Quando, neste 30 de março de 2011, estivermos todas na abertura do II Encontro Nacional da Articulação de Mulheres Brasileiras, estaremos frente a frente com o que resultou dos vários meses de construção do encontro. Quantas seremos? Mais de oitocentas? Mais de mil? Estarão visíveis todas as expressões do feminismo que fazem a AMB? Nossas companheiras de outras redes e movimentos, nacionais e internacionais, estarão conosco? E qual será a pauta resultante dos debates em torno dos eixos mobilizadores?
Por conta de seu caráter - um fórum amplo de debate feminista orientador das ações da AMB - construir o encontro nacional é sempre uma aventura cheia de surpresas e incertezas. O processo de construção é um espaço aberto ao diálogo e à reflexão crítica.
Autogestionado e organizado na forma de oficinas e debates, simultâneos e descentralizados por todo o país, a construção do encontro traz ao espaço nacional as análises da conjuntura, as interpretações sobre a situação das mulheres e as proposições para a luta feminista da AMB. Não sendo voltado para deliberações: nada será aprovado ou desaprovado, mas tudo será discutido; sendo o grande desafio produzir indicativos consensuais.
O encontro não é espaço de (re)encontro das mesmas, é um espaço de aglutinação de antigas e novas militantes, parceiras, colaboradoras, simpatizantes e todas que se identifiquem politicamente com a AMB, sendo este outro desafio. Desta diversidade resulta enorme pluralidade de pontos de vista, enriquecendo o nosso feminismo e complexificando as formas de enfrentar as muitas questões político-organizativas da AMB: política de alianças, política de formação, espaços de participação, instâncias de decisão, política de financiamento de nosso movimento.
Sem periodicidade fixa, o Encontro Nacional da AMB foi marcado estrategicamente, para coincidir com o momento pós - eleições gerais de 2010. Fosse qual fosse o resultado, estava evidente a necessidade de um espaço para debate da conjuntura e repensar sobre nossas formas de atuação. Certamente o que estará em foco principalmente serão os desafios do feminismo no contexto do governo Dilma e da conjuntura latino-americana, com o novo campo de força dos governos de esquerda se reestruturando e os 30 anos de feminismo na região sendo postos em debate no próximo Encontro Feminista Latino-americano e do Caribe (Bogotá, 23 a 26 - nov2011).
Diante do que foi a campanha eleitoral de 2010, é muito bom fazer este segundo encontro ao início do governo Dilma. O êxito eleitoral de Dilma foi a vitória de um projeto eleitoral identificado com mudanças para melhorar as condições de vida da população empobrecida. Uma vitória que se fez sobre a derrota do projeto da direita conservadora que, mobilizando uma militância fundamentalista, em muitos sentidos foi fascista.
Mas a eleição de Dilma se fez também sobre a resistência da luta feminista que tornou possível para as mulheres o mundo da política, e ao mesmo tempo insiste em denunciar as desigualdades e os direitos que as mulheres não têm na prática. Não esqueçamos que o ano eleitoral começou com os ataques ao PNDH3 (Plano Nacional de Direitos Humanos 3), contra o qual juntaram-se a igreja conservadora, os oligopólios da comunicação, os latifundiários e todos que são contra a apuração dos crimes da ditadura. Estes atores seguiram atuantes e articulados durante toda a disputa eleitoral e seguirão na oposição, no Congresso e fora dele, por todo o governo Dilma. O nosso desafio será fazer da derrota eleitoral imposta à direita uma derrota política efetiva a cada embate que enfrentaremos nestes próximos anos.
Fundamentalistas, racistas, latifundiários e conservadores, toda esta fauna e outras ervas, seguirão nos próximos anos na disputa por controle dos rumos do Estado, contra sua democratização. Seguirão mobilizando a sociedade contra a liberdade das mulheres, contra a igualdade racial, contra as lutas sociais no campo, na floresta e nas cidades, contra a democratização da comunicação e contra a universalização do SUS, do ensino público, da previdência pública.
De outra parte, mas juntos com eles, estarão os liberais e neoliberais de plantão, trabalhando pelo aprofundamento da sociedade competitiva e consumista, defendendo redução dos gastos públicos, mercantilizando a tudo e a todas.
Podemos dizer que estamos na mesma lida. Sim estamos, mas estamos num contexto diferente. Temos Dilma, a primeira mulher presidenta do Brasil, o que nos coloca o enorme desafio de ser um movimento forte e libertário. Os movimentos de mulheres e feministas, com a vitória de Dilma estão mais que nunca, desafiados a dizer a que vieram. A AMB, mais que antes, precisará ser um movimento que ocupe espaço na arena política para confrontar as práticas sociais, a ideologia, a orientação neoliberal nas políticas públicas e o projeto desenvolvimentista, concentrador e destruidor da natureza e da vida das pessoas. Precisaremos confrontar o poder dos conservadores e, ao mesmo tempo, ocupar espaço para afirmar e defender a vitória eleitoral alcançada com a eleição de Dilma presidenta.
Para a Articulação de Mulheres Brasileiras, o momento exige a reformulação de suas frentes de lutas e modo de atuação, reformulação que aprimore nossa capacidade de articular ações coletivas e redefina os caminhos de nossa luta feminista no futuro imediato. Precisaremos ampliar, em muito, o diálogo e a reflexão entre nós e com as aliadas. Frente a um momento de crise global e inovações na política brasileira, é preciso investir esforços no fortalecimento dos movimentos sociais para que tenhamos todos mais e melhor presença nesta arena política dominada pelas forças do mercado, racista e patriarcal, pelo neoliberalismo e pelo fundamentalismo.
Que venha o ENAMB!
Silvia Camurça integra a coordenação executiva nacional.