Maria Amélia de Almeida Teles
União de Mulheres de São Paulo e Coordenadora do Projeto Promotoras Legais Populares

Impõe-se a necessidade de se criar um Juizado Especial para Crimes de Violência de Gênero para que o Estado possa oferecer serviços adequados à mulher que vive a situação de violência em suas relações interpessoais no cotidiano. Providências desse caráter facilitam a implementação dos tratados e convenções, os quais o Brasil assinou e ratificou. Em particular, a Convenção de Belém do Pará que reúne proposições para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.

A violência de gênero, conceito amplo e preciso, considera que as relações entre mulheres e homens têm sido historicamente desiguais, propiciando a subordinação da população feminina aos ditames masculinos, que impõem normas de conduta às mulheres e as devidas correções ao descumprimento dessas regras sutis e perversas, embutidas nesse relacionamento. Isto explica porque a violência de gênero também é conhecida como violência contra a mulher, ou doméstica e sexual. A sua incidência recai sobre a mulher e a criança do sexo feminino em quase 80% dos casos.

A realidade da violência de gênero traz dados alarmantes sobre os números e suas seqüelas para saúde física e mental, mas também atingem os aspectos econômicos e sociais. Em São Paulo, uma mulher é assassinada a cada 24 horas sendo o homicídio, a principal causa mortis das mulheres entre 10 e 49 anos. (Pro-AIM - PMSP). Provavelmente, 80% desses homicídios são, na realidade, femicídios, entendendo este termo como assassinato de mulheres por razões das relações desiguais entre mulheres e homens. Dados das Nações Unidas apontam que 45% a 60% dos assassinatos de mulheres no mundo são cometidos por homens com quem elas tiveram algum envolvimento amoroso.

A violência de gênero é um fenômeno cíclico que se processa como um ciclo regular com as fases definidas: lua de mel, tensão relacional, violência aberta, arrependimento, reconciliação e, novamente a lua de mel e as demais fases seguindo a seqüência, em ciclos cada vez mais curtos, até se tornar insuportável, podendo ter trágico desfecho.

Sem dúvida, a intervenção por meio de políticas públicas adequadas pode reduzir a tragédia da violência de gênero.

Mas, sem dúvida, a intervenção por meio de efetivação de políticas públicas adequadas pode reduzir a tragédia da violência de gênero, propiciando possibilidades de impedir a manutenção da situação de desrespeito e violação dos direitos humanos. Para isso, deve se encarar a violência de gênero não como crime de menor potencial ofensivo como vem sendo tratada atualmente pela Lei 9.099/95. Deve ser considerada como fenômeno construído e aprendido pelo ser humano, ao longo da história e, que, embora esteja bastante consolidado, pode ser transformado radicalmente. É bom ressaltar que violência de gênero não faz bem nem para a mulher nem para o homem. O próprio governo, via Ministério da Justiça e Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, reconhecendo essa situação, apela para os homens afirmando que “homem que é homem não bate, mulher que é mulher denuncia”.

Campanha

No dia 23 de novembro, foi lançada, em São Paulo, a Campanha pela criação do Juizado Especial para os Crimes de Violência de Gênero. Um grupo de promotoras legais populares e demais entidades entregaram carta, contendo a reivindicação, ao Presidente do Tribunal, aos representantes do Ministério Público e a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo.

A proposta da União de Mulheres de São Paulo contou com a adesão de outras instituições tais como: Comissão da Mulher Advogada - OAB/SP, Marcha Mundial de Mulheres, Movimento do Ministério Público Democrático, Instituto Brasileiro de Advocacia Pública e o Centro de Promotoras Legais Populares de São José dos Campos.

No momento, assumimos a bandeira da criação de um juizado especial para os crimes de violência de gênero, por ser este mais viável, não dependendo de nenhuma nova lei, pois a Lei Estadual Nº 851/98, que cria o JECRIM (Juizado Especial e Cível) no Estado de São Paulo permite a criação de juizados especiais.

Este Juizado deve ter atuação permanente, com autoridades e instalações judiciais adequadas, incluindo profissionais de saúde física e mental bem como assistentes sociais, compondo-se assim de uma equipe multidisciplinar, preparada para encaminhar e superar o litígio doméstico sem aviltamento da personalidade feminina.


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