Resolução do CFM foi suspensa no dia 18 de abril, mas foi pauta em comissão e mobilizou proposições e debates na Câmara dos Deputados
🚨RADAR FEMINISTA🚨
Reações do Congresso Nacional à resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.378, de 2024
No começo do mês de abril, foi publicada a Resolução nº 2.378, do Conselho Federal de Medicina (CFM), que determina a proibição da utilização da assistolia fetal em casos de estupro de gestações acima de 22 semanas. A assistolia fetal é uma técnica utilizada em procedimentos de aborto legal recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A sua proibição prejudica diretamente os casos de aborto principalmente de meninas vítimas de violência sexual, principal público das gestações acima do referido período gestacional. Dada a ameaça às prerrogativas legais como um todo, a resolução gerou uma série de reações no Congresso Nacional, tanto de resistência quanto de legitimação da violência institucional e de gênero do órgão. As trincheiras têm se dado principalmente via requerimentos: até o momento foram apresentados sete requerimentos (três de oportunidade e quatro de risco), um projeto de lei (PL) de risco e um projeto de decreto legislativo (PDL) de oportunidade.
No dia 18 de abril, a resolução foi suspensa via decisão da 8ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre, atendendo ao pedido da ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, Sociedade Brasileira de Bioética e Centro Brasileiro de Estudos da Saúde. O CFM deve recorrer, o que ainda representa um risco de retorno da resolução.
Choque de forças dos requerimentos em pauta na CPASF
Com grande diferença de votos, foi aprovado na última quarta-feira (17/04), na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) da Câmara dos Deputados o REQ 14/2024, da deputada Chris Tonietto (PL/RJ), que solicita moção de apoio ao Conselho Federal de Medicina (CFM), em razão da publicação da Resolução CFM nº 2.378/2024.
Em resumo, a comissão aprovou a celebração da violência institucional e de gênero cometida por um órgão que protagoniza uma grave ameaça ao direito ao aborto legal acima de 22 semanas de gestação, em casos de violência sexual. O papel do Conselho Federal de Medicina deveria ser de zelar pelos direitos em saúde de meninas, mulheres e pessoas que gestam, vítimas de violência sexual, mas tem atuado justamente para fragilizá-los. A grave contradição do Conselho Federal de Medicina encontra semelhança com a Comissão em que o requerimento foi votado. Com o placar de 12 votos “sim”, contra três “não” é nítido o perfil conservador da maioria dos parlamentares da Comissão, cujo objetivo deveria ser legislar em defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Os votos de negativa foram os de Erika Kokay (PT/DF), Sâmia do Bomfim (PSOL/SP) e Lídice da Mata (PSB/BA). Sobre a tramitação, a matéria segue à Comissão Diretora para publicação.
Como resistência na mesma comissão, entrou em pauta o REQ 17/2024, das deputadas Erika Hilton (PSOL/SP), Erika Kokay (PT/DF), Sâmia Bomfim (PSOL/SP) e do deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL/RJ), que "Requer Moção de Solidariedade à Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) pela defesa dos direitos de quatro mulheres e crianças brasileiras que tiveram o acesso negado ao aborto legal”. Dada a prevalência de deputadas e deputados reacionários e antiaborto, a votação do requerimento foi prejudicada, uma vez que o outro requerimento, da deputada Tonietto, também entrou em pauta, foi votado, e apresentava teor oposto ao requerimento apresentado pelo PSOL e PT.
Na ocasião, a deputada Sâmia do Bomfim (PSOL/SP) destacou que o Conselho Federal de Medicina não tem competência de alterar a legislação brasileira, fortalecendo que o aborto legal em caso de estupro está garantido no Código Penal desde os anos 1940. A não realização de abortos em caso de meninas pode significar uma ameaça a vida delas, já que muitas vezes apresentam gravidezes de risco dada a pouca idade. A deputada Erika Hilton (PSOL/SP) fortaleceu “pessoas que gestam” como também vítimas dessa resolução, após comentário transfóbico dito por outra deputada ao interromper a sua fala.
Outras trincheiras legislativas que mobilizam a resolução do CFM
Há outros requerimentos tramitando na Câmara e no Senado com objetivos similares de “homenagear” e “aplaudir” ou fazer “voto de louvor” ao CFM pela resolução, apresentados por outros deputados do Partido Liberal (PL), como o REQ 992/2024, do deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL/SP), o RQS 225/2024, do senador Jorge Seif (PL/SC) e o REQ 1243/2024, de Julia Zanatta (PL/SC) e Chris Tonietto (PL/RJ). Com intenção de legislar com base no que foi trazido na resolução, foi apresentado o PL 1096/2024, de Clarissa Tércio (PP/PE), que busca proibir a assistolia fetal em casos de aborto via alteração no Código Penal Brasileiro.
Como resistência do campo feminista, está pronto para pauta na CMULHER o REQ 30/2024, que solicita moção de repúdio em face da Resolução 2.378/2024 do CFM, de Erika Kokay (PT/DF), Sâmia Bomfim (PSOL/SP), Pastor Henrique Vieira (PSOL/RJ) e Erika Hilton (PSOL/SP). Também foi apresentado o REQ 48/2024, na Comissão de Participação Legislativa (CLP), que solicita Moção de Solidariedade às mulheres e meninas brasileiras que têm sido obrigadas a levar adiante gestação decorrente de estupro, apresentado pelas deputadas Sâmia Bomfim (PSOL/SP) e Fernanda Melchionna (PSOL/RS).
Vale destacar o PDL 111/2024, da deputada Erika Hilton (PSOL/SP), cujo objetivo foi sustar a resolução – o projeto aguardava o despacho do presidente da Câmara, mas com a suspensão via Justiça Federal, não deverá tramitar, por enquanto. Tendo como uma de suas bases jurídicas o artigo 5º da Constituição Federal, em que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, o Projeto de Decreto Legislativo traz importantes argumentos sobre o tema ao afirmar que a resolução “compreende a regulamentação da tortura e do tratamento desumano e degradante ao grupo de mulheres, crianças e pessoas que gestam quando recorrem aos serviços de aborto legal, pois obriga a pessoa que está gestando a manter gravidez em qualquer das hipóteses em que se têm a garantia de direito ao abortamento”.
Aborto também foi tema de audiência pública com a Ministra da Saúde na Câmara dos Deputados
Fez parte do caldo político em que publicou-se a resolução do CFM certamente a nota técnica Nota Técnica Conjunta Nº 2/2024- SAPS/SAES/MS, cujo conteúdo se referia a justamente os casos de aborto legal acima das 22 semanas e apenas fortalecia o que já estava previsto em lei. A nota foi publicada e revogada no mesmo dia pelo Ministério da Saúde, dada a escalada das ofensivas antiaborto da extrema direita. O caso gerou reverberações nas disputas políticas sobre os direitos sexuais e reprodutivos no Brasil.
Em 10 de abril, foi realizada audiência pública com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, na Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, na qual foi apresentada dentre os vários temas, a solicitação de prestação de esclarecimento acerca das Notas Técnicas Conjuntas nº 37/2023-SAPS/SAES e nº 2/2024-SAPS/SAES do Ministério da Saúde, no âmbito do Requerimento nº 16/2024, da deputada Rosângela Moro (UNIÃO/SP). Ambas as notas tratam sobre os procedimentos de aborto legal no Brasil.
A ocasião contou com uma série de ataques misóginos à ministra, que foi desrespeitosamente descredibilizada sobre sua gestão. Nísia Trindade foi acusada de “frequentemente” tentar “legalizar o homicídio de crianças na barriga da mãe” pelo deputado bolsonarista Delegado Paulo Bilynskyj (PL/SP).
Já o deputado Jorge Sola (PT/BA) afirmou que o aborto legal em caso de estupro e de risco de vida para a mulher está garantido pelo Código Penal desde 1940 e “é obrigação do Sistema Único de Saúde assegurar o direito ao aborto legal, assegurar essa realização, cumprir a lei. Não é o ministério que está descumprindo a lei”.
Em defesa do aborto legal, a ministra da Saúde destacou que a nota técnica do ministério não pode alterar a lei, mas que assegura o cumprimento da lei existente. Nesse sentido, destacou que, nos casos previstos em lei (estupro, risco de vida para a mulher e anencefalia fetal), o Ministério da Saúde tem que garantir a realização do procedimento em condições adequadas, dentro do que a própria Sociedade Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia definem como parâmetro apropriado quando se faz necessário, de acordo com as evidências científicas.
Atualmente (até 17 de abril) foram apresentadas no Congresso as seguintes proposições sobre a Resolução CFM Nº 2378/2024:
Classificação |
Proposição |
Ementa |
Autor(a) |
UF |
Partido |
Situação |
Câmara |
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Acrescenta o artigo 128-A ao Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 - Código Penal Brasileiro, para dispor sobre a proibição do uso do procedimento de assistolia fetal. |
Deputada Clarissa Tércio |
PE |
PP |
Aguardando Designação de Relator(a) na Comissão de Saúde (CSAUDE). |
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Requer Moção de Solidariedade às mulheres e meninas brasileiras que têm sido obrigadas a levar adiante gestação decorrente de estupro. |
Deputadas Sâmia Bomfim e Fernanda Melchionna |
SP, RS |
PSOL, PSOL |
Pronta para a pauta na Comissão de Legislação Participativa (CLP). |
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OPORTUNIDADE |
Requer aprovação de Moção de Repúdio em face da Resolução 2.378/2024 do Conselho Federal de Medicina (CFM). |
Deputados Erika Kokay , Sâmia Bomfim, Pastor Henrique Vieira e Erika Hilton |
PT, PSOL, PSOL, PSOL |
DF, SP, RJ, SP |
Pronta para a pauta na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMULHER). |
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OPORTUNIDADE |
Requer Moção de Solidariedade à Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) pela defesa dos direitos de quatro mulheres e crianças brasileiras que tiveram o acesso negado ao aborto legal. |
Deputadas Erika Hilton , Erika Kokay , Sâmia Bomfim e Pastor Henrique Vieira |
PSOL, PT, PSOL, PSOL |
SP, DF, SP, RJ |
Pronto para a pauta na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF). |
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RISCO |
Requer voto de louvor ao Conselho Federal de Medicina pela publicação da resolução 2.378/24 que proíbe o uso de assistolia fetal para aborto após 22 semanas. |
Deputadas Julia Zanatta e Chris Tonietto |
SC, RJ |
PL, PL |
Aguardando despacho do Presidente da Câmara dos Deputados. |
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Requer Moção de Aplauso ao Conselho Federal de Medicina (CFM), por proibir através da Resolução nº 2.378/2024, a realização da assistolia fetal, procedimento que causa a morte de bebês no ventre materno. |
Deputado Delegado Paulo Bilynskyj |
SP |
PL |
Aguardando despacho do Presidente da Câmara dos Deputados. |
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OPORTUNIDADE |
Susta a Resolução CFM N° 2.378, de 21 de março de 2024, publicada em 3 de abril de 2024, que regulamenta o ato médico de assistolia fetal, para interrupção da gravidez, nos casos de aborto previsto |
Deputada Erika Hilton |
SP |
PSOL |
Aguardando despacho do Presidente da Câmara dos Deputados. |
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Requer aprovação de Moção de Apoio ao Conselho Federal de Medicina – CFM, em razão da ofensiva intentada a partir da publicação da Resolução CFM nº. 2.378/2024, que regulamenta o ato médico de assistolia fetal. |
Deputada Chris Tonietto e outros |
RJ |
PL |
Aprovada na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF). |
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Senado |
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RISCO |
Requer voto de aplauso ao Conselho Federal de Medicina, pela aprovação da Resolução CFM nº 2.378, de 2024. |
Senador Jorge Seif |
SC |
PL |
Aguarda encaminhamento de votos. |
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