O Julho das Pretas em 2020 chega carregado de energias de resistência, cuidado, denúncia e revelação! Um julho que se constrói ancorado solidamente pela luta das mulheres negras, de longa data e história no mundo e em nosso país, denunciando a base violenta, racista e misógina sob a qual se estruturou o capitalismo global e a acumulação de riqueza no ocidente. Todo esse amálgama, revela como as desigualdades raciais, de gênero e de classe têm exposto e matado as populações negras na pandemia do Covid 19.
É chegado o tempo da revelação do fascismo e sua necropolítica que tem como alvo certo os corpos, os modos de viver e a religiosidade do povo negro. Diante de todo esse cenário difícil, a luta das mulheres negras tem sido fundamental para confrontar o racismo em sua expressão cotidiana em diversas sociedades para, enfim, tornar-se uma luta global! Com potência para mover as estruturas de opressão e tensionar as sociedades por uma nova ordem social mundial.
Nesse Julho das Pretas gostaríamos de celebrar e homenagear a força do ativismo das mulheres negras. Um julho bem diferente de todos os que vivemos nas últimas décadas no Brasil. Neste julho é evidente que uma nova parcela da sociedade brasileira, até a pouco apática, recém foi despertada, se sentiu convocada, está indignada com o racismo. Fazer com que parcelas cada vez maiores da nossa sociedade rejeitem o racismo e reconheçam a negritude como um valor precioso à condição humana é um fenômeno produzido pela resistência, coragem e luta de muitas mulheres negras, ao longo da nossa história até hoje.
Desnaturalizar, impedir a banalização de tanta violência e injustiça, cuidar das feridas que o racismo perpetrou nos nossos corpos e nas nossas almas, enfrentar o racismo patriarcal estruturado no poder e arraigado na sociedade é um feito, uma grande obra civilizatória, pela qual queremos honrar as mulheres negras de hoje e todas as nossas ancestrais. Revisemos as nossas próprias linhas de ancestralidade, reconheçamos (pela razão ou pela intuição, porque esta memória não foi registrada, mas sim suprimida) cada mulher preta que resistiu, sobreviveu à violência, cuidou, zelou pela vida, lutou por dias melhores e nos permitiu – a nós, pretas, pardas, negríndias, branqueadas, brancas lutadoras feministas antirracistas da atualidade – exigir, vislumbrar e colocar nossos braços, corações e mentes para um futuro sem racismo patriarcal.
A exposição pública de quão racista é nossa sociedade é fruto de anos de luta e resistência de mulheres negras; que com sua força e organização política têm conseguido, em um contexto tão adverso, convocar, mobilizar, atrair e reunir diversos setores da sociedade que, durante muito tempo, pouco ou quase nada se mobilizaram ou manifestaram indignação e prontidão para enfrentar o racismo. Se hoje há uma outra possibilidade construída, isso é fruto de muitos anos de trabalho e resistência das mulheres negras.
O CFEMEA é um coletivo de mulheres feminista antirracista. Por isso, nos comprometemos com a luta. Não nos silenciamos, não nos omitimos, nem abandonamos a arena política quando o racismo está sendo confrontado. Apostamos nas forças democratizante e de resiliência do processamento dos conflitos e nas possibilidades geradas a partir daí. A organização das lutas das mulheres, o diálogo intercultural, o reconhecimento mútuo, o cuidado coletivo com autocuidado são trilhas que o CFEMEA tem contribuído para abrir. O laço que une cada uma de nós ativistas ao movimento de transformar o mundo nos dá sustentação e força para seguir neste caminho subversivo e coletivo de transformar o mundo enquanto transformamos a nós mesmas.
Sempre estivemos desafiadas a contribuir para o enfrentamento do racismo em nossa sociedade, e também a formular pensamento crítico sobre uma prática política e teórica capaz de revelar as desigualdades produzidas por dois sistemas opressores que conformam nossas relações sociais – o racismo e o patriarcado – tanto em nossa organização, como nos movimentos sociais que construímos, espaços de pertencimento multirraciais e multiétnicos, a exemplo da Articulação de Mulheres Brasileiras. Como explicitamos nos diálogos sobre feminismo negro e feminismo antirracista , “nós mulheres”, além de sermos diferentes, vivemos em condições desiguais. O feminismo negro, há décadas explicita essas desigualdades e questiona como o racismo pode ser reproduzido sem que haja questionamento das ausências ou mesmo secundarização das vozes e vivências das mulheres negras em movimentos mistos, pontuando a centralidade da luta antirracista na tarefa desafiadora que é transformar o mundo pelo feminismo.
O CFEMEA tem atuado nos últimos anos na construção de ações de autocuidado e cuidado entre ativistas. Partimos do pressuposto de que o Pessoal é Político, uma afirmação central na construção política-teórica feminista que publiciza a experiência pessoal, privada das mulheres como central para romper a separação falaciosa entre as esferas pública e privada. “A ordem social que sustenta o racismo patriarcal e a individualidade dos homens no poder está erguida sobre os alicerces dos vínculos afetivos e sexuais, do abrigo, dos cuidados, enfim, das condições emocionais criadas e mantidas pelas mulheres, com responsabilidades desiguais, ordenadas pelas relações de classe, raça, étnicas e de gênero em que cada uma se situa, mantendo e reproduzindo desigualdades. Rejeitamos esses dualismos e os significados de superioridade que conferem à masculinidade e à branquitude”
Nesse Julho das Pretas, as Rodas de autocuidado e cuidado entre ativistas continuam girando, desde março virtualmente, dada a pandemia. Nesses espaços, temos pensado-sentindo como este Julho das Pretas bate no coração de cada uma e como rebate em força pessoal e política para as lutas antirracistas no contexto da pandemia. Para enfrentar a emergência sanitária, está se criando uma usina de forças, solidariedade e cuidado, para lidar com o cotidiano tão ameaçador e doloroso, assim como para exigir que o Estado cumpra com seu dever de garantir o direito à saúde e à vida também das pessoas negras; reivindicar políticas públicas neste sentido; e denunciar o genocídio do povo negro e dos povos indígenas.
Nesse Julho das Pretas de 2020, sob a égide de uma ordem política fascista crescente, o CFEMEA homenageia as ativistas negras brasileiras, mulheres que sempre estiveram na luta por um outro mundo justo, com igualdade de direitos e afirmativo da diversidade, sem racismo e sexismo, nos ensinando formas coletivas de organização a partir do Bem Viver, no lugar das sociedades capitalistas movidas pela exploração sem fim de nossos corpos, vidas e trabalhos! De Dandara, Aqualtune, Maria Firmina dos Reis, às contemporâneas Lélia González, Sueli Carneiro, Givânia Maria da Silva, Lúcia Xavier, Conceição Evaristo, Analba Brazão, Creuza Oliveira, Valdecir Nascimento, Marielle (presente!), Áurea Carolina, Regina Adami, Jéssica Hipólito, Larissa Santiago, e tantas outras aguerridas pensadoras e ativistas que nos ensinaram e ensinam como enfrentar um mundo dominando pelo racismo patriarcal. Ubuntu!
Leia aqui o Manifesto da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo
Nós, mulheres negras, indígenas e imigrantes, reunidas neste 25 de julho de 2020, viemos, mais uma vez, denunciar o racismo do Estado brasileiro contra nossos corpos. A data marca o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha e o Dia Nacional da Mulher Negra, criado no Brasil em homenagem à quilombola Teresa de Benguela. Estamos juntas e unidas lutando por nós, por todas nós, pelo Bem Viver e contra o genocídio do povo preto, dos povos indígenas, de LGBTQIA+ e contra todas as formas de opressão.Nós, mulheres negras, indígenas e imigrantes, reunidas neste 25 de julho de 2020, viemos, mais uma vez, denunciar o racismo do Estado brasileiro contra nossos corpos. A data marca o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha e o Dia Nacional da Mulher Negra, criado no Brasil em homenagem à quilombola Teresa de Benguela. Estamos juntas e unidas lutando por nós, por todas nós, pelo Bem Viver e contra o genocídio do povo preto, dos povos indígenas, de LGBTQIA+ e contra todas as formas de opressão.Em 2015, tomamos as ruas no dia 18 de novembro para realizar, em Brasília, a Marcha das Mulheres Negras – Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver, que reuniu cerca de 50 mil mulheres negras de todos os recantos do Brasil. Hoje celebramos os 5 anos da Marcha, um marco político e organizativo da luta das mulheres negras.Em São Paulo, também temos celebrado a data, em Marcha, e desde 2016, reunimos mais de 15 mil mulheres negras que tomaram as ruas da cidade celebrando também este legado! Demonstramos nossa indignação, mas também nossa força, reafirmando nossa luta e solidariedade à todas mulheres que engrossam cada vez mais o coro pelo Bem Viver.Em 2020, realizamos nossa 5ª Marcha das Mulheres Negras de São Paulo, agora de maneira virtual em função da Covid-19, e apresentamos para a sociedade questões que nos afetam diretamente e que queremos ver enfrentadas por todas as pessoas que acreditam num novo projeto democrático de país. Reivindicamos o Bem Viver, por ele resgatar as formas ancestrais de gestão do coletivo e do individual, com respeito aos nossos corpos e à natureza. Exigimos outra economia, sustentada nos princípios de solidariedade, reciprocidade, responsabilidade e integralidade. (...)
Leia na íntegra: https://linktr.ee/marchadasmulheresnegrassp
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