Convenção da OIT que assegura proteção à maternidade está ameaçada por proposta de revisão em junho

O movimento de mulheres enfrenta mais um desafio na busca da cidadania plena das mulheres. Já está em curso, no Brasil, uma campanha comandada pelas secretarias e coordenações de mulheres das Centrais Sindicais contra a revisão da Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa Convenção é de 1919, foi revisada em 1952, e estabelece os mecanismos de Proteção à Maternidade, no caso da mulher trabalhadora. A proposta de revisão em curso ameaça direitos conquistados pelo movimento internacional dos trabalhadores.

Em junho do ano passado, em Genebra, durante a 87ª reunião da Conferência da OIT, um grupo de empregadores propôs uma revisão nos termos da Convenção com o intuito de flexibilizar os mecanismos previstos adequando-os à nova realidade econômica e social em curso em vários países. Devido à complexidade do tema e à forte resistência apresentada por alguns membros, a finalização da discussão foi transferida para o próximo mês de junho, quando se realizará a 88ª reunião da Conferência da OIT, também em Genebra.

Os principais pontos considerados pelos proponentes das mudanças que merecem ser revisados são:

  • período mínimo de 6 semanas da licença maternidade obrigatória: segundo a proposta, não se deve fazer referência a essa questão, deixando a cargo de cada país a definição do tempo que julgar apropriado para a proteção da saúde da mãe e do filho;
  • o direito às interrupções da jornada de trabalho para que a mulher amamente o seu filho sem necessidade de compensação: a proposta de revisão propõe a inclusão deste ítem na parte relativa às recomendações o que também deixa a cargo de cada país a sua negociação;
  • a estabilidade provisória da mulher durante a gravidez, o parto e a amamentação: a revisão propõe que durante esse período a mulher poderá ser demitida desde que não seja pelo fato de estar grávida ou amamentando. O ônus da prova da motivação da demissão está por conta do empregador;
  • um piso para o valor do salário maternidade: a proposta é de que não se defina na Convenção um montante mínimo, mas que o valor seja definido de acordo com outros benefícios da seguridade social (aposentadoria por invalidez, seguro para idosos, acidente do trabalho), ou um montante adequado para cada país membro, dependendo da negociação;
  • saúde e segurança no trabalho: o texto atual da Convenção prevê as mudanças e adaptações que devam ser feitas no trabalho da mulher gestante ou lactante. O que se pretende é que sejam mantidas essas prerrogativas sem perda de salário e sem a obrigação de realizar trabalho noturno durante o período de gestação e amamentação.

As Convenções e Tratados Internacionais, no nível nacional, têm força de lei, ou seja, têm que ser cumpridas pelos países signatários. O Brasil assina a Convenção 103. No nosso processo constituinte de 87 e 88, o movimento social conseguiu conquistar pontos que vão além do convencionado internacionalmente.

Ficar sem uma referência internacional fragiliza todos os países na negociação interna dos direitos das mulheres trabalhadoras.

Essa proposta de revisão dos mecanismos de proteção à maternidade não é uma decisão isolada de um grupo de empregadores, mas se inscreve dentro de uma tendência mundial de "flexibilização" das relações de trabalho, entre aspas, porque para alguns estudiosos e defensores dos direitos dos trabalhadores ela não passa de uma mera retirada de direitos históricos conquistados pelas trabalhadoras e trabalhadores durante décadas.

A proposta de revisão também não é algo novo e distante da realidade de vários países, inclusive o Brasil. A proteção à função social da maternidade, traduzida nos direitos constitucionais das trabalhadoras à licença gestante, ao salário-maternidade integral e à estabilidade da gestante, vêm sendo aos poucos destruídos. A lei recente que trata do contrato temporário de trabalho, a tentativa de colocar o salário-maternidade no teto de mil e duzentos reais e a outra tentativa de estabelecer carência para o salário maternidade, em verdade, destroem estas conquistas. E não vai parar por aí, porque já está sendo elaborado, pelo Ministério do Trabalho, um projeto de reforma da artigo 7º da Constituição - que trata dos direitos dos trabalhadores, para flexibilizar as garantias relativas à licença maternidade, bem como ao seguro-desemprego, o fundo de garantia por tempo de serviço, o décimo terceiro salário, as férias anuais, entre outras - leia mais sobre isso no artigo da página 10.

Como podemos ver temos as mesmas propostas, tanto interna quanto externamente. Por outro lado, neste ano 2000, quando o movimento de mulheres brasileiras está mobilizado em torno da Conferência Mundial sobre a Mulher - Beijing + 5, e quando o movimento sindical organiza a sua intervenção política com vistas à Conferência da OIT, no mundo todo outras iniciativas, neste mesmo sentido, vêm se desenvolvendo. É o momento de somar esforços, desenvolver grandes campanhas globais e potencializar forças para fazer valer o direito conquistado. É preciso reafirmar a função social da maternidade, e impedir retrocessos garantindo o compromisso de todos com a sua proteção: estados nacionais, organismos internacionais e iniciativa privada têm de assumir o seu papel. Se a legislação internacional retirar ou reduzir a carga de responsabilidade destas esferas para transferí-las novamente às costas das mulheres, será um atraso sem tamanho.


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