Articulação Feminista Marco-Sul lança Campanha durante 2o Fórum Social Mundial
Religioso, político, econômico, científico ou cultural, o fundamentalismo é sempre político e prospera em sociedades que negam a humanidade, na sua diversidade, e que legitimam mecanismos violentos de sujeição de um grupo pelo outro, de uma pessoa pela outra. Essencialmente excludentes e belicosos, os fundamentalismos minam a edificação de um projeto de Humanidade onde todas as pessoas tenham direito a ter direitos, sacrificando, com requintes maiores de perversidade, a vida das mulheres.
É preciso "amplificar vozes que firmemente se opõem às práticas, discursos e representações sociais discriminatórias, que submetem pessoas a situações de opressão, ou vulnerabilidade." Este é o principal objetivo da Campanha "Contra os fundamentalismos, o fundamental é a gente", que a Articulação Feminista Marco-Sul pretende lançar durante o 2o Fórum Social Mundial (FSM). O evento será realizado entre os dias 31 de janeiro e 5 de fevereiro, em Porto Alegre (RS).
Reconhecendo as diferenças e afirmando a solidariedade, reivindicando a igualdade e afirmando a diversidade, esta Campanha propõe patamares para a solução negociada dos conflitos, em todas as esferas da vida: na intimidade, na privacidade, ou na vida pública.
Para Guacira Cesar Oliveira, da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), "o maior desafio é participar de debates sobre as alternativas para ‘outro mundo possível’, a partir de novos paradigmas civilizatórios baseados numa cultura dos direitos humanos e da diversidade". O FSM seria o espaço ideal para uma reflexão sobre a urgência de se incorporar a cultura dos Direitos Humanos como eixo construtor de alternativas de transformação.
Durante o Fórum, a Articulação pretende mostrar, em dinâmicas e reflexões, o impacto dos diversos tipos de fundamentalismo na vida das mulheres, e suas resistências frente a eles. Entre as principais atividades, está prevista a abertura de um espaço de vozes onde mulheres, de diferentes regiões do mundo, compartilhem suas vivências e resistências. Os testemunhos abordarão situações particulares de conflito em nível global, desvendando como os fundamentalismos, seja religioso, político ou econômico, atingem as mulheres do Afeganistão e Oriente Médio, da Europa do Leste, das Américas, da África e da Ásia.
A seguir, trechos do posicionamento sobre os Fundamentalismos, elaborado pela Articulação Feminista Marco-Sul a ser divulgado durante o 2º Fórum Social Mundial:
Em nome de Deus
O fundamentalismo religioso está presente em diferentes doutrinas. Na tradição guerreira dos filhos de Abraão - judeus, cristãos e muçulmanos - as vertentes fundamentalistas se sustentam na convicção tribal de serem, cada um destes, o povo escolhido, presenteado com a revelação de um único e verdadeiro Deus. São vertentes que arregimentam ‘rebanhos’ disciplinando-os para que resistam a qualquer transformação, sob pena de receber como castigo a dor e o sofrimento.
O fundamentalismo judeu persegue a meta de construção do Estado de Israel do tamanho que se anuncia na Bíblia Hebraica. O fundamentalismo islâmico quer fazer dos ensinamentos do Alcorão a única forma de vida, de moral, de política e de organização do Estado entre os islâmicos em todo o mundo. A evangelização católica justificou, na colonização da América, a dominação de milhões de seres humanos em suas próprias terras, destruindo vidas e culturas. Foi com argumentos buscados em ‘bases divinas’ que a ideologia racista usurpou, dos povos indígenas e africanos, sua condição humana.
Independentemente dos objetivos de cada fundamentalismo, uma coisa é certa: há um ponto de convergência entre todos eles: todos querem dominar, controlar, sujeitar violentamente os corpos, as sexualidades, as subjetividades, as vidas das mulheres.
Por quase tudo mais podem declarar uma guerra ou promover um ato de terror de dimensões catastróficas como foi o ataque ao World Trade Center. Mas não importa de onde venham, se da Casa da Branca, das mesquitas azuis, de alguma catedral ou sinagoga, os fundamentalistas invariavelmente se encontram para impor sua verdade única, sua única voz sobre todas as vozes e para destituir as mulheres de seus direitos humanos, dos seus direitos ao prazer, a exercer livremente a sua sexualidade, a decidir por um aborto, ou a ocupar um espaço de poder.
Em nome do Mercado
O Mercado é uma espécie de divindade contemporânea, que ocupa o lugar do Deus único e da verdade absoluta, inerentes a todos os fundamentalismos. Em nome dessa verdade absoluta, os homens que governam, a exemplo dos demais, produzem conflitos inegociáveis e promovem a guerra, a violência, a exclusão, a discriminação, o individualismo e a destruição da natureza.
Os seguidores do Mercado também rezam por uma Bíblia: adotam uma vertente da ‘tradição’ capitalista com perfil de pensamento único. Também na lógica do Mercado existem os eleitos. Estes são machos, brancos, originalmente - mas não exclusivamente - ocidentais do norte e formalmente heterossexuais. O Mercado se serve do sexismo, do racismo e da etnicização da força de trabalho. Utiliza-se, de ideologias discriminatórias, profundamente introjetadas por parcelas significativas das populações do planeta, para saciar sua voracidade pela ampliação dos lucros e manter suas hegemonias. Também no Mercado há uma concentração de esforços para controlar a sexualidade humana, em especial a das mulheres.
O Presidente da maior potência capitalista do mundo, George W. Bush, eleito com o apoio de grupos religiosos fundamentalistas, está para o fundamentalismo de Mercado, como alguns mullas e arcebispos estão para os fundamentalismos muçulmano ou católico. Um dos grandes temas de sua campanha eleitoral foi a proibição do aborto. Assim que assumiu a presidência Bush assinou a Lei Mordaça, proibindo que os recursos governamentais destinados à cooperação internacional fossem destinados a programas de saúde reprodutiva que lidam com a questão do aborto, mesmo sendo apenas a título de oferecer informações às mulheres.