Quase lá: O que esperar do Parlamento sobre os direitos e políticas públicas para as mulheres em 2010?

Em entrevista ao jornal Fêmea, Sônia Malheiros, subsecretária de articulação institucional da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), fala das perspectivas de avanço, bem como dos limites, para os direitos das mulheres no Congresso Nacional em ano de eleições.

Fêmea - Quais os investimentos que a SPM tem feito em relação ao marco legal no Congresso?

Sônia Malheiros - Tem sido uma prática da secretaria, desde que foi criada, procurar transformar e incidir na retirada tanto de aspectos discriminatórios que existam na legislação brasileira e articular com @s parlamentares, principalmente com a Bancada Feminina, o encaminhamento de propostas que ampliam direitos das mulheres. O grande exemplo a ser citado é a Lei Maria da Penha, que foi um verdadeiro exercício para a construção democrática de uma lei. A secretaria recebeu a primeira proposta de um consórcio de organizações feministas e instituiu um grupo de trabalho tripartite, com representação do Executivo, Legislativo e sociedade civil. Esse grupo consensuou uma proposta que foi encaminhada à Câmara dos Deputados. A partir daí, foi feita uma articulação com a Bancada Feminina e movimentos de mulheres para realizar audiências públicas pelo País, bem como para acelerar o processo de tramitação no Congresso. E a lei foi aprovada neste contexto de participação democrática. O processo participativo faz com que a Lei seja mais conhecida e discutida pela sociedade antes mesmo de ser sancionada. Infelizmente não dá para fazer isso com todas as legislações, mas esse caminho do diálogo e da participação é um exemplo a ser buscado.

Fêmea - Quais são as expectativas para esse ano na relação com o Poder Legislativo?

Sônia Malheiros - Esse ano é bastante complicado. Todo ano eleitoral tem um impacto

muito sério no processo legislativo, pois o trabalho ordinário é alterado pela dinâmica das eleições. Na verdade há um funcionamento agora no começo do primeiro semestre e, à medida que vamos nos aproximando do período oficial de campanha eleitoral, esse funcionamento fica mais comprometido; é o chamado recesso branco.

Fêmea - Nesse contexto, novas propostas devem ser apresentadas?

Sônia Malheiros - O trabalho da Secretaria é fazer com que as propostas que já estejam tramitando ou que foram apresentados no ano passado tenham andamento. Temos o Projeto da Lei da igualdade no trabalho, que foi recentemente encaminhado pelo Executivo, e a ratificação da Convenção 156 da Organização Internacional do Trabalho, que mexe com a questão da conciliação entre vida privada e vida pública. Assim, vamos investir para que estes projetos já apresentados tenham algum andamento e sejam apreciados pel@s parlamentares, mas não temos ilusão de que serão aprovados este ano. A idéia é manter o debate sobre seus conteúdos para que não sejam completamente esvaziados no Congresso Nacional. A apresentação de novos projetos tem de ser muito bem avaliada nesse contexto para que não se caia no vazio.

Fêmea - Em relação a outras propostas que estão tramitando, o que você destacaria e que limites ou possibilidades você vê? Como por exemplo, a ampliação da participação das mulheres nos espaços de poder e os projetos sobre direitos reprodutivos, como o acesso ao aborto legal?

Sônia Malheiros - A proposta que a Comissão Tripartite para revisão da Lei eleitoral elaborou em 2009 é muito avançada para o Congresso que temos e haverá resistência. Trata-se de um projeto que propõe a paridade nas listas fechadas, 50% do tempo da participação em TV e rádio, dentre outras ações afirmativas. Sabemos que a probabilidade dele ser aprovado é pouca, mas colocamos nossas demandas para então negociarmos. O importante para este ano eleitoral é conseguirmos fazer valer o que foi aprovado na minirreforma eleitoral. Sabemos que são fatos pequenos, mas são fatos importantes, como por exemplo, a mudança do artigo 10 que altera a palavra “reservará” por “preencherá”. Temos de fazer com que os partidos políticos cum-pram a nova legislação. Que os movimentos de mulheres e feministas, as instâncias de mulheres nos partidos e a própria SPM fiquem atent@s para cobrar uma lei já em vigor. Outra conquista foi a destinação de 5% dos recursos do fundo partidário na promoção da participação política das mulheres. São alguns ganhos alcançados na minirreforma política. A batalha para conseguir esses pontos foi muito grande. O CFEMEA integrou a Comissão Tripartite e sabe disso. Agora temos de estar atentas e ter uma posição para conseguir que ela saia do papel, se torne efetiva e que seja cumprida. Os projetos com relação ao aborto, que já são difíceis de andar em qualquer legislatura, em período eleitoral tornam-se ainda mais complicados, pois ninguém quer falar sobre o assunto, seja na Câmara, seja no Senado. Aquel@s que têm sensibilidade ao tema ou que defendem a discriminação da prática são raríssimos e, nessa conjuntura política, a tendência é recuar.

Fêmea - Olhando para o Legislativo a partir da SPM, ou seja, do lugar de quem tem de executar as políticas públicas, quais são as convergências para garantir os direitos das mulheres?

Sônia Malheiros - Hoje se tem um quadro no legislativo bastante conservador. Com as eleições em outubro há a possibilidade, quem sabe, do próximo mandado mudar um pouco isso. Existe no Congresso Nacional, de maneira geral, uma dificuldade no sentido de fazer com que as demandas das mulheres por ampliação dos direitos sejam incorporadas de maneira efetiva pela grande maioria dos parlamentares. Temos uma articulação forte com a Bancada Feminina da Câmara e do Senado, com toda sua heterogeneidade e falta de consenso em temas polêmicos, mas é uma parceria importante. Temos reforçado a relevância da atuação dessa bancada articuladamente na defesa e ampliação dos direitos das mulheres. Existem também alguns homens parlamentares que entendem a importância da igualdade de gênero para a democracia, mas também não é um contingente muito grande. Historicamente esse tema é considerado menor. @s parlamentares que querem se destacar não têm a igualdade de gênero como seu foco de atuação. Acredito que essa é a grande questão: colocar esse tema como central para a agenda democrática. Outros temas que são considerados importantes, como a questão econômica, em nosso entendimento, pouco adianta se não tiver um propósito de dar oportunidade de vida melhor para as pessoas, se não for olhado com esse foco de desenvolvimento humano. Na visão economicista, a tendência é que as nossas questões não sejam consideradas prioritárias. A dificuldade em fazer com que a igualdade seja tema central, não é difícil de constatar. Se pegarmos um dado estatístico como a ocupação feminina nos espaços de poder no Congresso fica evidente que as mulheres são poucas dentro do Congresso Nacional - menos de 10% -e são praticamente ausentes da ocupação de cargos de poder dentro do próprio parlamento. Isso é um retrato da desigualdade que temos na sociedade e se reflete na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Temos que nos esforçar para mudar essa correlação de forças, mas a tendência infelizmente, pelo menos historicamente, é que a recondução de quem já está sejá grande e, nestes últimos anos, o quadro não é favorável a ampliação de direitos. Mas a esperança continua.

Fêmea - Quais são os principais desafios da SPM?

Sônia Malheiros - O desafio é elegermos uma Casa com uma cara diferente. Que o povo consiga colocar tanto nos governos dos estados, no próprio Executivo como no Legislativo federal e estadual pessoas comprometidas com a democracia, com a construção da igualdade e respeito aos direitos humanos. A partir daí batalhar para que temas que visem ampliar os direitos das mulheres tenham prioridade no Congresso Nacional, com o investimento forte de parlamentares, articulad@s e que dialoguem com a sociedade. Mudar o quadro d@s dirigentes é o grande desafio para que possamos conseguir aprovar projetos e implementar políticas públicas para as mulheres.


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