Luiz Alberto dos Santos
Advogado e Mestre em Administração Pública

Inicialmente, é importante ressaltar que a proposição original do Poder Executivo enfrentou grande resistência na Câmara dos Deputados, em face da gravidade das mudanças que introduzia, e dos seus efeitos perversos. Isso obrigou o governo a negociar com a sua base, e embora não tenha propriamente havido uma "negociação" com a Relatora designada pelo Presidente da CSSF, deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ), as reuniões por ela mantidas com técnico do Ministério da Previdência e com o Vice-Líder do Governo, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) serviram para dar ao governo a dimensão das suas dificuldades e para sensibilizá-lo a acatar mudanças que facilitassem a sua aprovação. Com efeito, imediatamente após a rejeição do Substitutivo apresentado pela deputada Jandira Feghali na CSSF, que rejeitava a totalidade das mudanças prejudiciais aos trabalhadores e segurados, já na Comissão de Finanças e Tributação o governo, através do Substitutivo apresentado pelo deputado Luís Carlos Hauly (PSDB-PR) promoveu alterações no projeto, atenuando alterações nas aposentadorias por velhice e no pagamento do salário-maternidade. A designação do Relator do vencido, deputado Jorge Alberto (PMDB-SE), permitiu que na CSSF fossem promovidas outras modificações, reduzindo o grau de perversidade do projeto.

Em essência, o texto aprovado manteve o Fator Previdenciário, submetendo o cálculo dos benefícios de aposentadoria por idade e por tempo de contribuição à conjugação dos critérios tempo de contribuição, idade na data da aposentadoria e expectativa de sobrevida na data da aposentadoria, de acordo com uma fórmula específica.

Resulta da aplicação da fórmula a redução do valor do benefício, quanto mais jovem for o segurado na data da aposentadoria, de modo que, tendo completado o tempo de contribuição exigido para o benefício (25, 30 ou 35 anos) com menos do que 59 anos de idade, o benefício sofre redução que chega a 21%, no caso de um homem com 53 anos de idade e 35 anos de contribuição completa. Seria necessário a esse segurado contribuir até 57 anos de idade, com 39 de contribuição (ou 58 de idade, com 38 de contribuição), para recuperar o valor integral do benefício. A fórmula do Fator Previdenciário, similar à adotada na Polônia recentemente, ao levar em conta esses fatores, agride a Constituição Federal, que no art. 201, § 3o, e no § 7o, admite como variáveis para o cálculo do beneficio apenas (a) o valor do salário de contribuição, (b) a correção monetária dos seus valores, para prestação do seu valor real e (c) o tempo de contribuição do indivíduo. Além disso, somente o teto de beneficio pode limitar o direito do segurado no cálculo da sua aposentadoria.

Em vista desse efeito, que atingiria mais violentamente mulheres, professores e professoras da rede privada e aposentados por idade, o texto aprovado "amenizou" o fator previdenciário, mediante:

a concessão de um "bônus" de 5 anos de contribuição (a ser somado ao tempo de contribuição efetivo) para mulheres e professores, e de 10 anos de contribuição para as professoras, de modo a reduzir a perda. Mesmo assim, um professor que queira se aposentar aos 30 anos de magistério, com 53 anos de idade, perderá 21% do seu beneficio, Caso se aposente aos 50 anos, a perda será de 30%. Somente aos 59 anos a perda será eliminada. No caso da professora a perda seria, aos 48 anos, com 25 de efetivo exercício no magistério, de 35%. Apenas aos 59 anos a perda seria eliminada. No caso da mulher, o resultado é o mesmo dos professores, com perda de até 41,5% para aposentadorias antes dos 59 anos com tempo completo de contribuição;
a permissão de que o segurado possa "optar" pela aplicação do Fator ou não, no caso de aposentadoria por velhice. Essa modificação - que deveria ser estendida a todos os segurados - resulta do reconhecimento de que os segurados teriam perdas de até 74% no valor dos benefícios, ao se aposentarem a partir dos 60 anos de idade. Exemplo típico: um homem aos 65 anos de idade com apenas 15 de contribuição teria uma perda de 66% no valor do benefício. Com a mudança, introduzida no art. 7o do Substitutivo aprovado, não haverá perda - pelo menos enquanto esse direito de opção for respeitado;
a fixação de uma regra de transição, que reduz a perda decorrente do fator a um sessenta avos a cada mês, nos próximos 60 meses a contar da entrada em vigor da Lei. Assim, a cada mês, quem for adquirindo o direito à aposentadoria terá uma perda maior, que será integral a partir do 60o mês de vigência da Lei. Exemplificando: um segurado com 35 anos de contribuição e 53 anos de idade com renda média de R$ 500,00 teria uma perda, com a aplicação integral do fator, de 20% no seu benefício. Logo, perderia R$ 100,00. No entanto, para quem quiser se aposentar nessas condições no mês imediatamente após a vigência da Lei, terá uma perda de R$ 1,66, quem aposentar-se dentro de doze meses, terá uma perda de R$ 20,00, dentro de 24 meses, R$ 40,00, e assim sucessivamente, até a implantação total do Fator.

O Fator, contudo, não é o único meio de reduzir os valores dos benefícios. Está também sendo aumentado o período básico de cálculo das aposentadorias, que passará para todos os segurados e sem regra de transição de 36 meses para no mínimo 50 meses, aumentando progressivamente. A regra prevê que o beneficio será calculado pela média dos melhores salários correspondentes a 80% do tempo total de contribuição decorrido de julho de 1994 em diante; dessa forma, quem aposentar-se em 2010, terá seu benefício calculado pela média de 80% de todos os meses decorridos desde julho de 1994, ou seja, 146 meses, ou 12 anos e dois meses. Dentro de 30 anos, o cálculo será feito com base em 28 anos de contribuição. Esse período poderá produzir redução, conforme a evolução salarial do indivíduo, de até 25% no valor do seu beneficio, perda à qual será acrescentada a que decorrer do Fator Previdenciário.

No curso da discussão do Projeto, conseguiu-se suprimir a introdução da exigência da carência para o salário maternidade das seguradas empregadas, empregadas domésticas e trabalhadoras avulsas, que seria de doze meses. Mas foi mantida a carência, embora reduzida para 10 meses, para o benefício a ser concedido às trabalhadoras seguradas autônomas e facultativas, que passam a fazer jus a esse benefício. Em todos os casos, no entanto, o salário maternidade passará a ser concedido e pago pelo INSS, e não mais pelas empresas, o que certamente irá dificultar a obtenção do direito. Caso especial é o da segurada especial (trabalhadoras rurais em regime de economia familiar) que terão que cumprir a carência de doze contribuições mensais, embora o sistema de contribuição desses trabalhadores seja anual. Foi assegurada a validade do art. 39, parágrafo único da Lei no 8.213/91, fruto de prolongada luta das trabalhadoras rurais, que assegura esse beneficio, no valor de um salário mínimo, mediante a comprovação de doze meses de atividade rural, independentemente de contribuição. No entanto, o dispositivo está sendo revogado pelo PL no 1733/99, também tramitando em regime de urgência constitucional na Câmara dos Deputados.

Apesar de atenuado, persiste o problema central do Projeto, que é de ordem constitucional, além de ser uma clara manifestação de inconformidade com a decisão do Congresso na votação da Emenda Constitucional no 20/98, quando rejeitou o requisito de idade mínima para aposentadoria no RGPS. A introdução desse requisito, de forma canhestra, demonstra que o Poder Executivo não consegue administrar derrotas, impondo à Sociedade mudanças legais e regulamentares para reduzir direitos sociais ainda que contrariando a Constituição. Assim, transfere ao Poder Judiciário, e ao cidadão, o ônus de reverter tais absurdos jurídicos, enquanto joga o perigoso jogo de buscar culpados para a sua própria incapacidade de resolver os problemas do país. Na verdade, cria outros novos, mediante políticas públicas cujos efeitos perversos são sempre subdimensionados na hora de obter a sua aprovação pelo Legislativo, mediante manipulação de dados e mistificações em que se vale da complacência da mídia para administrar "remédios amargos" e desproporcionais aos problemas que tenta resolver.


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