Esta é a primeira edição do jornal Fêmea, neste ano de 2004. Ela sai quando o governo Lula completa seus 15 meses, e as expectativas de mudanças geradas com a sua posse se confrontam com as dificuldades de promover o desenvolvimento humano, sustentável e democrático no país. O desemprego chega a níveis jamais vistos, causados pela recessão econômica e o baixo grau de investimento do próprio governo.

Ainda em abril, o Congresso Nacional deverá aprovar o novo Plano Plurianual (PPA - 2004/2007). Desta vez, de forma inédita, o Plano encaminhado pelo governo ao Legislativo incorporou algumas das propostas apresentadas pela sociedade civil organizada, elaboradas durante os Fóruns de Participação Social realizados em todas as unidades da Federação. A participação social possibilitou mudanças na definição das estratégias, objetivos e desafios anteriormente propostos. Em que pesem as lacunas existentes entre os desafios enunciados e os programas propostos, houve avanços. A continuidade desse processo nos momentos de monitoramento e avaliação do PPA ainda está em construção.

As reformas do Estado seguem sendo prioritárias. No ano passado, iniciou-se e concluiu-se a Reforma Tributária, sem muita novidade. Já a Reforma da Previdência produziu mudanças substantivas, mas uma parte importante da discussão - suscitada pelos movimentos de mulheres - ainda continua em debate no Congresso Nacional. As organizações de mulheres introduziram, de forma inovadora, o debate sobre a inclusão de 40 milhões de cidadãos e cidadãs no sistema de seguridade social do país, questão não contemplada pela proposta de Reforma do governo.

Agora, a mobilização levada a cabo pelas feministas durante o ano passado tem de recuperar o fôlego, pois o reconhecimento do trabalho doméstico não-remunerado para fins de acesso aos direitos previdenciários segue em pauta no Congresso Nacional, no debate de propostas de emenda constitucional e de legislação ordinária para regulamentar a Reforma.

Atualmente, existe a expectativa de que as propostas do governo - de Reforma Política e Reforma Trabalhista - entrem na pauta do Legislativo ainda no primeiro semestre de 2004.

Também neste semestre, uma velha, sempre renovada e atualíssima agenda das mulheres deverá ganhar mais espaço na sociedade e no Estado: está pronta para discussão uma proposta de legislação para prevenir e punir a violência doméstica contra as mulheres, elaborada por um grupo de ONGs feministas. A proposta, entregue à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, também será objeto de consulta e debate na sociedade, e de aprimoramento por um Grupo de Trabalho Interministerial encarregado de encaminhar um anteprojeto de lei sobre a questão, ainda este ano, para a apreciação do Congresso Nacional.

Apesar de novo, o governo tem mantido a velha política macroeconômica de superávit primário para o pagamento dos serviços da dívida, de combate à inflação e contenção dos gastos públicos. Tal posicionamento tem impedido a implementação de políticas de resgate da dívida social e de combate às desigualdades.

O amplo arco de alianças montado para as eleições permanece na composição de acordos políticos julgados necessários para a condução do governo. Com isto, o velho e perverso jogo de interesses das elites, em relação aos da maioria da população continua dando o tom das disputas na definição das políticas de governo.

No plano internacional, o cenário é muito complexo. Contra a ofensiva belicista dos fundamentalismos - de mercado, políticos ou religiosos -, cresce e consolida-se um grande movimento global cidadão. Para os movimentos de mulheres, o ano de 2004 também demarca a avaliação de uma década do Plano de Ação aprovado na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (Cairo + 10) e da Conferência Mundial sobre a Mulher, (Beijing+10). É hora de avaliar os resultados obtidos neste período e de reafirmar os compromissos com os direitos humanos.

É nesta conjuntura que o CFEMEA vem desenvolvendo o seu trabalho de defesa e promoção dos direitos das mulheres, da busca da cidadania plena e da redução das desigualdades. Nestes últimos quinze meses, muita energia teve de ser empregada para evitar vários retrocessos; em alguns casos com sucesso, noutros nem tanto.


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