergunta: ‘Como é a morte e o que sentimos quando morremos?’ Seu rosto está pálido. . . Sinto um sentimento estranho e diferente.”

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Alguns leitores esperam que eu denuncie a resistência violenta. Eles imaginam que, sem essa garantia, que não pedem de nenhum israelense, não tenho o direito de falar. Acreditam ter direito a uma versão de palestina que abre mão de tudo o que o liberalismo branco oferece a nossos opressores e a si mesmo: o direito de existir, o direito à autodefesa. Eles criminalizaram nossas formas não violentas de protesto, mataram manifestantes pacíficos, prenderam nossos poetas e assassinaram nossos jornalistas. Eles não acreditam em nosso sofrimento histórico ou contemporâneo. Ao mesmo tempo, acreditam que é nosso estado natural – parte da paisagem marrom e nebulosa do chamado “mundo árabe”. É uma abjeção que devemos aceitar, em silêncio e acima da dor dos nossos mortos.

E nossos mortos – oh, nossos mortos. Às vezes me pergunto se morremos de verdade. Quando centenas de manifestantes pacíficos de Gaza foram abatidos por soldados israelenses, nós os contamos sozinhos. Este ano, até o dia anterior aos ataques do Hamas, os palestinos foram assassinados a uma taxa de cerca de um por dia – mais de duzentos até 6 de outubro. Para nós, até funerais podem se tornar cenas de assassinato ou lugares para ataques de soldados.

Se um assassino não se incomoda em cobrir seus rastros, eles realmente mataram?

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Estou empenhada em manter minha humanidade. Leio testemunhos de israelenses das áreas visadas pelo Hamas. Quase invariavelmente, eles narram a busca de esconderijo em uma área segura, um abrigo destinado a proteger a vida. Um homem diz ao New York Times: “Em cada casa em nossa comunidade [perto da fronteira com Gaza], há o que chamamos de uma área segura, que é um construída com concreto muito forte e tem um tipo especial de porta, supostamente resistente à queda de morteiros e foguetes. É geralmente onde as crianças dormem”. Acho esse detalhe tão arrepiante. Eu me pergunto, em que tipo de mundo alguém imagina que vive, em que tais estruturas são normalizadas? Que tipo de status quo alguém aceita, em que seus filhos se abrigam dessa maneira todas as noites? Realmente parece paz? Será que ocorre aos arquitetos se perguntar o motivo de os foguetes serem lançados? Ou essa sociedade aceitou completamente que os morteiros lançados de Gaza são apenas mísseis de ódio? As filhas deles não sentem falta de acordar com o sol?

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Mensagem da minha prima. Uma casa em sua rua, no Campo de Refugiados de Nuseirat, é bombardeada. Outras pessoas são mortas enquanto compram comida em um mercado próximo. Quando pedem para fugir, ela responde: “Não sabemos para onde ir… Eles tratam as pessoas de Gaza como monstros. Por quê?”

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Rehan, uma jornalista de Gaza em seus vinte anos, usa a bateria do telefone que está acabando para gravar um diário em áudio. Coloca sua filha na cama. Abre a janela para alimentar um gato faminto. Diz ao gravador: “Minha gata Yara teve três gatinhos adoráveis há três semanas… mas como posso cuidar deles agora?” Por trás de sua voz, há o som de bombas caindo.

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Segunda-feira, 9 de outubro. A previsão em Gaza é de tempo ensolarada com nuvens passageiras. Eu acordo em Nova York. O ar está frio.

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“Cinco em Khan Younis”, diz meu pai. Está falando dos nossos parentes mortos. Não usa a palavra mortos. “Cinco se foram em Khan Younis”, ele diz. “Apenas duas crianças sobraram.”

الله يرحمهم.

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“Mas e o Hamas?” Cresci com esta pergunta sendo lançada em minha cara toda vez que declarava o direito de meu povo à sobrevivência. “E o Hamas?” Não importava se eu acabara de pedir água limpa ou o direito de retornar à nossa terra roubada. “E o Hamas?”, perguntavam, mantendo minha humanidade como refém. Seus sorrisos presunçosos a esta pergunta, que eles viam como um golpe retórico. Eu lhes dei horas, páginas das minhas palavras. Enchi salas com o meu hálito quente, ofegando: “Nós não somos terroristas – o Hamas é um sintoma da opressão – sim, claro que condeno o extremismo – esta é uma luta pelos direitos humanos – Israel sustentou o Hamas por anos – por favor, olhe para nossas crianças – por favor, você não vê nossos idosos indefesos? – por favor, se você não nos respeita como seres humanos, poderia poupar um pouco de piedade?”

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Outra tia desaparece.

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“Seu nariz está sangrando”, meu parceiro aponta enquanto choro.

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Israel anuncia que a fronteira com Gaza está novamente “totalmente segura”.

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O telefone da minha prima está morrendo; Israel cortou toda a eletricidade, gás, água e comida. “Também sentimos cheiro de fumaça agora. Acho que é gás [branco] de fósforo que eles jogaram no céu hoje”, ela manda mensagem. “Me sinto sufocada por isso. Meu amigo morreu inalando gás de fósforo branco na guerra de 2008.”

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Você está bem?
Você está bem?
Você está bem?
Você está bem?

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A matemática do apocalipse: 1,1 milhão intimados a evacuar o norte de Gaza em vinte e quatro horas. Pediram a mais de um milhão que empurrem seus corpos para um pedaço de terra onde mais de um milhão de corpos já estão.

Isso não é algo que corpos humanos possam fazer. Notícias de nossa não existência vêm e vêm novamente.

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Atravesso uma passarela de pedestres em Queens várias horas antes do amanhecer. Eu me curvo. Minha mão está na minha boca. Não sei mais como mover o ar para dentro ou para fora.

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Como é ficar à beira da aniquilação? Só posso falar do meu ponto, distante alguns graus do epicentro da guerra. Aqui, parece que estou caindo por uma garganta infinita. É a incredulidade misturada com a sensação de que este dia já chegou. É saber que qualquer possível sobrevivência estará inscrita na consciência de que este planeta é um lugar onde seu extermínio foi decretado, e milhões o acolheram.

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Um amigo palestino me manda uma mensagem: “Você já comeu hoje?”

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Outro me manda mensagem de sua casa na Cisjordânia, onde mais de trinta palestinos foram mortos em uma semana. “É difícil, mas apenas nos tornará mais determinados a sermos livres.”

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Os Estados Unidos anunciam que duplicarão sua presença militar no Oriente Médio. Eu fico acordada até tarde em um quarto cheio de amigos libaneses e sírios, cercada por fantasmas.

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O desafio: manter um senso de agência no meio de formas sobrepostas de déjà vu; reconhecer que o ímpeto de um século de tentativas de apagamento está por trás dos eventos atuais e, no entanto, resistir ao desespero. Acreditar, até insistir, que de alguma forma ainda é possível deter a máquina imperialista genocida.

É uma esperança que morre e ressuscita a cada hora. Revivida, incontáveis vezes, pela narrativa em mudança radical nas ruas. Em mais de dez anos de organização em prol das vidas palestinas, nunca vi tanta solidariedade vibrante, diversa e urgente. A mudança que senti em 2021, quando um ciclo anterior de brutalidade israelense instigou protestos em massa de um público pós-George Floyd, parece ter se mantido. Embora eu tenha cuidado em confiar no meu feed de mídia social para refletir a realidade política, estou chocada com o volume da resposta antissionista de base.

Meu telefone é inundado com mensagens de texto e postagens em redes sociais de amigos, colegas e figuras culturais de todo o mundo. Esmagadoramente, as mensagens reconhecem o contexto do colonialismo e da violência desproporcional, bem como a piora da crise humanitária em Gaza. Tentando subverter uma resposta da mídia norte-americana lamentavelmente distorcida, os amigos compartilham relatos de organizações humanitárias e jornalistas independentes no local. Postagens de judeus antissionistas proclamam este como um momento para cumprir o juramento de “nunca mais”. Meu parceiro, membro ativo da Jewish Voice for Peace, participa de ações diárias enquanto o grupo denuncia a manipulação do luto.

Mais importante talvez, seja o rápido movimento para as ruas. Dezenas de milhares se reúnem de cidade em cidade, bandeiras palestinas voando de Nova York e Londres a Bagdá e Kuala Lumpur. Manifestações pró-Palestina são proibidas na França, Viena e Berlim. Manifestantes franceses, desafiando essas ordens, são pulverizados com gás lacrimogêneo. Centenas de ativistas judeus bloqueiam a casa do senador Chuck Schumer no Brooklyn, protestando contra seu apoio enfático aos bombardeios israelenses. Dezenas, incluindo descendentes de sobreviventes do Holocausto, são presos. “Isso parece diferente”, sussurramos eu e meus amigos um para o outro. A pergunta que não fazemos: Vai durar?

Há momentos que sempre desafiarão palavras. Há crimes tão hediondos que toda a alma humana estremece. Bombas atingem o Hospital al-Ahli em Gaza, matando pelo menos quinhentas pessoas. A negação de Israel segue rapidamente. Meios de comunicação norte-americanos, após inicialmente relatarem a bomba como israelense, logo se alinham sugerindo que os palestinos podem ser culpados.

الله يرحمهم.

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“Costumava ter esperança”, meu pai me diz ao telefone.

“E agora?”

“Eu não sei”, ele diz. “Eu não sei. Mas sei que continuaremos.”

Conheço essa verdade, embora não conheça sua forma. Não é necessário chamá-la de esperança, mas não se pode negar que o ethos palestino é esmagadoramente de vida. Insistimos em sobreviver, em amar mesmo as versões destroçadas da existência que nos foram concedidas. Somos mestres em paradoxo, criando beleza e cuidado dentro de jaulas, sob destroços. Somos fluentes em absurdo, mudando de forma para sustentar nossa humanidade dentro de paredes cada vez mais estreitas. Setenta e cinco anos de justiça adiada não apagaram nossa determinação de construir, reconstruir, escrever, casar, dar à luz, dançar, permanecer.

Mesmo assim, sabemos que merecemos muito mais, e por isso pressionamos contra nossa opressão com imaginação e amor desafiantes. Como a estudiosa palestina Sophia Azeb coloca, “Não estamos obrigados a estruturar nossas epistemologias, estéticas e políticas apenas dentro da arquitetura desta catástrofe.” Embora nunca tenhamos conhecido uma Palestina livre, nenhum número de bombas pode extinguir a vontade inata de viver com dignidade. Desta forma, nossa resistência é, para citar Mahmoud Darwish, incurável. Este é o cerne do problema de Israel – não se trata de barbárie palestina, mas de vida palestina. É uma praga para o projeto sionista, nossa recusa de um século em desaparecer. Continuará sendo uma praga enquanto o Estado de Israel existir como uma estrutura baseada em nossa morte. Israel está enganado se acredita que esta será a última palavra. A Palestina viverá.

   
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