Quase lá: Mulheres negras na política: Marielle e suas sementes

Assassinato da vereadora tornou-se símbolo da luta pelo fim da violência política no Brasil. Tragédia ecoou e ampliou a presença delas no legislativo. Mas pesquisa mostra que a maioria continua sendo vítimas de injustiça institucional

 

Por Cfemea na coluna Baderna Feminista/Outras Palavras

 

Neste mês de março em que nós mulheres celebramos tantas conquistas e choramos tantas perdas, lembramos que luto é luta! Por várias razões. Destacamos aqui mais uma: no Brasil as datas de 8 e 14 de março representam juntas, a luta pelo fim da violência política contra as mulheres.


Há três anos, 14 de março foi marcado pelo brutal assassinato da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes.


Como o Instituto Marielle Franco a apresenta “Marielle Franco é mulher, negra, mãe, filha, irmã, esposa e cria da favela da Maré; Socióloga com mestrado em Administração Pública. Em 2016, foi eleita vereadora da Câmara do Rio de Janeiro, um impressionante número de 46.502 votos. Foi também Presidente da Comissão da Mulher da Câmara dos Vereadores do Rio.


O CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria tem 30 anos de experiência de luta pelos direitos políticos das mulheres. Participamos do processo de incidência em torno da Lei de Cotas nos anos noventa, dos debates sobre aumento da representatividade feminina e de diversos diálogos e espaços de participação social como parte dos movimentos de mulheres.


Nas eleições de 2016 em todo o Brasil, somente 4,1% (691) das candidatas às prefeituras eram mulheres negras. Somente 3,2% (180) foram eleitas. Para o cargo de vereadora, só 15,4% eram mulheres negras (71.066), e apenas 5% (2.870) foram eleitas. Marielle se elegeu nesse contexto.
Quatro anos depois, nas Eleições Municipais de 2020, houve um salto de candidaturas de mulheres negras, paralelo ao também aumento dos casos e denúncias de violência política.


A pesquisa “Violência Política e Eleitoral no Brasil — Panorama das violações de direitos humanos de 2016 a 2020”, realizada pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos, também aponta o uso da violência política para atingir objetivos específicos e grupos historicamente e estruturalmente excluídos da política. Segundo a mesma pesquisa, em 2019, pelo menos um episódio de violência política foi registrado a cada três dias no Brasil. Foram mapeados 85 casos exemplificativos de ameaças à vida de mulheres e homens.


A violência política contra as mulheres se manifesta como física, psicológica, simbólica, econômica, entre outras, como nos lembra a professora Flávia Biroli. Se visibiliza em agressões diversas, em restrições e constrangimentos que intimidam as mulheres na sua vida política cotidiana. Muitas vezes, violência política coloca as próprias vidas das mulheres sob ameaça ou em risco. A dimensão simbólica da violência política também reafirma a manutenção do status quo patriarcal e se apresenta como reação à inevitável mudança colocada pelo feminismo no mundo.


A violência política se reafirma enquanto se debate com a tentativa de manutenção de papéis limitados, sexistas, convencionais e conservadores reservados que repudiamos. É também reativa às mudanças sociais, culturais, e políticas que para nós são inevitáveis para a manutenção da democracia, para o fim das opressões de gênero, raça, etnia e classe.


No dia 18 de março, o CFEMEA dialogou com Anielle Franco, irmã de Marielle, que coordena o Instituto Marielle Franco junto com a família da vereadora carioca e, que atua na defesa do seu legado.


A partir desse caso particular de violência política extrema conversamos sobre mulheres negras na política. A pesquisa conduzida pelo Instituto Marielle contou com 142 participantes negras e pardas. Destas 95% se identificaram como mulheres cisgêneras, 70% afirmaram ser originárias de favelas ou periferias e 2% afirmou viver ou ser originário de zonas rurais.


Das entrevistadas 41% temeu pela sua integridade física ao realizar campanha em um território, 78% sofreram violência virtual, 63% sofreram violência moral e 55% sofreram violência institucional. Vale também destacar que quase metade (44%) das entrevistadas sofreram violência racial.


O caso de Marielle deu visibilidade para a violência política que recai sobre todas as mulheres ativistas. A campanha de justiça no caso Berta Cárceres nos ensina que ocupando qualquer espaços de poder, as mulheres estão sujeitas à violência política. Aqui no Brasil, ainda hoje mulheres ativistas e parlamentares são ameaçadas, como é o caso da deputada federal Talíria Petrone e de várias vereadoras eleitas. No dia 25 de março, a sede da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, situada na cidade de Jacareacanga (PA), foi vandalizada numa tentativa de tentar frear a luta das mulheres indígenas contra os projetos de mineração que ameaçam seus territórios.


Vinte e cinco anos após a Conferência de Beijing, a Relatora Especial sobre a Violência contra as mulheres suas causas e consequências, das Nações Unidas, destaca na sua recomendação, que violência contra as mulheres na política é um dos assuntos considerado pelo seu mandato. A Relatora Especial se refere a atos generalizados e sistemáticos de violência política enquanto alerta para o impacto devastador que a violência tem na participação política das mulheres que se estende à restrição imposta às mulheres jovens para a total realização dos seus direitos políticos e os efeitos na sociedade como um todo.


No Dossiê da revisão de 25 anos da plataforma de Beijing, a Relatora Especial, com o apoio do Alto Comissariado dos Direitos Humanos, urge os Estados para que cumpram suas obrigações e tomem diligências para prevenir, investigar e punir atos de violência contra as mulheres, sejam perpetrados pelo próprio Estado ou por outros atores.


Trazendo à tona a memória da Marielle e tendo em vista o desafio do Instituto à frente desse legado, Anielle falou de necropolítica e como os corpos de mulheres negras são vistos como descartáveis para o nosso sistema econômico e político.


A violência política afasta as mulheres dos espaços de poder e prejudica a atuação destas mulheres nas organizações e movimentos sociais. Três anos depois do assassinato de Marielle Franco, que segue sem respostas, seu legado criou sementes que se espalharam para além do mês de março, que nos permitem unir esforços e aumentar ainda mais a participação política de mulheres com uma perspectiva feminista antirracista.


As sementes se multiplicam e criam novas lideranças, mulheres jovens, diversas e cheias de energia! Por todas nós! Marielle presente!

 


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